Segundo o Público, “o ex-ministro da Economia Álvaro
Santos Pereira fala pela primeira vez sobre a crise política do verão de 2013
em que acabou despedido do Governo e foi substituído por um centrista, Pires de
Lima. No livro “Reformar sem medo”, que chegou esta sexta-feira às livrarias, o
ex-ministro relata os dias frenéticos daquele verão e Paulo Portas, que passou
de uma demissão a ser empossado vice-primeiro-ministro, não sai nada bem na
fotografia. Portas “intrigou” contra Santos Pereira desde o primeiro dia do
Governo e fez “chantagem” com o país numa atitude que não merece “perdão” –
palavras do ex-ministro.
“O que me é insuportável é a intriga pela intriga, é
os políticos fazerem tudo o que está ao seu alcance, sem olhar a meios, para
ter mais poderes ou ganhos políticos. Isso acho profundamente lamentável,
errado”, escreve Álvaro Santos Pereira, acusando Portas, líder do segundo
partido de coligação, de ter feito, para mais, “intriga e chantagem com um país
numa situação dramática e que estava sob assistência financeira”.
No capítulo “A intriga política”, o primeiro ministro
da Economia de Passos Coelho conta como viveu os dois anos em que esteve no
Governo e, por ordem cronológica, a sua versão dos acontecimentos nos primeiros
dias de julho de 2013.
“Há pessoas que se dedicam quase em exclusivo à
intriga política (…) frequentemente escudando-se por detrás de políticas
populistas e de facilidade comunicacional”, diz, referindo-se a Portas e
revelando que, desde o início do Governo, “houve intriga e conflitos internos”.
“Não tenho dúvida que parte dos ataques foi interna”, explica, lembrando uma
célebre frase do ex-primeiro-ministro britânico Winston Churchill: “Os
adversários sentam-se em frente e os inimigos ao lado (na bancada do Governo)”.
“Tudo começou” pela tutela da AICEP, a Agência para o
Investimento e Comércio Externo de Portugal, – conta Santos Pereira – e “depois
prosseguiu com tudo o que envolvesse boas notícias, investimentos, Concertação
Social, ou até os ataques aos lóbis”. Foram “dois anos de ataque cerrado,
embora nunca direto”, refere.
Até que chega o dia 1 de julho, em que o ministro das
Finanças, Vítor Gaspar, se demite. “O timing da demissão de Vítor Gaspar
surpreendeu-me”, disse. Mas, “a surpresa das surpresas aconteceu dia 2 de
julho”, terça-feira, dia em que Portas apresenta a demissão – durante a tarde.
Nessa manhã de dia 2, Portas ainda lhe liga para
discutir uma nomeação para a Autoridade da Concorrência, um “pretexto”, segundo
Santos Pereira. Acabam a conversar sobre a demissão de Gaspar e Portas diz-lhe,
a propósito da sua sucessora, Maria Luís Albuquerque, que “não conhecia bem a
nova ministra”. Estava “relativamente descontraído” e disse que preferia que a
escolha tivesse recaído sobre o ministro da Saúde, Paulo Macedo. Horas depois,
Portas demite-se invocando ter sido contra a escolha de Maria Luís para
substituir Gaspar.
Álvaro Santos Pereira tem conhecimento da demissão de
Portas, nessa tarde, já em Berlim, onde tinha uma reunião de trabalho, e fica
“siderado, atónito, perplexo” com a notícia. “Senti que a pátria tinha sido
traída e que o país tinha sido atirado para a lama, tinhamos acabado de deitar
o trabalho dos últimos dois anos para o lixo”, conta.
No livro, o ex-ministro revela que ligou a um ministro
do CDS (teria sido Luís Pedro Mota Soares, ministro da Segurança Social pois a
outra pessoa indicada pelo partido é uma mulher, Assunção Cristas, na
Agricultura). Santos Pereira diz-lhe que “era preciso que o CDS continuasse no
Governo” e aquele responde-lhe que “as coisas estavam muito mal entre os dois
partidos, que não havia confiança entre eles e que o melhor mesmo era que o CDS
saísse do Governo e haver um acordo de incidência parlamentar até ao final da
legislatura”.
Essa solução era, para o então ministro da Economia,
“um disparate e um caos total”. E diz ao interlocutor “que pedissem o que
quisessem, mesmo a pasta da Economia”. Segundo Santos Pereira, esta pasta era
“uma ambição do CDS desde o primeiro dia”. Um dirigente do CDS, António Pires
de Lima, acabou a substitui-lo. “Para mim era evidente o que iria acontecer”,
sublinha.
Pedro Passos Coelho já estava com Santos Pereira em
Berlim quando Paulo Portas recua na sua decisão e dá o “irrevogável” por não
dito. Santos Pereira reage sem oposição à sua substituição no Governo porque “o
país não precisa de mais dramas e turbulências”, mas não deixa de considerar o
que se passou “uma chantagem”.
Na segunda-feira seguinte, dia 8, o ministro começa a
encaixotar as suas coisas no gabinete. O Presidente da República não dá posse
aos novos ministros, porém, e pede um entendimento alargado. O processo de
negociações, que termina sem sucesso, demora três semanas “bastante difíceis”.
Durante esse período, ocorre no Parlamento um debate
do Estado da Nação e um debate de moção de censura ao Governo. “No debate do
Estado da Nação, mantive a compostura e fiquei sentado a ouvir o discurso de
alguém que fez o que fez ao país”, lembra, sobre Portas, acrescentando que “há
limites” para “os sapos que se tem que engolir na política”. No debate
seguinte, saiu da sala no momento em que Portas discursa e também já não vai à
tomada de posse dos novos ministros para não ter que “apertar a mão” ao
empossado vice-primeiro-ministro.
Santos Pereira termina o capítulo dedicado ao Portas
com uma interrogação:
“Em qualquer outro país minimamente avançado e
democrático, essas ações nunca seriam perdoadas, nem pela opinião pública, nem
pela imprensa e muito menos pelo próprio partido. É chocante e é pena que os
agentes políticos e a imprensa não tenham atuado em conformidade com alguém que
assim agiu. Porque será?”.