Sete dos
308 municípios portugueses concentram metade de todas as propriedades
registadas na plataforma de alojamento local Airbnb. Mas a concentração deste
mercado de aluguer de curta duração não é só geográfica, já que um décimo de
todas estas propriedades está nas mãos de apenas 0,25% dos proprietários. Estes são
alguns dos dados revelados pelo novo livro “A Airbnb em Portugal”. Coordenado
pelo presidente da Associação Portuguesa de Geógrafos, José Alberto Rio
Fernandes, pelos geógrafos Pedro Chamusca e Thiago Mendes e pelo economista
Luís Carvalho, o livro reúne uma bateria de dados, mapas e análises regionais
para promover um debate mais informado sobre o impacto da Airbnb no país. O balanço
mostra que o número de propriedades registadas na plataforma Airbnb subiu de
apenas oito em 2009 para mais de 140 mil em outubro de 2018, aquando da entrada
em vigor da nova lei de alojamento local.
O destaque
vai para Lisboa (31.866 propriedades), Porto (13.285), Albufeira (6927), Loulé
(5473), Cascais (4430), Lagos (4286) e Portimão (3654). Os investigadores
revelam ao Expresso que só estes sete municípios concentram 49,9% do total de
propriedades listadas na Airbnb, isto quando a sua área não chega a 1,7% do
território nacional. Nesta data,
mais de 14 mil das propriedades do país estavam nas mãos de apenas 165
proprietários, o que significa que 0,25% dos chamados anfitriões já controlavam
10% do mercado da Airbnb em Portugal.
Os mapas
desta página dão conta da difusão do fenómeno Airbnb por todos os 308 concelhos
do país e da sua concentração sobretudo no litoral do país, em torno das
regiões de Lisboa e do Porto. É o que comprova a anamorfose, representação
geográfica que aumenta e distorce a dimensão dos municípios em função do número
de Airbnb.
O destaque
vai para o Algarve quando se confronta o número destas unidades de alojamento
local com a população residente em cada município (ver tabela na página
seguinte). O top é encabeçado por Aljezur, onde em 2018, já existiam 261 Airbnb
por cada 1000 habitantes.
IMI nos centros históricos
“Três ideias de política, que sugerem ação
imediata, sobressaem do trabalho feito”, diz ao Expresso o coordenador do livro
e presidente da Associação Portuguesa de Geógrafos, José Alberto Rio Fernandes.
A primeira
ideia é que “o alojamento local realizado com recurso à internet não se integra
na chamada economia de partilha”, diz o geógrafo. “O que vemos é uma atividade
económica que gera receitas elevadas e justifica grandes investimentos nas
áreas de maior procura turística, ocupando casas ou alojamentos inteiros. Por
isso, deve ser tratado como atividade económica e merecer maior atenção pelo
fisco.”
A segunda
ideia é que “qualquer abordagem política ao alojamento local tem de ser
geograficamente inteligente”, acrescenta Rio Fernandes. “É essencial
compreender que as medidas que se adotem em Lisboa correm sérios riscos de ser
contraproducentes em Trás os Montes e as que se adotem nos Açores podem ser
inadequadas no Algarve. Por outro lado, é igualmente verdade que não faz
sentido Lisboa ter uma ação política contraditória com Cascais, Porto com Vila
Nova de Gaia ou Loulé com Albufeira.”
A terceira
ideia é que “a mobilidade das pessoas no mundo não para de aumentar e o
crescimento do número de turistas asiáticos obriga a prever sérios problemas
nos territórios mais atrativos para o turismo e situados próximos de aeroportos
internacionais”, alerta Rio Fernandes. “Importa pensar o quanto antes quando é
que muito é demasiado, para se tomar medidas contracíclicas. Quando o turismo
cresce, o valor do imobiliário cresce e a oferta é pouca, é politicamente
absurdo continuar-se a não se taxar com IMI os prédios dos centros históricos e
financiar-se hotéis com programas europeus destinados à criação de emprego. Não
deveria o esforço ser antes direcionado para outros domínios estratégicos, como
produção com incorporação de tecnologia, investigação científica, cultura ou
ambiente?”, questiona Rio Fernandes.
Pior do que Paris ou Amesterdão
Dezena e
meia de investigadores contribuíram para esta leitura do que significa o
alojamento local mediado pela Airbnb em todo o país.
Sobre Lisboa,
o investigador João Seixas chama a atenção para o facto de a capital portuguesa
já ter “uma das maiores cargas de alojamento local dos centros urbanos
europeus” (63 por cada 1000 habitantes) e para o facto de os preços do
imobiliário serem já de referência internacional. Tal apresenta “sérios
desequilíbrios, ou mesmo incompatibilidades, face à evolução dos rendimentos
familiares dos residentes da cidade e da metrópole, e sobretudo para uma
importante de cidadãos que pretendem hoje residir nela, designadamente os mais
novos, os estudantes, os imigrantes. Ou seja, as gerações do futuro”.
Sobre o
Porto, José Alberto Rio Fernandes acrescenta que o rácio de 62 alojamentos por
1000 habitantes já é superior ao de Paris ou Amesterdão. No centro histórico do
Porto, “a concentração atinge valores extraordinários, importando considerar
que em vários locais — como Santo Ildefonso e Vitória — se todos os alojamentos
anunciados na Airbnb estiverem totalmente ocupados, teremos mais visitantes que
residentes”.
Sobre o
Algarve, João Guerreiro alerta que “as comunidades locais começam a ter
dificuldade de encontrar soluções de habitação para novos residentes”, o que
inibe a instalação de novas atividades. Sobre o Centro Litoral, José Carlos
Mota e Norberto Santos também alertam para o impacto no mercado de arrendamento
em locais como Aveiro ou Coimbra, “com um já muito visível aumento do preço e
redução da oferta”, para residentes e população universitária.
Também no
Oeste, “a incorporação na economia familiar desta forma de rendimento, bastante
enraizada no caso da Nazaré — ainda bem visível na imagem das nazarenas
trajadas a rigor exibindo cartazes com as indicações: alojamento local,
quartos, chambres, rooms, habitacion, zimmer — está a migrar para a plataforma
Airbnb”, escrevem Carlos Gonçalves e Herculano Cachinho.
Falta regulação inteligente
“Mascarada
na economia de partilha e na aparente presença do proprietário local no
alojamento como forma de introdução genuína ao lugar, a máquina reorganizou-se
numa nova estrutura complexa de alojamento que, não sendo igual à hotelaria,
não é também a simples partilha de habitação”, alerta Jorge Ricardo Pinto. “A
utilização de plataformas como a Booking ou a Airbnb alteraram os dados da
competição hoteleira e reconfiguraram territórios e estratégias, de uma forma
tão significativa, que fizeram emergir debates intensos sobre o excesso de
turismo e as suas consequências, alteraram usos e funções dos lugares e
ampliaram o âmbito da atividade turística para dimensões, em tempos,
inimagináveis”.
Perante a
subida dos preços do imobiliário e a “financeirização” da habitação em
Portugal, Luís Carvalho assinala que “geralmente, iniciativas de regulação e
contenção implicam, no imediato, perdas para os proprietários”, quer pela
redução da valorização do imóvel quer pelas barreiras em o converter em aluguer
de curta duração. Mas “geram vantagens potenciais para os arrendatários de
longa duração, tendencialmente populações de moderado ou reduzido poder de compra,
cujas rendas tendem a diminuir”.
Os autores
concluem que a importância social e económica do alojamento local — e o papel
da Airbnb em alguns lugares onde a concentração ultrapassa já o que é razoável
— obriga a ter informação atualizada em permanência e a conhecer o que se passa
noutros lugares do mundo.
Também
importa saber o que se quer para os residentes e os lugares, assim como
equacionar os vários cenários de futuro, inclusive uma eventual desvalorização
do imobiliário em alguns lugares, em resultado da volatilidade do contexto
financeiro ou do turismo.
“Um dos
maiores desafios que a Airbnb nos coloca é o da comunicação e da sensibilização
pública para um debate mais informado e amplo sobre o que significa o
alojamento local e as economias de partilha e plataforma em Portugal”, lê-se no
livro “A Airbnb em Portugal”.
Zoom regional
Área
Metropolitana de Lisboa - Além de Lisboa, é em Cascais, Mafra, Sintra e Almada
que há mais Airbnb
Algarve - Quem
tem mais Airbnb é Albufeira, Loulé, Lagos, Portimão, Lagoa e Tavira
Área
Metropolitana do Porto - Os Airbnb concentram-se no Porto, Vila Nova de Gaia e
Matosinhos
Leiria e
Oeste - Peniche, Nazaré e Alcobaça é onde há mais propriedades Airbnb
Noroeste - A
maior oferta deste tipo de alojamento está em Braga, Viana do Castelo e Caminha
Madeira - Funchal e Calheta concentram a maioria dos Airbnb (texto da
jornalista do Expresso, Joana Nunes Mateus)
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