domingo, junho 02, 2013

Opinião: "Este Governo não tem legitimidade?"


"Na última quinta-feira, na Aula Magna da Reitoria da Universidade de Lisboa, fez-se uma descoberta curiosa: a de que este Governo não tem legitimidade. E não tem porquê? A resposta dos circunstantes, com Mário Soares em destaque, baseia-se em três pontos essenciais: porque é detestado, mesmo odiado, pelo povo; porque faz o contrário do que prometeu e porque não cumpre a Constituição. Vamos ver cada ponto.
O Governo é provavelmente odiado ou detestado pelo povo. Mas isso não lhe retira legitimidade. Os Governos legítimos são os que têm apoio no Parlamento e não os que são adorados pelo povo. Se a legitimidade dependesse do facto de não existirem manifestações de desagrado, a maioria dos Governos (e sobretudo os de Soares) teria caído a meio dos mandatos.
Perguntar-se-á: e o Parlamento não é suposto representar o povo? É! Mas por um mandato de quatro anos. A existência de mandatos é o que distingue a democracia representativa (aquela em que vivemos) da democracia direta, na qual a vontade instantânea se sobrepõe à dos representantes. Ora, os representantes democraticamente eleitos no Parlamento têm apoiado o Governo, aprovando-lhes o Orçamento e derrotando moções de censura. O Governo mantém portanto a mais importante das fontes de legitimidade: ser apoiado pela Assembleia da República.
Quanto ao facto de não cumprir a Constituição, o argumento é manhoso. Na verdade, o Governo faz propostas que se revelam inconstitucionais, mas depois de o Tribunal competente se pronunciar, retira essas propostas. Isto aconteceu com todos os Governos, não é novo. O que é diferente é o facto de neste Governo se assistir a essa querela com maior intensidade. Porém, recordo que Cavaco Silva já apelidara o TC de "força de bloqueio", o que mostra bem que esta questão é antiga.
Sobre não fazer o que prometeu, sejamos sérios: quem o fez?
Resta o que pode fazer o Presidente. E aqui digamos que o Chefe do Estado não pode, por lei, demitir o Governo, salvo para assegurar o regular funcionamento das instituições. E pode, isso sim, dissolver o Parlamento e convocar novas eleições. Mas é ele - e mais ninguém - que tem de estar convencido disso. Ora, poderia fazê-lo, dadas as relações do Governo com o Tribunal Constitucional, ou a ausência de diálogo frutuoso com o Parlamento (entendido como com os outros partidos, que não os da coligação). Mas de nada lhe serviria se das eleições não viesse uma solução política radicalmente diferente. E sublinhe-se que umas eleições neste momento colocariam os nossos indicadores económicos ainda sob maior pressão.
A legitimidade do Governo é um assunto sério, que não deve vir à baila por mero oportunismo político. Foi invocado por um ex-chefe do Estado que sabe bem que a ilegitimidade do Governo permite que outras forças que fazem parte dos equilíbrios nacionais - tribunais, forças militares, forças de segurança, atuem na defesa da Constituição e, portanto, contra um governo usurpador.
É para mim triste que estes pensamentos básicos (não gosto do Governo, não gosto do Presidente, logo isto é tudo ilegítimo e tem de ser derrubado) sejam expendidos por quem, no passado, foi como primeiro-ministro detestado. E que detestava o Presidente da República de então.
Há muita gente de cabeça perdida, muita gente com razões para isso face ao desespero que os sacrifícios lhes têm provocado. Mas detesto ver quem conhece as regras, quem sabe quais são os problemas, aproveitar-se desse desespero para iludir e enganar.
Eu não ficava nada triste se este Governo saísse (embora não espere nenhum substancialmente diferente, acho que haver mais diálogo e coesão nos fazia muito bem). Mas nunca poderei - porque é mentira - dizer que ele não é legítimo.
É mau, mas é legítimo e foi eleito livremente pelos cidadãos" (texto de Henrique Monteiro, Expresso com a devida vénia)