Na entrevista ao Jornal I conduzida pela jornalista Isabel Tavares, é referido por esta que "o sociólogo defende uma revisão constitucional que dê aos tribunais mais poderes de bloqueio. António Barreto recebeu o i calmamente, no meio da azáfama da mudança da fundação a que preside, a Fundação Francisco Manuel dos Santos, do andar que ocupava na Torre 3 das Amoreiras, em Lisboa, para um edifício quase em frente, da Unilever, do grupo Jerónimo Martins. Deita os políticos por terra e diz que se está a escarafunchar na ferida.
Quais são os seus votos para 2013?
- Que haja uma alteração importante no modo como as autoridades, as forças políticas, as forças sociais, a população e os jornais encaram a discussão dos nossos problemas políticos, económicos e financeiros. Estou muito desconsolado e muito desgostoso pela maneira como as coisas estão a correr.
E como estão a correr?
- O governo informa pouco e mal, a oposição quer saber pouco e mal, o tom geral da discussão é calunioso e boçal, as pessoas acusam-se umas às outras, nunca por menos de mentiroso, bandido, criminoso, aldrabão, intrujão… As coisas que se dizem no parlamento, as coisas que se dizem na televisão, as coisas que se dizem nos jornais tornam impossível qualquer espécie de discussão racional. Eu não sou dado a consensos, mas alguns são precisos ou não se vai a sítio algum.
Diz-se que esta é a geração mais bem preparada...
- Eventualmente, pode ser uma geração muito bem preparada, mas não sei de que ponto de vista. Tecnicamente já se percebeu que não, têm falhado as previsões todas, têm falhado as discussões todas. Moralmente, acho que não. O clima geral de promiscuidade e de corrupção que há no país também não é a melhor preparação moral. Talvez tenha melhor preparação cultural ou a nível universitário… Nos modos e costumes de tratamento e de comportamento entre as classe dirigentes, políticas ou económicas também não se vê essa preparação.
Isso muda-se?
- Não sei. Na minha idade já não se muda. A alteração vai ser longa, vai demorar anos a reparar, arranjar, vai levar anos a tentar recobrar. Não é pêra doce, não vai ser nada fácil, e a esperança de que as coisas podem ser depressa e bem é irrealista. Vão sobrar – já sobram hoje! – profundas cicatrizes e sequelas de difícil resolução. E é para isso que nós agora estamos lançados: anos e anos de recuperação.
Neste momento estão a abrir-se mais feridas ou já se estão a fechar algumas para que possam cicatrizar?
- Não se está a fechar nada. Estão-se a abrir mais feridas e mais impossibilidade de as resolver. Sem um plano a médio prazo para levar a cabo nos próximos quatro, cinco, seis, sete, oito anos, nada se poderá fazer. Sem um entendimento político suficiente, o que envolverá uma parte do poder político ou do poder parlamentar mais considerável que a actual, o acordo não é possível. E já se percebeu não só que o acordo é periclitante, como a maioria é reduzida, como se percebeu que dentro da coligação há brechas profundas e feridas profundas, como dentro do próprio PSD, o partido maioritário, há brechas e fracturas profundas.
Sem consenso político Portugal não chega lá?
- A incompreensão por parte da população ou das forças políticas, dos partidos políticos, de que sem isto não se consegue chegar a sítio nenhum é aflitiva. Parece que tem de se chegar ao desastre para depois se perceber o que é preciso para curar o desastre.
Qual o papel da população?
- Pode votar ou exercer pressão aqui e ali.
(...)
Como viu o relatório do FMI?
- Devo dizer que é, em numerosos parágrafos, absolutamente justo, porque revela ou sublinha o que muitas pessoas sabem mas não querem dizer em público. Aliás, há muitas coisas que é o próprio governo que diz, mas faz com que seja o Fundo Monetário Internacional a dizer para não ter de ser o governo a fazê-lo. O que é ridículo, é de um altíssimo grau de cobardia.
Quais são as coisas que todos sabem e não querem assumir?
- Sabe-se há muitos anos que tem de haver uma alteração nos funcionários públicos, uma alteração no Estado de protecção social, que há grupos sociais e grupos profissionais que são muitíssimo privilegiados em relação a outros e que vivemos assim durante 20 ou 30 anos, alegremente. Tudo isto é verdade e – eu li-o –, o relatório põe o dedo nessas feridas. Com certeza não são imbecis, não são estúpidos. Toda a gente diz: “Ah, tratam Portugal como se fosse a Indonésia, as Filipinas ou a Costa Rica porque para eles os países são todos iguais.” Não é verdade! Muito do que vem no relatório do FMI está perfeitamente identificado.
Como, por exemplo?
- Tem-se medo de dizer que, no conjunto europeu, os professores são mais bem tratados que os professores dos outros países, ou que os funcionários públicos têm um regime global muito privilegiado em relação aos trabalhadores do privado, que há inúmeras excepções para os emigrantes, para os habitantes dos Açores, para os residentes na Madeira, para as pessoas do Interior, para os filhos dos emigrantes, para os filhos destes, daqueles e daqueloutros. Há inúmeras situações de privilégios e privilégios. Sabe--se isto tudo há muitos anos e os governos fogem sempre a discutir isso. Porque isso não dá votos, não serve para a demagogia. E então põe-se o FMI ao serviço.
Este governo é cobarde?
- Acho que sim. Neste caso acho que sim, é um governo cobarde. O governo toma as medidas que tem de tomar, muitas delas terríveis e algumas justas, ainda por cima, e toma-as de supetão, manda para a rua, como quem atira pedras, bumba! Têm tido coragem para tomar medidas, mas era muito mais corajoso tornar as coisas públicas antes, discutir e envolver os parceiros sociais. Isso era coragem" (...) Leia a entrevista na íntegra, aqui.