segunda-feira, dezembro 03, 2018

MRS, a comunicação social, a RTP...

Marcelo Rebelo de Sousa colocou há dias o dedo na ferida, quando falou da comunicação social, do preente e do futuro, sobretudo do futuro. Acho que o PR - jornalista com larga experiência, desde os primórdios do Expresso - sabe melhor do que ninguém o que se passa e sabe que o fundamentalismo político e as posturas partidárias radicalizadas estão a destruir um dos suportes de qualquer democracia. Um regime político de liberdade, uma democracia parlamentar, só existem com uma comunicação social pujante, isenta e com condições de afirmação na  sociedade. Se a comunicação social se fragiliza, se os meios de comunicação deixam de ter condições para desempenharem a sua função, se os jornalistas se sentem ameaçados peça precariedade e por constrangimentos intoleráveis, obviamente que passamos a ter uma comunicação social vulnerabilizada e facilmente cedente aos apetites mais vorazes de grupos de pressão, regra geral económicos e financeiros, que depois acabam por usar os meios de comunicação social onde metem as patas como instrumentos ao serviço das suas estratégias e de defesa dos seus interesses, sempre contra alguém.
O problema de MRS - que teve o mérito de colocar a sociedade a discutir o assunto e de contribuir para que os meios de informação percam a vergonha de assumirem uma realidade que dificilmente pode ser escondida por muito penosa que ela seja - é que a gravidade da situação não poupa nem os meios de comunicação social do Estado. Ou seja, não sei até que ponto o estado está hoje interessado em perder tempo com a comunicação social, sobretudo quando ela incomoda, tal como não sei qual será, de facto, o futuro da imprensa, quando vemos empresas que sempre foram poderosas no sector da impressão - veja-se o caso da Lisgráfica que tentou evitar a falência, esforço que parece estar a esbarrar com o insucesso por conta do persistente acumular de significativos passivos mensais - estarem agora irremediavelmente condenadas, sofrendo os efeitos de uma acentuada queda das tiragens dos jornais e revistas.

Há que ter presente que não podemos esperar que gastem recursos financeiros para apoiar jornais com tiragens insignificantes, jornais que praticamente niguém lê. Tal como não podemos admitir como plausível que apoiem empresas que foram exemplo de má gestão, que ruíram por culpa própria, que nunca investiram, que nunca se modernizaram, etc. Há limites para tudo neste domínio. Envolver o estado em projectos falhados é uma coisa, envolver o estado em projectos de comunicação social com potencialidades de sucesso é outra.
Sobre isto, dou-vos um exemplo, bem recente, sobre as contradições que muitas vezes geram instabilidade no sector e fomentam discussões bem acaloradas sobre os limites do sensacionalismo “versus” audiências e/ou vendas, bem como um eventual conflito de interesses entre a deontologia e a especulação assente numa alegada fiabilidade de fontes de informação que não garantem plena segurança nem impedem desmentidos. Toda a gente de insurge contra o facto da CMTV e do Correio da Manhã divulgarem audios de interrogatórios na justiça feitos a indivíduos ligados ao processo do Sporting (Alcochete) e do Benfica (e-toupeira). Curiosamente acabou por ser a RTP a entrar na onda e a divulgar os audios do interrogatório feito a Bruno de Carvalho...
O que é facto é que a situação é de tal modo grave que não há mais espaço para teorizar sobre um tema demasiado sério e que exige medidas concretas e rápidas, ou para discussões idiotas assentes em pressupostos de outros tempos, que deixaram de fazer sentido numa lógica de sociedade de comunicação dos nossos dias, onde o primado das redes sociais é obviamente destruidor de muitos mitos e chavões feitos, e onde o objectivo das empresas de comunicação social é sobretudo o de garantir o pagamento de salários e endividar-se o mínimo possível.
O Estado no sector
É sabido que o Estado tem directamente responsabilidades na RTP (100% do capital da empresa) e na agência Lusa de Informação (50,14%).
A estrutura da agência Lusa, nomeadamente o envolvimento de privados, decorre do processo de fusão das antigas agências ANOP (estatal) e Notícias de Portugal (privada) que deram origem à Agência Lusa, hoje com um capital social de 5,3 milhões de euro, 2,6 milhões de euros detidos pelo estado, 1,2 milhões de euros pelo grupo Global Media, sensivelmente o mesmo valor que possui a Impresa (Expresso e SIC), mais 145 mil euros da antiga NP, 73.200 euros do Público, 1.600 euros da RTP, 775 euros do jornal Primeiro de Janeiro e 562 euros do Diário do  Minho de Braga.
Já a RTP tem um capital social detido integralmente pelo Estado de 1.432.773.340,00 euros.
Os órgãos sociais da RTP são o Conselho de Opinião, o Conselho Fiscal, o Conselho de Administração e o Conselho Geral Independente.
O que se passa na RTP chega a ser patético porque o Estado assume uma posição de dívida permanente tentando manter-se ao mesmo tempo nas das margens do rio.
A empresa atravessa dificuldades financeiras que em 2018 se agravaram com os resultados da cobertura do Mundial de futebol e do Eurofestival da Canção. Os 16 milhões reclamados pela RTP ao  Estado-patrão, por conta de uma aumento de capital antes aprovado - operação já aprovada pela Comissão Europeia, há 2 ou 3 anos - continua adiada e uma proposta de financiamento de 8 milhões apresentada pelo CDS no âmbito do OE-2019, parece que não passou. Digo que parece porque oficialmente os membros do Conselho de Opinião não sabem rigorosamente nada do que se passa.
Sabemos que existe uma grande instabilidade interna, que há trabalhadores desiludidos e desmotivados, que há imensas carências técnicas que colocam em causa a eficácia do serviço, que há reivindicações salariais com origem nas estruturas sindicais que podem agravar-se e lançar a empresa numa paralisação que nada vai resolver, há situações internas de precariedade por resolver, embora não se possa generalizar dado que alegadamente parecem co-existir situações de oportunismo entre alguns dos precários que alegadamente aguardam resolução da sua situação, sobretudo indivíduos que nada têm a ver com a empresa, já que prestam serviços a prestadores de serviços contratados pela RTP a que se juntam, alegadamente, antigos trabalhadores que terão abandonado a empresa mas que voltaram a colaborar com ela, indirectamente, por via de empresas prestadoras de serviços a quem a RTP recorre. Situações pouco claras que não sabemos ao certo se correspondem ou não à realidade.
Depois surgiu a crise com a DI, depois da nova titular da informação ter contratado no exterior duas jornalistas - de reconhecida experiência - mas que não foi suficientemente capaz de convencer que os problemas da RTP, que continua em termos de audiências numa posição fragilizada, têm a ver com a informação e não com o entretenimento ou outra programação da grelha.
Esta decisão de Flor Pedroso gerou mais polémica depois da especulação em torno dos salários que seriam pagos pela RTP às duas contratadas, contrastando com as exigências sindicais de aumentos que nunca terão sido aprovados pela empresa. A ERC, entidade reguladora para o sector, também contribuiu para especulação ao pedir mais informações sobre este processo e as escolhas feitas, repetindo o que se passou há uns meses com outro processo de nomeações, também na área de informação, que igualmente passou por algumas hesitações.
Ora o que se espera, e deseja, é que usando os mecanismos internos de informação a RTP, seja através de quem for, informe os membros dos seus órgãos sociais - pelo menos enquanto eles existirem - do que se passa, evitando que eles fiquem dependentes das especulações publicadas na comunicação social, particularmente no Correio da Manhã que para além de bem informado sobre a RTP e o que lá se passa, de quando em vez, como parte obviamente interessada, distorce a realidade com base em fontes de informação que depois são timidamente desmentidas, sem a convicção que não impede a persistência da dúvida sobre de que lado estará a razão.
A RTP - que Passos Coelho empenhada e insistentemente tentou vender ao desbarato como o fez com outras empresas públicas através dos quais tivemos uma invasão de capitalistas estrangeiros que hoje controlam sectores vitais da economia, permitindo por exemplo, agora com a cumplicidade da geringonça de esquerda (?), a bandalheira institucional na  TAP e o facto de Portugal ter uma das tarifas energéticas mais elevadas da Europa - continua a viver essa indefinição, já que o Estado parece continuar a  ser, timidamente, o dono da RTP, apesar de ser primeiro a querer colocar-se fora dela e a não cumprir as suas obrigações de accionista, para que o chamado "serviço público" de televisão (cada vez mais um conceito vago,algo obsoleto e onde parece caber tudo por conveniência - por exemplo duvido que as transmissões televisivas de touradas sejam consideradas como parte desse serviço público, apesar de desconhecer os níveis de audiência e os ganhos comerciais para a empresa decorrentes dessa opção estratégica em termos de entretenimento)  corresponda ao que as pessoas esperam e exigem.
E o COP para que serve afinal?
Eu faço parte, por indicação da Assembleia Legislativa da Madeira, do Conselho de Opinião da RTP. Admito que o presidente deste órgão seja informado do que se passa. No meu caso, e relativamente a  esta sucessão de fatos, desconheço em absoluto o que se passou e se passa.
A Lei n.º 33/2003, de 22 de Agosto, enumera as competências do Conselho de Opinião no seu artigo 6º:
“1 — A Rádio e Televisão de Portugal, SGPS, S. A., dispõe ainda de um Conselho de Opinião, composto maioritariamente por membros indicados por associações e outras entidades representativas dos diferentes setores da opinião pública, nos termos previstos nos respetivos estatutos.
2 — Compete ao Conselho de Opinião:
a) Dar parecer sobre os contratos de concessão de serviço público de televisão e de radiodifusão e os planos e bases gerais da atividade das sociedades participadas que explorem os serviços de programas integrados nos mencionados serviços públicos;
b) Pronunciar-se sobre quaisquer outras questões que lhe devam ser submetidas nos termos dos estatutos”.
Acrescente ainda o artigo 22.º que “compete ao Conselho de Opinião:
a) Apreciar os planos de atividade e orçamento relativos ao ano seguinte, bem como os planos plurianuais da sociedade e das sociedades participadas que explorem os serviços de programas integrados nos serviços públicos de televisão e de radiodifusão;
b) Apreciar o relatório e contas;
c) Pronunciar-se sobre a atividade das sociedades participadas que explorem os serviços de programas integrados nos serviços públicos de televisão e de radiodifusão, relativamente às bases gerais da programação e aos planos de investimento;
d) Apreciar a atividade da empresa no âmbito da cooperação com os países de expressão portuguesa e do apoio às comunidades portuguesas no estrangeiro;
e) Emitir parecer sobre os contratos de concessão a celebrar com o Estado, designadamente quanto à qualificação das missões de serviço público;
f) Eleger, de entre os seus membros, o presidente;
g) Pronunciar-se sobre quaisquer assuntos que os órgãos sociais entendam submeter-lhe a parecer”.
Um dia destes lá vamos nós para reuniões em Lisboa destinadas a cumprir formalidades que questionam o que afinal andamos por lá a fazer. Reuniões para emitir pareceres sobre o  Orçamento e Plano de Investimentos da RTP para 2019 – sem que previamente o Conselho de Administração compareça para dar esclarecimentos sobre as opções constantes dos documentos e poder responder ao que os membros do COP entendam suscitar. Não tarda muito lá vamos para um reunião qualquer em Lisboa destinada a elaborar e aprovar o relatório sobre as Contas reportadas a 2018, sem que, por exemplo, o Presidente do CA se tenha dignado responder e uma conjunto de questões que lhe coloquei, através do Presidente do Conselho de Opinião, já lá vão alguns meses. Em linguagem bem popular diria que o Presidente o CA borrifou-se literalmente para o assunto, mantendo a sobranceria arrogante do costume, e que lhe tem valido para sobreviver no lugar, desde que foi nomeado por Passos, inclusivamente tendo sido o único sobrevivente da razia operada no último  CA da RTP.
Ou seja, temo que o COP acabe por cumprir formalidades, repetir rotinas, disfarçar que não existe uma realidade que temos que acompanhar bem mais de perto e devidamente informados, em vez de nos refugiarmos no cumprimento de obrigações legais que não podem ser dissociadas de tudo o que se passa numa empresa com a importância e relevância da RTP. De facto, há entidades que parece que só existem para fingir que servem para alguma coisa, gerando o risco das pessoas que se deslumbrarem - quando são apenas os portadores da chave da arrecadação da cave da sub-cave - ou de acreditarem que são absolutamente desnecessárias num contexto empresarial que é mais complexo do que aparenta. Não podemos deixar que a RTP mergulhe - só porque isso foi conveniente para determinados políticos num determinado período, depois de frustrado o sonho de venda da empresa... - num emaranhado de organismos internos que se cruzam, com competências que esquertejam o poder e o dividem por várias capelinhas, para que todos continuem a ser insignificantes em detrimento de quem realmente tem o poder na empresa ou de quem fora dela tem um poder de decisão condicionador, o poder. O poder ilusoriamente "afastado"... (LFM)

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