sábado, julho 26, 2008

Opinião: "Inseparável saudade do passado em Sá da Bandeira"

Com este título publicou o jornalista Luís Naves, do DN de Lisboa, um excelente texto sobre a antiga cidade angolana de Sá da Bandeira, fundada por madeirenses, hoje Lubango, capital da provincia do Huíla: "Todos os anos, em Julho, se juntam milhares de pessoas, unidas pela memória que possuem de Sá da Bandeira, actual Lubango. Uma suave nostalgia marcou o encontro deste ano, nas Caldas da Rainha, temperada por amargura. "Não quero ir lá. Prefiro ficar com o sonho", diz um dos 'Inseparáveis de Huíla' Ilídio Ferreira Lino, 79 anos, mostra maior dificuldade com as emoções quando conta a sua fuga de Sá da Bandeira, em 1975. Tinha vistos, bilhetes, tudo, mas no último momento pediram-lhe mais dez contos por cada membro da família. Pagou, mas mesmo assim não havia lugar para todos. "Nunca queira passar por uma coisa dessas", diz, olhos congestionados, a voz a tremer: "Imagine a aflição, eu e a minha mulher dentro do avião, os meus dois filhos cá fora", uma rapariga de 16 anos, um rapaz de sete. "Havia falta de lugares no avião, os meus filhos vieram em pé". E alguém confirma, a seu lado, que "recordar estas coisas magoa muito".Cada família conta as suas mágoas. É uma história por escrever. Aqui, nesta mata das Caldas da Rainha, um pouco acima do hospital, em local fresco, à sombra de uma pequena floresta de plátanos, junta-se um grupo alargado de pessoas que tem em comum uma poderosa sensação de perda. Os encontros são em Julho e realizam-se sem interrupções há 31 anos, desde que a catástrofe se abateu sobre estas famílias.Vieram de Huíla em 75. Muitos são descendentes de madeirenses que se instalaram naquela parte de Angola. Outros nasceram em Portugal continental, emigraram, regressaram. O exílio português era por pouco tempo, até as coisas melhorarem. Foi uma eternidade. Em 75, os que são mais velhos viviam na cidade (então portuguesa) de Sá da Bandeira, hoje Lubango. Tinham profissões, estavam instalados, perderam tudo. "Ainda tenho o bilhete da TAP, de ida e volta", conta Joaquim Santos Correia, de 68 anos. "Acreditei que ia regressar. A minha mulher não me deixou trazer nada". Sobre o governo de então, não há contemplações: "considero que fui vendido", diz. A reunião anual dos "Inseparáveis de Huíla" é uma espécie de reencontro familiar, num gigantesco piquenique cheio de nostalgia amargurada. Começa numa sexta-feira e acaba num domingo, sempre o dia mais concorrido. Há grupos espalhados, abraços, risos, conversas sérias no meio da alegria geral. Entre o arvoredo nasceu uma pequena cidade de tendas e ouve-se na mata o rumor dos reencontros. Em torno do parque da cidade, já não há lugares para estacionar. As pessoas vieram de todo o país, brancas, mulatas, sobretudo mais idosos. E, quando se fala de Sá da Bandeira (hoje Lubango), alguém explica, não sem tristeza, que "recordar é viver". Para Ilídio Lino, o importante é o que fica dessa memória: "Não quero ir lá mais, prefiro a ideia de como aquilo era". E Joaquim Santos Correia conclui a frase: "Ficar com o sonho".

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