segunda-feira, dezembro 09, 2019

7 municípios concentram metade dos Airbnb em Portugal

Sete dos 308 municípios portugueses concentram metade de todas as propriedades registadas na plataforma de alojamento local Airbnb. Mas a concentração deste mercado de aluguer de curta duração não é só geográfica, já que um décimo de todas estas propriedades está nas mãos de apenas 0,25% dos proprietários. Estes são alguns dos dados revelados pelo novo livro “A Airbnb em Portugal”. Coordenado pelo presidente da Associação Portuguesa de Geógrafos, José Alberto Rio Fernandes, pelos geógrafos Pedro Chamusca e Thiago Mendes e pelo economista Luís Carvalho, o livro reúne uma bateria de dados, mapas e análises regionais para promover um debate mais informado sobre o impacto da Airbnb no país. O balanço mostra que o número de propriedades registadas na plataforma Airbnb subiu de apenas oito em 2009 para mais de 140 mil em outubro de 2018, aquando da entrada em vigor da nova lei de alojamento local.

O destaque vai para Lisboa (31.866 propriedades), Porto (13.285), Albufeira (6927), Loulé (5473), Cascais (4430), Lagos (4286) e Portimão (3654). Os investigadores revelam ao Expresso que só estes sete municípios concentram 49,9% do total de propriedades listadas na Airbnb, isto quando a sua área não chega a 1,7% do território nacional. Nesta data, mais de 14 mil das propriedades do país estavam nas mãos de apenas 165 proprietários, o que significa que 0,25% dos chamados anfitriões já controlavam 10% do mercado da Airbnb em Portugal.
Os mapas desta página dão conta da difusão do fenómeno Airbnb por todos os 308 concelhos do país e da sua concentração sobretudo no litoral do país, em torno das regiões de Lisboa e do Porto. É o que comprova a anamorfose, representação geográfica que aumenta e distorce a dimensão dos municípios em função do número de Airbnb.
O destaque vai para o Algarve quando se confronta o número destas unidades de alojamento local com a população residente em cada município (ver tabela na página seguinte). O top é encabeçado por Aljezur, onde em 2018, já existiam 261 Airbnb por cada 1000 habitantes.
IMI nos centros históricos
 “Três ideias de política, que sugerem ação imediata, sobressaem do trabalho feito”, diz ao Expresso o coordenador do livro e presidente da Associação Portuguesa de Geógrafos, José Alberto Rio Fernandes.
A primeira ideia é que “o alojamento local realizado com recurso à internet não se integra na chamada economia de partilha”, diz o geógrafo. “O que vemos é uma atividade económica que gera receitas elevadas e justifica grandes investimentos nas áreas de maior procura turística, ocupando casas ou alojamentos inteiros. Por isso, deve ser tratado como atividade económica e merecer maior atenção pelo fisco.”
A segunda ideia é que “qualquer abordagem política ao alojamento local tem de ser geograficamente inteligente”, acrescenta Rio Fernandes. “É essencial compreender que as medidas que se adotem em Lisboa correm sérios riscos de ser contraproducentes em Trás os Montes e as que se adotem nos Açores podem ser inadequadas no Algarve. Por outro lado, é igualmente verdade que não faz sentido Lisboa ter uma ação política contraditória com Cascais, Porto com Vila Nova de Gaia ou Loulé com Albufeira.”
A terceira ideia é que “a mobilidade das pessoas no mundo não para de aumentar e o crescimento do número de turistas asiáticos obriga a prever sérios problemas nos territórios mais atrativos para o turismo e situados próximos de aeroportos internacionais”, alerta Rio Fernandes. “Importa pensar o quanto antes quando é que muito é demasiado, para se tomar medidas contracíclicas. Quando o turismo cresce, o valor do imobiliário cresce e a oferta é pouca, é politicamente absurdo continuar-se a não se taxar com IMI os prédios dos centros históricos e financiar-se hotéis com programas europeus destinados à criação de emprego. Não deveria o esforço ser antes direcionado para outros domínios estratégicos, como produção com incorporação de tecnologia, investigação científica, cultura ou ambiente?”, questiona Rio Fernandes.
Pior do que Paris ou Amesterdão
Dezena e meia de investigadores contribuíram para esta leitura do que significa o alojamento local mediado pela Airbnb em todo o país.
Sobre Lisboa, o investigador João Seixas chama a atenção para o facto de a capital portuguesa já ter “uma das maiores cargas de alojamento local dos centros urbanos europeus” (63 por cada 1000 habitantes) e para o facto de os preços do imobiliário serem já de referência internacional. Tal apresenta “sérios desequilíbrios, ou mesmo incompatibilidades, face à evolução dos rendimentos familiares dos residentes da cidade e da metrópole, e sobretudo para uma importante de cidadãos que pretendem hoje residir nela, designadamente os mais novos, os estudantes, os imigrantes. Ou seja, as gerações do futuro”.
Sobre o Porto, José Alberto Rio Fernandes acrescenta que o rácio de 62 alojamentos por 1000 habitantes já é superior ao de Paris ou Amesterdão. No centro histórico do Porto, “a concentração atinge valores extraordinários, importando considerar que em vários locais — como Santo Ildefonso e Vitória — se todos os alojamentos anunciados na Airbnb estiverem totalmente ocupados, teremos mais visitantes que residentes”.
Sobre o Algarve, João Guerreiro alerta que “as comunidades locais começam a ter dificuldade de encontrar soluções de habitação para novos residentes”, o que inibe a instalação de novas atividades. Sobre o Centro Litoral, José Carlos Mota e Norberto Santos também alertam para o impacto no mercado de arrendamento em locais como Aveiro ou Coimbra, “com um já muito visível aumento do preço e redução da oferta”, para residentes e população universitária.
Também no Oeste, “a incorporação na economia familiar desta forma de rendimento, bastante enraizada no caso da Nazaré — ainda bem visível na imagem das nazarenas trajadas a rigor exibindo cartazes com as indicações: alojamento local, quartos, chambres, rooms, habitacion, zimmer — está a migrar para a plataforma Airbnb”, escrevem Carlos Gonçalves e Herculano Cachinho.
Falta regulação inteligente
“Mascarada na economia de partilha e na aparente presença do proprietário local no alojamento como forma de introdução genuína ao lugar, a máquina reorganizou-se numa nova estrutura complexa de alojamento que, não sendo igual à hotelaria, não é também a simples partilha de habitação”, alerta Jorge Ricardo Pinto. “A utilização de plataformas como a Booking ou a Airbnb alteraram os dados da competição hoteleira e reconfiguraram territórios e estratégias, de uma forma tão significativa, que fizeram emergir debates intensos sobre o excesso de turismo e as suas consequências, alteraram usos e funções dos lugares e ampliaram o âmbito da atividade turística para dimensões, em tempos, inimagináveis”.
Perante a subida dos preços do imobiliário e a “financeirização” da habitação em Portugal, Luís Carvalho assinala que “geralmente, iniciativas de regulação e contenção implicam, no imediato, perdas para os proprietários”, quer pela redução da valorização do imóvel quer pelas barreiras em o converter em aluguer de curta duração. Mas “geram vantagens potenciais para os arrendatários de longa duração, tendencialmente populações de moderado ou reduzido poder de compra, cujas rendas tendem a diminuir”.
Os autores concluem que a importância social e económica do alojamento local — e o papel da Airbnb em alguns lugares onde a concentração ultrapassa já o que é razoável — obriga a ter informação atualizada em permanência e a conhecer o que se passa noutros lugares do mundo.
Também importa saber o que se quer para os residentes e os lugares, assim como equacionar os vários cenários de futuro, inclusive uma eventual desvalorização do imobiliário em alguns lugares, em resultado da volatilidade do contexto financeiro ou do turismo.
“Um dos maiores desafios que a Airbnb nos coloca é o da comunicação e da sensibilização pública para um debate mais informado e amplo sobre o que significa o alojamento local e as economias de partilha e plataforma em Portugal”, lê-se no livro “A Airbnb em Portugal”.
Zoom regional
Área Metropolitana de Lisboa - Além de Lisboa, é em Cascais, Mafra, Sintra e Almada que há mais Airbnb
Algarve - Quem tem mais Airbnb é Albufeira, Loulé, Lagos, Portimão, Lagoa e Tavira
Área Metropolitana do Porto - Os Airbnb concentram-se no Porto, Vila Nova de Gaia e Matosinhos
Leiria e Oeste - Peniche, Nazaré e Alcobaça é onde há mais propriedades Airbnb
Noroeste - A maior oferta deste tipo de alojamento está em Braga, Viana do Castelo e Caminha
Madeira - Funchal e Calheta concentram a maioria dos Airbnb (texto da jornalista do Expresso, Joana Nunes Mateus)

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