terça-feira, dezembro 03, 2019

Nota: entender o que se passou na Assembleia Municipal do Funchal

Não vou abordar em pormenor a polémica na Câmara do Funchal devido aio processo de discussão e votação da proposta de orçamento para 2020, repetidamente elogiada pela edilidade de Miguel Gouveia mas que esbarrou no voto contrário da oposição por motivos obviamente diferentes entre si.
Falar de uma "santa aliança" negativa entre todas a oposição, sobretudo misturando PSD e CDS no mesmo panelão onde estão PCP, PTP, JPP (pelos vistos não autorizado pelo seu partido....) e MPT (que foi desligado do partido apesar de em 2017 ter sido por ele eleito) é patético.
Comecemos por explicar às pessoas tudo:
Composição da Câmara Municipal do Funchal depois das eleições autárquicas de 2017 (é sabido que a Coligação liderada pelo PS (BE,JPP, PRD e NC) alcançou 42,1% dos votos e 6 mandatos todos socialistas):
  • PS - 6 mandatos (maioria absoluta do elenco)
  • PSD - 4
  • CDS - 1
Se foi fácil a Miguel Gouveia aprovar no quadro da CMF o seu orçamento para 2020 - porque tem, a maioria absoluta dos membros do executivo, 6 em 11 mandatos, incluindo o voto do Presidente que desempata)
O problema é que nos termos da lei, tanto o orçamento camarário como o plano de investimentos da edilidade têm que ser presentes, discutidos e votados pela Assembleia Municipal que é o órgão colegial da cidade. Transpondo para o nivel regional - apenas no que ao processo político diz respeito (no outro é diferente porque nas eleições regionais são apenas eleitos os 47 deputados regionais e não os membros do Governo Regional, ao contrário das eleições autárquicas) - recordo que o governo regional da Madeira aprova as suas propostas de plano de Investimentos e Orçamento mas eles só ficam validados depois de discutidos e votados na Assembleia Legislativa onde até podem ser negociadas alterações, sim ou não, que possam ser apresentadas, quer pelos partidos que suportam e apoiam o executivo, quer mesmo pela oposição.
O erro político de Gouveia
Ora, pelo que ouvi e li, parece-me que este terá sido o primeiro grande erro político de Gouveia, ao adoptar uma posição demasiado rígida e radical sobretudo em relação aos potenciais parceiros que queriam fazer, como já li algures, com  piada, o papel do "CDS no parlamento do Funchal", aprovando pequenas medidas que dessem sinal de que eles existem, mesmo que limitados a posições eleitorais insignificantes. Se queria que o seu orçamento camarário para 2020 passasse na AM, Miguel Gouveia, quer directamente, quer usando canais indirectos de contacto e negociação, deveria ter negociado com alguns dos pequenos partidos para garantir a maioria dos votos que precisava. Salvo se houve a deliberada intenção de gerar esta crise o que seria absolutamente maquiavélico.
Independentemente de outros factores, no caso do PSD e do CDS, de natureza política, que possam estar associados a este processo, julgo que o PS desvalorizou o impacto da ressaca das regionais de 22 de Setembro, já que é sabido que alguns partidos - PCP, Bloco, JPP, PTP - responsabilizam o PS por ter assumido uma bipolarização demasiado acentuada com o PSD, que motivou o afastamento de vários desses pequenos partidos do parlamento e a perdas de influência eleitoral e de deputados no caso de alguns deles. Essa ressaca, admito eu, continua ainda evidente.
PS sem maioria absoluta na AM
Ao contrário do que acontece na Câmara, o PS (que apenas teve 38,7% nesta eleição) não tem a maioria absoluta dos mandatos na Assembleia Municipal:
  • PS - 15 mandatos
  • PSD - 12
  • CDS - 3
  • PCP - 1
  • MPT - 1 (que passou a deputado municipal, "independente")
  • PTP - 1 mandato
Considerando apenas os eleitos directamente no acto eleitoral constata-se que o PS tem apenas 45,5% dos mandatos.
Sucede que a lei eleitoral autárquica atribui aos presidentes das Juntas de Freguesia um lugar por direito próprio na Assembleia Municipal, com direito a voto, pelo que a aqueles eleitos, juntam-se estes:
  • PS (5) - Presidentes das Juntas de Freguesia de São Gonçalo, São Martinho, Santa Maria Maior, São Pedro e Imaculado Coração de Maria
  • PSD (5) - Monte, São Roque, Santo António, Sé e Santa Luzia
Ou seja, na realidade a Assembleia Municipal tem 33 membros eleitos mais 10 por inerência, 43 lugares, assim distribuídos:
  • PS: 20
  • PSD:17
  • CDS: 3
  • PCP: 1
  • MPT: 1 (actualmente "independente")
  • PTP : 1
Ora percebe-se o problema de Miguel Gouveia quando ao não aceitar negociar com PTP e PCP (mais o deputado municipal da JPP), que não fizeram parte da coligação funchalense liderada pelos socialistas, ficou aquém dos 24 deputados que precisava para ter maioria (CDS, PSD e o independente ex-MPT recusaram qualquer apoio ao documento orçamental, pelo que estávamos a falar de 21 votos) dos votos.
Na realidade os mandatos do PS na Assembleia Municipal, incuindo os 5 autarcas, representando a coligação, são bem menores:
  • Total da coligação - 20
  • Bloco de Esquerda - 3
  • PDR - 1
  • NC - 1
  • PS - 15 (10 + 5)
A verdade é que os obstáculos ao orçamento não vieram destes partidos nem destes votos. Vieram sim da conjugação de 24 votos dos demais:
  • PSD - 17 (12 + 5)
  • CDS - 3
  • PCP - 1
  • PTP - 1
  • JPP - 1 (apesar de ter feito parte da coligação funchalense)
  • Independente - 1
Algo dificil de entender
Neste processo - mas admito que o "burro" seja eu - não se percebe muito bem que tanto o Plano Plurianual de Investimentos da Câmara Municipal do Funchal como as chamadas Grandes Opções do Plano para 2020 tenham aprovadas na Assembleia Municipal, que na mesma sessão chumbou o Orçamento Municipal para 2020, como era previsível, mesmo antes da votação, dadas as declarações públicas dos diferentes partidos e ao facto de não se terem realizado quaisquer negociações. A minha estranheza decorre do facto de que há uma ligação directa entre o Plano de Investimento, seja do Governo Regional, seja das Câmaras, seja de qualquer outra entidade, e o respectivo orçamento, que consigna as diferentes verbas para as várias rubricas e propostas constantes do Plano de Investimentos. Ora não havendo orçamento aprovado, ou seja, não havendo as verbas previstas para consubstanciar os investimentos constantes do seu Plano de Investimentos, é um paradoxo, absurdo para não dizer mais nada, que o processo não tenha sido invertido imediatamente, ou seja, que primeiro tenha sido votado o orçamento e, caso fosse recusado, como foi o caso, a votação do Plano ficasse suspensa porque claramente prejudicada pela primeira votação. Acho eu que deveria ter sido assim. Neste momento pode-se dizer que a CMF tem um plano de investimentos mas não tem o dinheiro para o realizar!!!! Mas quem sabe sabe e saberá explicar às pessoas, bem como negar que a aprovação do Plano de Investimentos se justifica pelo facto dos partidos não quererem ficar colados a qualquer ideia de recusa das obras propostas pelo executivo camarário...
Isto, repito, nada tem a ver com os motivos que justificaram os votos dos diferente partidos, matéria sobre a qual prefiro não me pronunciar dado que não assisti à sessão da Assembleia Municipal, apenas li, antes e depois, declarações públicas na comunicação social que valem o que valem, algumas delas verdadeiramente absurdas (LFM)

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