É mais um
capítulo na polémica que envolveu Mário Centeno, António Costa e Marcelo Rebelo
de Sousa. As declarações do Presidente na Autoeuropa sobre a injeção de 850
milhões de euros no Novo Banco foram consideradas pelo ministro das Finanças
uma "ingerência" e terão motivado quase um pedido de demissão — Costa
conseguiu demovê-lo. Na sequência do episódio, o Presidente terá pedido
desculpas (ou quase) a Centeno esta quinta-feira. O facto é que ninguém quer
ficar com o ónus da crise política. Quem conta o que se terá passado nos
bastidores de São Bento com Belém à escuta é a TSF. Entretanto, o Presidente já
reagiu em nota oficial.
Afinal, o que
aconteceu?
Em visita à
Autoeuropa ontem de manhã, na companhia de António Costa, Marcelo Rebelo de
Sousa disse que "o senhor primeiro-ministro esteve muito bem no Parlamento
quando disse que fazia sentido que o Estado cumprisse as suas
responsabilidades, mas naturalmente se conhecesse a conclusão da
auditoria" ao Novo Banco. Mais acrescentou
que "havendo, e bem, uma auditoria cobrindo o período até 2018, faz todo o
sentido o que disse o senhor primeiro-ministro no Parlamento: que é que é
politicamente diferente o Estado assumir responsabilidades dias antes de se
conhecer as conclusões de uma auditoria, ou a auditoria ser concluída dias
antes de o Estado assumir responsabilidades".
Estas
declarações, segundo a TSF, não foram bem recebidas por Mário Centeno, que as
considerou uma "ingerência", o que levou Centeno a pedir uma audiência
com António Costa, traduzida no encontro de ontem à noite em São Bento, que
deixou o país em suspenso sobre a continuidade do ministro das Finanças na
pasta.
Mário Centeno
chegou mesmo a estar disposto a apresentar demissão, mas durante horas se procurou
uma solução para a situação — é de referir que horas antes, na Autoeuropa,
Costa tinha lançado Marcelo para um novo mandato, reforçando a ideia de que o
PS o apoiará se este assim o decidir.
As declarações do
Presidente foram a gota de água depois de Centeno ter estado dias debaixo de
fogo, com o líder da oposição, Rui Rio, a considerar mesmo que este não tinha
condições para se manter em funções. A solução para o
impasse surgiu na forma de comunicado, já ao final da noite, com Costa a
reafirmar a sua confiança no ministro.
No mesmo podia
ler-se que ficaram "esclarecidas as questões relativas à falha de
informação atempada ao primeiro-ministro sobre a concretização do empréstimo do
Estado ao Fundo de Resolução, que já estava previsto no Orçamento de Estado
para 2020, que o Governo propôs e a Assembleia da República aprovou".
"O primeiro-ministro reafirma publicamente a sua confiança pessoal e
política no ministro de Estado e das Finanças, Mário Centeno", concluía.
Entretanto, já
nesta quinta-feira de manhã, Marcelo Rebelo de Sousa, segundo a TSF, telefonou
a Mário Centeno para lhe explicar as declarações feitas ontem na Autoeuropa, o
que disse ter-se tratado "de um equívoco".
A manutenção do
ministro das Finanças é do agrado de Marcelo, avançou hoje o Expresso. "Há
um Conselho Europeu importantíssimo sobre os apoios aos países atingidos pela
pandemia, há várias reuniões do Eurogrupo, e seria um absurdo o ministro das
Finanças sair agora", escreveu o jornal, citando fonte da Presidência. O tema voltaria, segundo
o semanário, a ser falado entre Marcelo e Costa esta quinta-feira, num almoço
privado.
"O
Presidente da República não demite ministros. Não faz sentido passar a ideia de
que o Presidente quis tirar o tapete ao ministro das Finanças", diz agora
Belém, para quem a expressão "pedido de desculpas" é um exagero.
Também isso, diz fonte da Presidência ao Expresso , "é um equívoco". Entretanto, numa
nota divulgada no portal da Presidência da República na Internet, Marcelo
Rebelo de Sousa afirma que "não se pronunciou, nem tinha de se pronunciar,
sobre questões internas do Governo, nomeadamente o que é matéria de competência
do primeiro-ministro, a saber a confiança política nos membros do Governo a que
preside". Na mesma nota, o
chefe de Estado "reitera a sua posição" transmitida na quarta-feira
"segundo a qual não é indiferente, em termos políticos, o Estado cumprir o
que tem a cumprir em matéria de compromissos num banco, depois de conhecidas as
conclusões da auditoria cobrindo o período de 2018, que ele próprio tinha
pedido há um ano, conclusões anunciadas para este mês de maio, ou antes desse
conhecimento".
"Sobretudo
nestes tempos de acrescentados sacrifícios para os portugueses", realça
Marcelo Rebelo de Sousa, adiantando que "isto mesmo transmitiu ao senhor
primeiro-ministro [António Costa] e ao senhor ministro das Finanças [Mário
Centeno]". Contas feitas, neste trio político ninguém
quer ficar com o ónus de uma crise política quando Portugal atravessa um
período crítico de reabertura após a pandemia.
O empréstimo
polémico
O semanário
Expresso noticiou na quinta-feira passada que o Novo Banco recebeu mais um
empréstimo público. A notícia surgiu depois de o próprio António Costa ter
garantido, nessa tarde, no debate quinzenal no parlamento, que não haveria mais
ajudas de Estado até que os resultados da auditoria pedida ao banco fossem
conhecidos. Afinal, o primeiro-ministro estava mal informado e não sabia que o
Ministério das Finanças tinha procedido a esse pagamento. Face ao sucedido, o
primeiro-ministro pediu desculpas ao Bloco de Esquerda (BE). Já esta
terça-feira, em entrevista à TSF, o ministro das Finanças admitiu uma falha de
comunicação entre o seu gabinete e o do primeiro-ministro quanto à injeção de
capital no Novo Banco, mas "não uma falha financeira", que seria
desastrosa.
Ontem, Marcelo
Rebelo de Sousa e António Costa visitaram a Autoeuropa e o Presidente, apesar
de elogiar a atuação do primeiro-ministro e sustentar que o Governo não pode
falhar com os seus compromissos, salientou que é diferente para os portugueses
cumprir compromissos sabendo os resultados da auditoria ou não.
"Para os
portugueses não é indiferente cumprir compromissos com o conhecimento exacto do
que se passou num determinado processo ou cumprir compromissos e mais tarde vir
a saber como é que foi esse processo até 2018. É politicamente diferente uma
coisa e outra", concluiu. Mário Centeno,
por sua vez, defendeu-se afirmando que a transferência de 850 milhões de euros
para o Fundo de Resolução destinado à recapitalização do Novo Banco não foi
feita à revelia do primeiro-ministro.
"Não, não
foi à revelia, não há nenhuma decisão do Governo que não passe por uma decisão
conjunta do Conselho de Ministros", disse Mário Centeno numa audição
regimental da Comissão de Orçamento e Finanças (COF) do parlamento esta
quarta-feira. O ministro das
Finanças afirmou ainda que "não há transferências nem empréstimos feitos à
revelia de ninguém", explicando que "a ficha de apoio ao senhor
primeiro-ministro chegou com um par de horas de atraso, e o senhor
primeiro-ministro, quando deu a resposta que deu, não tinha à frente dele a
informação atualizada".
Mário Centeno
revelou ainda em comissão parlamentar, que será feita uma nova auditoria ao
Novo Banco, na sequência da transferência de 850 milhões de euros do Tesouro
para o Fundo de Resolução, destinada à instituição. O caso levou
mesmo Rui Rio, presidente do PSD, a considerar que Centeno não tinha condições
para continuar no Governo e o dia terminou com António Costa e o Ministro das
Finanças reunidos em São Bento, com o país a aguardar uma decisão sobre a
permanência ou não do titular da pasta das Finanças.
O dinheiro
transferido para o Novo Banco pelo Fundo de Resolução (entidade financiada
pelos bancos que operam em Portugal que consolida nas contas públicas) foi
feito ao abrigo do mecanismo acordado na venda do Novo Banco à Lone Star (em
2017), pelo qual o Fundo de Resolução compensa o banco por perdas em ativos com
que ficou na resolução do BES. Contudo, uma vez
que o Fundo de Resolução não tem o dinheiro necessário às injeções de capital
no Novo Banco, todos os anos pede dinheiro ao Estado, indo devolver o
empréstimo ao longo de 30 anos. Desta vez, dos
1.037 milhões de euros que o Fundo de Resolução pôs no Novo Banco, 850 milhões
de euros vieram diretamente do Estado. Também em 2018,
dos 1.149 milhões de euros postos no Novo Banco, 850 milhões de euros vieram de
um empréstimo do Tesouro.
Já referente a
2017, dos 792 milhões de euros injetados, 430 milhões de euros vieram de um
empréstimo público. No total, o Novo
Banco já recebeu 2.978 milhões de euros do Fundo de Resolução para se
recapitalizar, dos quais 2.130 milhões de euros foram de empréstimos do
Tesouro. O mecanismo pelo
qual o Novo Banco pode ser recapitalizado pelo Fundo de Resolução bancário foi
criado em 2017. Em outubro desse
ano foi concretizada a alienação de 75% do Novo Banco ao fundo de investimento
norte-americano Lone Star, em 75%, mantendo o Fundo de Resolução bancário 25%.
O Lone Star não pagou qualquer preço, tendo injetado 1.000 milhões de euros no
Novo Banco (SAPO)
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