sábado, abril 02, 2011

Opinião: "Mais Verdade da Crise" (Paul Krugman)

"Quem tiver a esperança inocente de ainda ver a punição dos responsáveis pela crise de 2008, que muitos continuam a pagar, desengane-se. Os crimes continuam e a impunidade também. Estou entre aqueles que ficaram satisfeitos por ver o documentário "A Verdade da Crise" ganhar um Óscar. O filme recordou-nos que a crise financeira de 2008, cujos efeitos ainda ensombram as vidas de milhões de americanos, não foi um acaso - o que a tornou possível foi o comportamento indecoroso de banqueiros, reguladores e, sim, economistas. O que o filme não mostra, no entanto, é que a crise desencadeou uma nova série de abusos, muitos deles ilegais, além de imorais. Agora, por fim, há figuras políticas destacadas a mostrar alguma indignação. Infelizmente, não é dirigida aos abusos da banca, mas aos que tentam impedi-los.

Neste contexto, a primeira coisa a chamar a nossa atenção é a proposta de acordo entre os procuradores-gerais dos estados e os bancos hipotecários. Trata-se de pura "extorsão", diz o senador Richard Shelby, do Alabama. Os bancos a quem fosse exigido que aceitassem o acordo estariam a ser vítimas de "roubo", diz o "The Wall Street Journal". E os próprios banqueiros avisam que qualquer acção contra eles pode pôr a recuperação económica em risco. Tudo isto confirma que os ricos são diferentes de mim e de si: quando infringem a lei, são os que os acusam que são julgados. Para ficar com uma ideia daquilo de que estamos a falar, veja- -se a queixa do procurador-geral do estado do Nevada contra o Bank of America. Segundo a acusação, o banco incitou as famílias a aderirem ao seu programa de modificação das condições de empréstimos - supostamente com o objectivo de manterem as suas casas - com informações erradas acerca das exigências do programa (por exemplo a de que era preciso falhar pagamentos para se poder aderir) e com falsas promessas de ajuda, para depois responder com acções de execução e até com o leilão dos bens enquanto as famílias continuavam à espera de uma decisão. Enfim, de maneira geral, exploraram o programa para enriquecer à custa destas famílias. O resultado foi que "muitos consumidores do Nevada continuaram a fazer pagamentos das mensalidades das hipotecas para além das suas possibilidades, recorrendo às suas poupanças, aos seus fundos de reforma ou aos fundos para a educação dos filhos. Além disso, devido às falsas garantias do Bank of America, os devedores trocaram a possibilidade de vender imediatamente as casas por tentativas vãs de as conservarem. Depois esperaram mês após mês, telefonaram repetidamente para o banco, insistiram com pedidos, sem saberem se conseguiriam salvar as casas. Mesmo assim, este tipo de coisas só acontece a desgraçados que não conseguem pagar as hipotecas, não é verdade? Não. Recentemente, Dana Milbank, conhecido colunista do "Washington Post", publicou um artigo acerca da sua própria experiência: um refinanciamento de rotina da hipoteca transformou-se num pesadelo de custos indevidos, juros exagerados e contas congeladas. E tudo indica que a experiência dele não foi isolada. A propósito, recorde-se que não estamos a falar de operadores duvidosos aparecidos ontem à noite, mas de duas ou três das maiores empresas financeiras norte-americanas, com cerca de 2 biliões de dólares de activos. No entanto, os políticos parecem inclinados a fazer-nos acreditar que qualquer tentativa de obrigar estes gigantes da banca a fazerem uma modesta restituição, mais que justificada, é "extorsão". A verdade é que eles estão prestes a escapar quase sem penalização. E que responder à afirmação de que tudo isto pode ameaçar a recuperação económica? Muito haveria a dizer sobre este assunto, tudo mau. Mas há dois pontos que quero sublinhar. Em primeiro lugar, o acordo proposto é apenas de alteração de condições em que ambas as partes ganhem, isto é, os beneficiários e os investidores. A verdade escandalosa é que os bancos estão a boicotar estes acordos para poderem continuar a extorquir taxas elevadas. De que modo pôr fim a este roubo de estrada pode ameaçar a economia? Em segundo lugar, o maior obstáculo à recuperação não é a situação financeira dos nossos bancos principais, que já foram ajudados uma vez e actualmente beneficiam da impressão generalizada de que isso voltará a acontecer em caso de necessidade. É, pelo contrário, a ameaça do crédito malparado e a paralisação do mercado imobiliário. Contribuir para que os bancos ajudem a sanar o problema ajudaria a economia, não a prejudicaria. Nos dias e nas semanas que aí vêm veremos os políticos protectores dos banqueiros denunciarem a proposta, dizendo defender com isso o estado de direito. No entanto, o que estão a defender é precisamente o contrário - um sistema em que apenas os pequenos têm de obedecer à lei, enquanto os ricos, em especial os banqueiros, podem enganar e defraudar sem ter de responder por isso" (por Paul Krugman, Prémio Nobel da Economia em 2008, no Jornal I com a devida vénia)

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