quinta-feira, abril 06, 2023

Recuperar o espaço e a dignidade perdidas

Ficamos a saber esta semana que os sindicatos da rádio e televisão de Portugal acusam a administração da RTP de "declamar poesia" na negociação salarial e ameaçam avançar com ações de luta, entre elas a greve, caso as suas reivindicações não sejam atendidas.

“Iremos onde for necessário, ao ministro da Cultura, ao ministro das Finanças, para novas vigílias, se necessário para a greve, até que prevaleça a razão de todos nós, avisam as estruturas sindicais". Pessoalmente duvido que estas encenações contestatárias ou alegadamente contestatárias, tenham sucesso. Sobretudo quando do outro lado, como parece ser a realidade, não há vontade nem de negociar seriamente muito menos de obter um acordo. A próxima reunião negocial está agendada para 20 de abril, mas confesso que tenho muitas dúvidas que as reivindicações - mesmo considerando que as propostas iniciais num processo negocial incluem sempre a previsão de algum recuo - sejam aceites.

Aliás outros fenómenos reivindicativos estão a decorrer ou estão adormecidos na Lusa, na TVI, na Média Capital, etc. Os jornalistas que durante anos foram uma classe exemplar em termos de luta pelos seus direitos e pela sua dignidade profissional - e não me arrependo de ter sempre votado na lista afecta ao PCP nas eleições para o  SJ, porque considerava então, e hoje também, que eram eles quem mais e melhor defendiam os interesses colectivos - cederam, acomodaram-se, permitiram o esvaziamento das redacções, toleraram as aquisições ditadas por razões políticas e sobretudo económicas que retiraram a muitos meios de comunicação espaço de afirmação. E cometerem um erro básico: "Esqueceram-se" das lutas sindicais pelo que não estranho que hoje, quando o mal já está feito (resta saber se de forma irreversível), e quando a pressão de alternativas coloca em causa a sobrevivência da dita comunicação social tradicional junto das opiniões públicas. Sobretudo, essencialmente, no domínio da informação séria e do debate.

O confronto entre um mundo vergonhoso e criminoso das redes sociais, onde vale tudo, onde todos dizem o que lhes apetece, onde todos falam de tudo até do que não sabem, onde todos são "médicos", "juízes", "engenheiros", "professores", "gestores", "futebolistas", etc, etc, onde os perfis falsos e as estruturas comunicacionais marginais nas redes sociais são cada vez mais melhor organizadas e mais activas, onde a "opinião" se confunde com a idiotice - sem obviamente generalizar este quadro a todos os espaços das redes sociais, porque seria falso e seria injusto fazê-lo e onde a regulação não existe, e a comunicação social tradicional, regulada, séria, assente em fontes sérias e credíveis, valorizando apenas os factos e a verdade, doa a quem doer, e a investigação, etc, é cada vez mais um conflito desigual. Desigual porque os jornais, rádios e televisões confrontam-se com falta de recurso e  com a falta de meios para manterem um papel de combate a essa concorrência perigosa, impedindo que uns e outros se confundam, ou sejam colocados num mesmo patamar de análise e de catalogação valorativa.

Entretanto os trabalhadores da TVI aprovaram, por maioria, a proposta de atualizações salariais feita pela administração da Media Capital e apresentada pela Comissão de Trabalhadores da estação - aumentos salariais de 11,7% para os salários mais baixos, ou seja, até mil euros; 5,7% para salários entre os mil e os 2000 euros; 4,1% entre os 2 mil e os 3 mil euros; 3,3% entre os 3 mil e os 3750 euros e aumentos de 0,9% para salários entre os 3750 e os 6 mil euros. Ficou assim sem efeito o pré-aviso de greve feito pelos trabalhadores da TVI. 

Acho, finalmente, que é tempo dos jornalistas abandonarem o que parece ter sido algum acomodamento que prevaleceu nos últimos anos e lutarem de uma forma mais concreta e eficaz pelos seus direitos e pelo futuro da comunicação social, reforçando a consistência informativa, a qualidade opinativa factores que, conjugados com outros mais internos, próprios das redacções, acabam por ser garantia de recuperação do espaço perdido nos últimos anos, incontestavelmente. As tiragens, as audiências, as receitas falam por si. LFM

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