quinta-feira, maio 14, 2020

Equívoco atrás de equívoco: Como Marcelo e Centeno protagonizaram uma crise política em plena pandemia


É mais um capítulo na polémica que envolveu Mário Centeno, António Costa e Marcelo Rebelo de Sousa. As declarações do Presidente na Autoeuropa sobre a injeção de 850 milhões de euros no Novo Banco foram consideradas pelo ministro das Finanças uma "ingerência" e terão motivado quase um pedido de demissão — Costa conseguiu demovê-lo. Na sequência do episódio, o Presidente terá pedido desculpas (ou quase) a Centeno esta quinta-feira. O facto é que ninguém quer ficar com o ónus da crise política. Quem conta o que se terá passado nos bastidores de São Bento com Belém à escuta é a TSF. Entretanto, o Presidente já reagiu em nota oficial.
Afinal, o que aconteceu?
Em visita à Autoeuropa ontem de manhã, na companhia de António Costa, Marcelo Rebelo de Sousa disse que "o senhor primeiro-ministro esteve muito bem no Parlamento quando disse que fazia sentido que o Estado cumprisse as suas responsabilidades, mas naturalmente se conhecesse a conclusão da auditoria" ao Novo Banco. Mais acrescentou que "havendo, e bem, uma auditoria cobrindo o período até 2018, faz todo o sentido o que disse o senhor primeiro-ministro no Parlamento: que é que é politicamente diferente o Estado assumir responsabilidades dias antes de se conhecer as conclusões de uma auditoria, ou a auditoria ser concluída dias antes de o Estado assumir responsabilidades".

Estas declarações, segundo a TSF, não foram bem recebidas por Mário Centeno, que as considerou uma "ingerência", o que levou Centeno a pedir uma audiência com António Costa, traduzida no encontro de ontem à noite em São Bento, que deixou o país em suspenso sobre a continuidade do ministro das Finanças na pasta.
Mário Centeno chegou mesmo a estar disposto a apresentar demissão, mas durante horas se procurou uma solução para a situação — é de referir que horas antes, na Autoeuropa, Costa tinha lançado Marcelo para um novo mandato, reforçando a ideia de que o PS o apoiará se este assim o decidir.
As declarações do Presidente foram a gota de água depois de Centeno ter estado dias debaixo de fogo, com o líder da oposição, Rui Rio, a considerar mesmo que este não tinha condições para se manter em funções. A solução para o impasse surgiu na forma de comunicado, já ao final da noite, com Costa a reafirmar a sua confiança no ministro.
No mesmo podia ler-se que ficaram "esclarecidas as questões relativas à falha de informação atempada ao primeiro-ministro sobre a concretização do empréstimo do Estado ao Fundo de Resolução, que já estava previsto no Orçamento de Estado para 2020, que o Governo propôs e a Assembleia da República aprovou". "O primeiro-ministro reafirma publicamente a sua confiança pessoal e política no ministro de Estado e das Finanças, Mário Centeno", concluía.
Entretanto, já nesta quinta-feira de manhã, Marcelo Rebelo de Sousa, segundo a TSF, telefonou a Mário Centeno para lhe explicar as declarações feitas ontem na Autoeuropa, o que disse ter-se tratado "de um equívoco".
A manutenção do ministro das Finanças é do agrado de Marcelo, avançou hoje o Expresso. "Há um Conselho Europeu importantíssimo sobre os apoios aos países atingidos pela pandemia, há várias reuniões do Eurogrupo, e seria um absurdo o ministro das Finanças sair agora", escreveu o jornal, citando fonte da Presidência. O tema voltaria, segundo o semanário, a ser falado entre Marcelo e Costa esta quinta-feira, num almoço privado.
"O Presidente da República não demite ministros. Não faz sentido passar a ideia de que o Presidente quis tirar o tapete ao ministro das Finanças", diz agora Belém, para quem a expressão "pedido de desculpas" é um exagero. Também isso, diz fonte da Presidência ao Expresso , "é um equívoco". Entretanto, numa nota divulgada no portal da Presidência da República na Internet, Marcelo Rebelo de Sousa afirma que "não se pronunciou, nem tinha de se pronunciar, sobre questões internas do Governo, nomeadamente o que é matéria de competência do primeiro-ministro, a saber a confiança política nos membros do Governo a que preside". Na mesma nota, o chefe de Estado "reitera a sua posição" transmitida na quarta-feira "segundo a qual não é indiferente, em termos políticos, o Estado cumprir o que tem a cumprir em matéria de compromissos num banco, depois de conhecidas as conclusões da auditoria cobrindo o período de 2018, que ele próprio tinha pedido há um ano, conclusões anunciadas para este mês de maio, ou antes desse conhecimento".
"Sobretudo nestes tempos de acrescentados sacrifícios para os portugueses", realça Marcelo Rebelo de Sousa, adiantando que "isto mesmo transmitiu ao senhor primeiro-ministro [António Costa] e ao senhor ministro das Finanças [Mário Centeno]". Contas feitas, neste trio político ninguém quer ficar com o ónus de uma crise política quando Portugal atravessa um período crítico de reabertura após a pandemia.
O empréstimo polémico
O semanário Expresso noticiou na quinta-feira passada que o Novo Banco recebeu mais um empréstimo público. A notícia surgiu depois de o próprio António Costa ter garantido, nessa tarde, no debate quinzenal no parlamento, que não haveria mais ajudas de Estado até que os resultados da auditoria pedida ao banco fossem conhecidos. Afinal, o primeiro-ministro estava mal informado e não sabia que o Ministério das Finanças tinha procedido a esse pagamento. Face ao sucedido, o primeiro-ministro pediu desculpas ao Bloco de Esquerda (BE). Já esta terça-feira, em entrevista à TSF, o ministro das Finanças admitiu uma falha de comunicação entre o seu gabinete e o do primeiro-ministro quanto à injeção de capital no Novo Banco, mas "não uma falha financeira", que seria desastrosa.
Ontem, Marcelo Rebelo de Sousa e António Costa visitaram a Autoeuropa e o Presidente, apesar de elogiar a atuação do primeiro-ministro e sustentar que o Governo não pode falhar com os seus compromissos, salientou que é diferente para os portugueses cumprir compromissos sabendo os resultados da auditoria ou não.
"Para os portugueses não é indiferente cumprir compromissos com o conhecimento exacto do que se passou num determinado processo ou cumprir compromissos e mais tarde vir a saber como é que foi esse processo até 2018. É politicamente diferente uma coisa e outra", concluiu. Mário Centeno, por sua vez, defendeu-se afirmando que a transferência de 850 milhões de euros para o Fundo de Resolução destinado à recapitalização do Novo Banco não foi feita à revelia do primeiro-ministro.
"Não, não foi à revelia, não há nenhuma decisão do Governo que não passe por uma decisão conjunta do Conselho de Ministros", disse Mário Centeno numa audição regimental da Comissão de Orçamento e Finanças (COF) do parlamento esta quarta-feira. O ministro das Finanças afirmou ainda que "não há transferências nem empréstimos feitos à revelia de ninguém", explicando que "a ficha de apoio ao senhor primeiro-ministro chegou com um par de horas de atraso, e o senhor primeiro-ministro, quando deu a resposta que deu, não tinha à frente dele a informação atualizada".
Mário Centeno revelou ainda em comissão parlamentar, que será feita uma nova auditoria ao Novo Banco, na sequência da transferência de 850 milhões de euros do Tesouro para o Fundo de Resolução, destinada à instituição. O caso levou mesmo Rui Rio, presidente do PSD, a considerar que Centeno não tinha condições para continuar no Governo e o dia terminou com António Costa e o Ministro das Finanças reunidos em São Bento, com o país a aguardar uma decisão sobre a permanência ou não do titular da pasta das Finanças.
O dinheiro transferido para o Novo Banco pelo Fundo de Resolução (entidade financiada pelos bancos que operam em Portugal que consolida nas contas públicas) foi feito ao abrigo do mecanismo acordado na venda do Novo Banco à Lone Star (em 2017), pelo qual o Fundo de Resolução compensa o banco por perdas em ativos com que ficou na resolução do BES. Contudo, uma vez que o Fundo de Resolução não tem o dinheiro necessário às injeções de capital no Novo Banco, todos os anos pede dinheiro ao Estado, indo devolver o empréstimo ao longo de 30 anos. Desta vez, dos 1.037 milhões de euros que o Fundo de Resolução pôs no Novo Banco, 850 milhões de euros vieram diretamente do Estado. Também em 2018, dos 1.149 milhões de euros postos no Novo Banco, 850 milhões de euros vieram de um empréstimo do Tesouro.
Já referente a 2017, dos 792 milhões de euros injetados, 430 milhões de euros vieram de um empréstimo público. No total, o Novo Banco já recebeu 2.978 milhões de euros do Fundo de Resolução para se recapitalizar, dos quais 2.130 milhões de euros foram de empréstimos do Tesouro. O mecanismo pelo qual o Novo Banco pode ser recapitalizado pelo Fundo de Resolução bancário foi criado em 2017. Em outubro desse ano foi concretizada a alienação de 75% do Novo Banco ao fundo de investimento norte-americano Lone Star, em 75%, mantendo o Fundo de Resolução bancário 25%. O Lone Star não pagou qualquer preço, tendo injetado 1.000 milhões de euros no Novo Banco (SAPO)

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