domingo, maio 24, 2020

Aviação: TAP pode precisar de €1,2 mil milhões

A TAP é cada vez mais um caso isolado em matéria de auxílios de Estado na Europa. Gigantes da aviação como a Air France e a Lufhansa já têm planos de milhares de milhões aprovados ou à espera de luz verde de Bruxelas, mas a transportadora portuguesa está ainda a dar os primeiros passos. Mais de dois meses após ter sido anunciado o estado de emergência em Portugal, e a viver uma situação de enorme fragilidade, a companhia continua à espera de saber qual será o plano de resgaste que lhe será aplicado. A cada dia que passa a situa­ção financeira agrava-se. Junho será um mês chave — é apontado pela gestão como o mês limite para que o apoio do Estado chegue. A ajuda pública é fundamental para assegurar a sustentabilidade e operacionalidade, admitem fontes da transportadora, embora garantam que a empresa ainda tem caixa para assegurar a sobrevivência. Tal como as demais empresas de aviação, a TAP aguarda medidas específicas de apoio ao sector, mas nada saiu ainda da gaveta. A juntar a este cenário há uma crispação pública entre o Estado e os acionistas privados, David Neeleman e Humberto Pedrosa, protagonizada pelo ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos, que tem contribuído para arrastar o processo. Depois da ameaça de nacio­nalização, um novo cenário saltou para cima da mesa — o da insolvência. Caíram como uma bomba as declarações de Pedro Nuno Santos esta semana no Parlamento: o Estado vai negociar com os acionistas privados sem excluir nenhum cenário, incluindo a insolvência. O aviso ficou dado. E causou espanto, pois ainda não tinha sido apontado como hipótese.
Mas este cenário estará mesmo em cima da mesa? Muitas questões se levantariam se fosse este o caminho a seguir pelo Governo, nomeadamente face aos obrigacionistas. A TAP tem emissões de dívida no montante de €570 milhões — €200 milhões no retalho e €370 milhões nos institucionais — e a insolvência deixá-los-ia numa situação de enorme fragilidade e seria um tiro no pé na reputação do Estado português. Um dia depois das declarações do ministro as obrigações de retalho da TAP estiveram em queda.
€800 MILHÕES A €1,2 MIL MILHÕES?
A administração da TAP, sabe o Expresso, está a trabalhar em cenários feitos com base nas ajudas que têm estado a ser dadas às grandes companhias europeias. Extrapolando para a dimensão da TAP, essa análise aponta para um auxílio de Estado que poderá variar entre os €800 milhões e os €1,2 mil milhões. Um intervalo de valores que está dependente das medidas de apoio transversais ao sector e do tempo que demorar a retoma da atividade. O sentimento na transportadora é de isolamento — nem ajuda pública, nem medidas de apoio setoriais. O Governo nunca se comprometeu com qualquer montante. Pedro Nuno Santos disse apenas que poderiam ser algumas centenas de milhões de euros.
São valores acima dos €375 milhões ou mesmo dos €700 milhões que têm sido referidos na imprensa e que a administração da TAP tem afirmado que nunca pediu ao Estado. A transportadora admitiu apenas, em carta enviada à Parpública, que havia a disponibilidade, por parte de bancos chineses, de a financiarem, através de um empréstimo obrigacionista garantido, até €375 milhões.
A falta de visibilidade sobre o pacote de ajudas públicas e os cenários mais extremistas começa a gerar alguma tensão junto dos fornecedores da TAP, confessa fonte da empresa. A transportadora tem praticamente congelado o pagamento aos fornecedores, com base na perspetiva de que a situação é excecional e a ajuda chegará. Mas a possibilidade de insolvência assumida pelo ministro das Infraestruturas fez soar as campainhas e gerou algum nervosismo junto dos fornecedores, levando a um aumento da pressão sobre a empresa.
O atraso das negociações nos auxí­lios de Estado pode vir a ter consequências ao nível da concorrência, já que a TAP está a partir para as negociações num momento em que grande parte das suas congéneres já tem planos em marcha. E quando houver uma retoma da procura a concorrência será feroz e haverá um reposicionamento estratégico de quem sobreviver, avisam fontes do sector. As grandes companhias aéreas europeias poderão sair reforçadas desta crise — na Europa, os pacotes em negociação rondam os €28 mil milhões.
REESTRUTURAÇÃO À VISTA?
São muitos os desafios que a TAP — com uma dívida líquida de quase €1000 milhões, que sobe para €3300 milhões com as responsabilidades do leasing dos aviões — terá de enfrentar. A empresa, que renovou a frota de longo curso após a privatização, vai começar a renegociar o leasing dos aviões com vários fornecedores, da Airbus à Azul, do acionista David Neeleman. A Azul representa 10% das rendas de aviões da TAP.
É neste contexto que está a estudar a hipótese de devolver alguns aviões novos — quantos, quando e como é algo que está a ser estudado com cautela, e tem de ter o acordo dos fornecedores. O objetivo é não ter de chegar a essa situação. Atualmente, os voos comerciais que se realizam são escassos (Açores, Madeira, São Paulo, Rio, Londres, Paris) e as reservas rareiam. A empresa aguarda o momento para poder retomar a atividade com normalidade, mas não sabe quando chegará. É provável que grande parte dos 105 aviões não seja necessária até ao final do ano. Mas se a retoma for rápida e a TAP tiver devolvido aviões de que poderá vir a precisar, corre um risco. O leasing dos aviões custa cerca de €330 milhões por ano.
A TAP cresceu com ambição e risco e a pandemia foi um revés de que os gestores privados não estavam à espera. A estratégia de crescimento acelerado está agora a ter um preço. Uma reestruturação surge como inevitável. O ministro das Infraestruturas não o escondeu.
Desde o início da pandemia, já dispensou mais de 300 trabalhadores com contratos a prazo. Se a procura não recuperar e o espaço aéreo se mantiver fechado ou limitado, uma grande parte dos contratados a prazo, mais de mil pessoas, poderá ter de sair. O maior peso nas contas da companhia são os salários — €700 milhões por ano. Cerca de 90% dos seus trabalhadores estão em lay-off desde abril e assim deverão manter-se em junho. Ainda que com este apoio, os custos com os trabalhadores superam os €20 milhões por mês.
Mas os cortes poderão não ficar por aqui. A Comissão Europeia quer que os auxílios do Estado sejam apenas para mitigar os problemas da pandemia, e não para salvar empresas em dificuldades. Porém, se for preciso ajudar transportadoras com problemas adicionais — e a TAP tem dois anos de prejuízos consecutivos acima dos €100 milhões —, a ajuda fica condicionada a uma reestruturação. Nesse caso haverá corte do número de trabalhadores, ajustamento de rotas e de frota. Este é um cenário que a gestão da TAP tem posto de lado, preferindo falar de ajustamento. Mas ninguém garante que não irá acontecer, nem o próprio Governo
CENÁRIOS: PARPÚBLICA QUER NACIONALIZAÇÃO ESTUDADA
Quando estava a criar o grupo de trabalho que iria desenhar e negociar as medidas de auxílio de Estado, a Parpública convidou, a pedido do ministro das Infraestruturas, consultores e bancos a apresentarem uma candidatura. As propostas deviam mostrar que estavam aptos a apresentar um cardápio de soluções de apoio à TAP — um conjunto de medidas adequadas à situação tendo em conta o que está a ser aplicado noutros países, capacidade de apoio aos assessores jurídicos, nomeadamente nas negociações com as autoridades (Concorrência Europeia), modelos de financiamento com garantias de Estado, mecanismos de modelos de governação adequados e de mudanças de estruturas de capital. A carta convite nada dizia sobre o estudo de um cenário de nacionalização para a TAP, mas os candidatos podiam fazer perguntas adicionais à Parpública, que é quem detém os 50% do Estado. Ao fazer perguntas, perceberam que deviam estudar também um eventual cenário de nacionalização da transportadora. Houve quatro candidaturas e a consultora vencedora foi a Deloitte, que se apresentou a concurso com o Deutsche Bank (um dos bancos financiadores da TAP). Quem ficou pelo caminho foram as consultoras Mckinsey, AT Kearney e Roland Berger. O primeiro-ministro não estava a par do concurso. Pedro Nuno Santos disse esta semana no Parlamento que o grupo de trabalho, cuja liderança é de João Nuno Mendes, foi escolhido pela Parpública. (Expresso, texto da jornalista ANABELA CAMPOS com PEDRO LIMA)

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