Costa, Centeno e
Marcelo protagonizaram esta quarta-feira uma saga que não fez mortes. Mas
deixou feridos. Por agora não há nada de novo, mas as sequelas do filme
prometem aquecer o terreiro político. Com
o país a travar um combate à pandemia de Covid-19, primeiro-ministro e
Presidente da República cerram fileiras para reforçar o seu poder e autoridade
e o ministro das Finanças foi o sacrificado. É desta forma que alguns dos
analistas contactados pelo ECO resumem os acontecimentos de quarta-feira, que
começaram com o Mário Centeno, no Parlamento, a garantir que o pagamento do
cheque de 850 milhões ao Fundo de Resolução por causa do Novo Banco não foi
passado à revelia do primeiro-ministro e terminaram com uma reunião entre os
dois para António Costa reiterar a confiança pessoal e política em Centeno.
“Compreende-se a
necessidade de, na vida nacional, Presidente da República e primeiro-ministro
procurem entender-se e reforçar-se mutuamente”, sublinhou ao ECO, João Cardoso
Rosas, numa referência às palavras de Marcelo Rebelo de Sousa que também
preferia que o cheque para o Fundo de Resolução só tivesse sido pago depois de
conhecidos os resultados da auditoria da Deloitte, tal como tinha sido sugerido
por António Costa, a semana passada no Parlamento. “É importante para o momento
atual esse reforço mútuo, tendo em conta o que aí vem em termos de política
económica. E Centeno foi ali sacrificado“, explicou o investigador de ciência
política.
“Há uma auditoria
que estaria concluída em maio deste ano… para os portugueses não é indiferente
cumprir compromissos com o conhecimento exato do que se passou, ou cumprir
compromissos e mais tarde vir a saber como se passou” naquele tempo, disse
Marcelo Rebelo de Sousa, lado a lado com António Costa, após uma visita à
Autoeuropa. Uma declaração que foi lida como uma crítica direta a Mário
Centeno. Crítica essa que aliás não seria a primeira.
“Rebobinando a
história, vale a pena lembrar que Marcelo já na altura das nomeações para a
Caixa Geral de Depósitos, fez duras críticas a Centeno“, recordo Carlos Jalali.
Em causa esteve a polémica em torno na nomeação de António Domingues para
presidente executivo da Caixa. “A situação que parecia terminar acabou por não
acontecer”, sublinha ao ECO o politólogo, por isso diz não conseguir prever o
que vai acontecer. Mas uma coisa é certa, o episódio “revela sinais de falta de
coordenação no Governo”.
Por isso mesmo
João Cardoso Rosas defende que os três protagonistas “se pensarem hoje na
questão, provavelmente não diriam em público as mesmas palavras, já que estas
criaram um problema para si mesmo”. Aliás, o telefonema desta manhã de Marcelo
Rebelo de Sousa a Mário Centeno, revelado pela TSF, é uma prova disso mesmo.
Mas, numa nota da Presidência, horas mais tarde, Marcelo confirma o telefonema,
mas diz manter as divergência face à opção de ter pago o cheque antes do
resultado da auditoria.
“Ignorando que o
que presidiu a esta tensão foi um lapso de informação” — o facto de António
Costa dizer ao Bloco de Esquerda no Parlamento que o cheque para o Fundo de
Resolução ainda não tinha sido pago, que obrigou a um pedido de desculpa do
chefe de Governo — “em casos como este, quem sofre é o ministro das Finanças”,
afirma António Costa Pinto ao ECO. “Ainda para mais quando temos um ministro
das Finanças com enorme importância política, mas que é independente“,
acrescenta. Para o investigador de ciência política o que distingue um técnico
de um político é saber avaliar estas situações e precaver-se tendo em conta a
grande impopularidade que têm as transferências para o Novo Banco.
“Primeiro-ministro e Presidente da República mostraram unidade na ação e
oneraram para o Ministério das Finanças o ter continuado normalmente esta
transferência para o Fundo de Resolução”. Até porque o dia 6 de maio era o
prazo limite para o fazer de acordo com as regras estabelecidas no contrato
estabelecido com o Lone Star.
Centeno até já
teve algumas participações de cariz mais político durante a campanha do PS e
“até gostou, abandonando um pouco a sua tendência tecnocrata”, sublinhou
António Costa Pinto, mas isso não significa que tenha criado este episódio, ao
dar a entender que António Costa sabia da decisão, para forçar a sua saída do
Governo e ir para o Banco de Portugal. Perante a crise que o mundo atravessa a
tendência, seria de manter o ministro das Finanças no Executivo. Os politólogos
dizem não ter dados para avaliar o que realmente se passou, mas reconhecem que
a tendência tem sido de os executivos não abrirem mãos dos seus ministros das
Finanças.
Primeiro-ministro
e Presidente da República mostraram unidade na ação e oneraram para o
Ministério das Finanças o ter continuado normalmente esta transferência para o
Fundo de Resolução.
António Costa
Pinto
Para Marina Costa
Lobo, “a prazo, a saída de Centeno é uma perda eleitoral para António Costa”.
“Na véspera das eleições de outubro de 2019, Centeno era mais popular do que
todos os líderes políticos, com exceção de António Costa. Para os eleitores de
direita, Centeno era mais popular do que António Costa. Isto tudo foi antes de
ter anunciado o tal primeiro excedente das contas públicas desde 1974”, recorda
a politóloga ao ECO.
Se Centeno está
ou não a prazo, é a grande questão. “Com certeza que permanecerá tranquilo
tanto quanto lhe for possível”, admite João Cardoso Rosas, “mas isto
belisca-o”. “O ministro das Finanças passou de absolutamente intocável, de ser
uma figura central do Governo, para uma despromoção na hierarquia do Governo
com a subida de Siza Vieira. Há aqui uma série de questões, talvez António
Costa tenha intuído que Centeno estaria a tornar-se numa figura mais popular do
que ele e isso não podia acontecer. A única forma de resolver o crescendo de
problemas é dar um pontapé para cima e colocá-lo no Banco de Portugal, numa
situação de prestígio”, antecipou João Cardoso Rosas.
Mas o episódio de
quarta-feira teve ainda um outro capítulo: António Costa lançou a recandidatura
de Marcelo Rebelo de Sousa a Belém. Para os politólogos esta não foi uma forma
de primeiro-ministro desviar as atenções do Novo Banco, mas antes antecipar-se
à direita e dar o seu apoio à candidatura.
“Perante as
duvidas e hesitações à direita para dar apoio ao candidato Marcelo, António
Costa antecipou-se e marcou desde logo o seu apoio tendo esvaziar as vantagens
políticas que a direita poderia ter ao apoiar a recandidatura do Presidente,
resumiu João Cardoso Rosas. Para Carlos Jalali este apoio não pode ser lido
fora do contexto da pandemia e não vai impedir o surgimento de outros
candidatos, mas que serão apenas “de presença”, diz António Costa Pinto.
Candidatos que até vão beneficiar Marcelo, evitando elevados níveis de
abstenção (ECO digital, texto da jornalista Mónica Silvares)
Sem comentários:
Enviar um comentário