Não sou, e acho importante esta declaração de princípio, daqueles que alinham cegamente na teoria de que quanto pior, melhor, ao estilo de alguns políticos e partidos que acham que quanto maiores dificuldades os portugueses sofram, mais-valias eleitorais acabam por retirar.
A História tem demonstrado que esse comportamento é contraproducente e que acaba por ter efeitos exactamente contrários. Por outro lado, acho que a situação presente é demasiado séria, para que toleremos aproveitamentos ou manipulações políticas em torno deste tema ou que nos obriguem a termos que ouvir, impávidos, algumas pessoas falar de coisas que não sabem ou não estão informados, uma intolerável deturpação da realidade.
Aliás, ouvi hoje comentários de políticos a um acordo - que nem sequer tinha sido divulgado pela “troika” que negociou as condições do resgate financeiro do nosso país – que não conheciam. Alguns falam com uma tal convicção que pareciam saber mais que os próprios negociadores. O que pretendo referir, sem insistir somente nos aspectos genéricos do acordo anunciados por Sócrates, prende-se essencialmente com o oportunismo e a encenação subjacente a um descarado embuste propagandístico, mais um, habilmente montado pela equipa de comunicação e de propaganda ao serviço do PS e de Sócrates.
Em primeiro lugar, olhemos para o “timing” escolhido por Sócrates – o intervalo de um jogo de futebol, Barcelona-Real Madrid, certamente seguido na RTP por milhões de portugueses, anúncio repetidamente feito pelos comentadores do jogo. Uma opção que obrigou as duas outras televisões, SIC e TVI, que nem estavam a transmitir o jogo, a “desalinharem” o alinhamento dos seus telejornais para se conectarem a S.Bento. Estavam Ronaldo e Messi e companhia sentados nos balneários a descansar e em Lisboa Sócrates anunciava um acordo de um resgate financeiro, como se nada de especial fosse acontecer a este país, como se não existisse um custo demasiado elevado – como a seu tempo constataremos, provavelmente ontem ou hoje – quando a “troika” revelar o documento na sua versão integral.
É evidente que quando vamos assistir a um jogo de futebol, não saímos ao intervalo, satisfeitos ou desiludidos, sabendo que faltam outros 45m, tempo suficiente para que muita coisa aconteça, até em termos de resultado final. Ora quando por pura propaganda – e acredito que tenha sido feita essa exigência aos estrangeiros – se fala de um documento da envergadura, do impacto e da dimensão deste, retirando dele apenas algumas ideias gerais e positivas (o que não vai ser feito em termos de salários e de pensões, contrariando as notícias divulgadas pelos meios de comunicação social), das duas uma: ou são mentirosos, o que não seria de estranhar nem de espantar pelo historial destes últimos seis anos, ou estão a tentar levar os portugueses por tontos, manipulando a realidade e deturpando os factos. Creio que é na conjugação destes dois factores que encontraremos a melhor explicação para o embuste descarado que nos foi imposto.
E que dizer da presença do “ressuscitado” ministro das finanças, qual D. Sebastião naquele acto propagandístico, saído na penumbra de um combate inglório, que com a sua cara carrancuda – que tanto podia dizer que sabia da realidade que Sócrates não estava a divulgar aos portugueses, como indiciava uma presença contrariada, resultante ainda do saneamento político que lhe foi aplicado com o seu afastamento da lista de candidatos a deputados por parte do PS? Um absurdo.
Tentando retirar benefícios eleitorais e pessoais, Sócrates, que parece temer a reacção das pessoas quando andar em campanha eleitoral e não estiver “controlado” perlas iniciativas controladas pelo PS, acabou por bater de frente. Se o acordo afinal não tem custos, se o acordo afinal, na versão de Sócrates foi um bom acordo, se de acordo com essas declarações idiotas e absurdas do primeiro-ministro – que me pareceu mais apostado em desmentir jornais do que em ser sério e falar com verdade – então coloca-se com pertinência as seguintes dúvidas: porque não pediu este acordo mais cedo, porque demorou tanto tempo a recorrer à ajuda externa, porque sujeitou o país a um constante vexame por parte dos mercados, porque nos obrigou a pagar juros a montantes incomportáveis e que terão (tiveram) impacto negativo na realidade dos nossos dias?
Mais. Porque não falou Sócrates, entre outras questões que ficaremos a saber, nas privatizações de empresas, na redução de transferências para a saúde e a educação, na redução do subsídio de desemprego, quer temporal quer em termos de montante, porque não falou nas medidas de redução de freguesias e quem sabe se de municípios porque não falou na extinção ou fusão inevitável de serviços públicos, porque não falou na extinção de empresas públicas, porque não esclareceu se o Estado vai ter que reduzir ou não despesas, quais e como, porque não falou na continuação do programa de redução dos funcionários públicos porque não falou das alterações à legislação laboral, porque não falou no aumento do IVA nos escalões intermédio e mais reduzido, porque não falou no aumento do IMI e no congelamento dos salários da função pública por mais dois ou três anos, quando teremos uma das taxas de inflação mais elevadas da Europa, porque não falou no aumento dos impostos sobre os rendimentos, etc, etc?
Os portugueses são inteligentes para perceberem que estes acordos, envolvendo um empréstimo de 78 mil milhões de euros, não têm custos elevados e não imporão medidas de austeridade que vão penalizar todos. A propaganda não consegue esconder o que aos poucos se vai ficar a saber em termos de realidade, da realidade habilmente escondida naquele discurso que se limitou a apontar aspectos positivos, em matéria de salários da função pública, do 13º e 14º meses, das pensões, de novos valores para o défice do Estado, etc. Na Grécia, por exemplo, foram apresentados mais dois pacotes de austeridade, cada um mais violento que o outro, quando a monitorização – que será feita em Portugal – percebeu que o apoio proposto e aprovado não resolveria o problema. Já se fala na reorganização da dívida grega, com tudo o que de negativo isso implica. No caso da Irlanda já estão a decorrer negociações para a renegociação dói acordo estabelecido, porque só a banca daquele país precisou de mais de 30 mil milhões de euros do que o inicialmente acordado.
O sucesso deste acordo, a não aprovação de mais medidas depende essencialmente do que formos capazes de fazer. Se pisarmos o risco, se mantivermos no poder o partido e a governação incompetente que nos levou ao abismo e à bancarrota, certamente que vamos direitos a mais um fracasso e que novas medidas adicionais serão reveladas em 2012 e anos seguintes. É sobre isto que os portugueses precisam de pensar. Sem se deixarem enganar ou iludir pela propaganda de quem apenas se quer manter no poder, estando disposto a tudo fazer - tal como o fez em 2009 depois de ter perdido as eleições europeias, três meses antes das legislativas nacionais - para sobreviver e conseguir tal desiderato (LFM)
quarta-feira, maio 04, 2011
DESCARADO EMBUSTE
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