António Costa prepara-se para abrir os cordões à bolsa e apresentar medidas de apoio no valor de dois mil milhões. Ferraz da Costa põe em causa montante e timing: ‘Não sei se esta é a altura mais correta para avançar com este plano de apoios tão ambicioso’. O antigo patrão dos patrões dá como exemplo o aumento dos depósitos e recorda que os dados económicos ‘não estão assim tão maus’.
Dois mil milhões de euros. É este o montante do pacote de ajudas que o Governo se prepara para anunciar na segunda-feira, tal como o jornal i já avançou, e que representa mais do que foi gasto nos anos da pandemia. Para já, ainda está tudo no segredo dos deuses, mas as medidas serão tanto para as famílias, como para as empresas – apesar destas últimas ainda estarem dependentes de uma reunião que será realizada a nível europeu, e que terá lugar no final da próxima semana.
António Costa responde assim ao pedido feito pelo Presidente da República, que tem vindo a apelar aos apoios para aqueles que tenham necessidades mais urgentes. Já nesta sexta-feira, Marcelo Rebelo de Sousa afirmou que tanto o Governo como a oposição (PSD) «estão em concordância» e que todos já admitem que «há uma situação de emergência».
A ‘culpa’ é da inflação, que apesar de ter desacelerado face a julho ainda atingiu os 9% em agosto. E em breve iremos assistir a um novo aperto, desta vez por parte do Banco Central Europeu (BCE) que deverá subir novamente as taxas de juro, próxima reunião de 8 de setembro. Tudo indica que irá subir 50 pontos base, mas as perspetivas mais pessimistas apontam para 70 pontos base, o que irá penalizar não só quem tem créditos como quem está a pensar em recorrer a empréstimos e que será mais penalizador para quem recorrer ao banco para a compra de casa.
«Dado o maior risco de persistência de pressões inflacionistas, esperamos que o BCE decida aumentar novamente as taxas de juro oficiais na sua reunião da próxima semana em Frankfurt. A maior parte da reunião irá provavelmente concentrar-se em alcançar um consenso sobre a dimensão da subida, com os comentários mais recentes de alguns membros do Conselho do BCE a mostrar uma clara divergência entre aqueles que apoiam a manutenção do ritmo já aprovado em julho (de 50 p.b.) e outros que favorecem um ajustamento em alta (para 75 p.b.)», dizem os analistas do BPI.
Ainda assim, admitem que, no «cômputo geral, será alcançada uma maioria para aumentar as taxas em 50 p.b., o que daria ao Conselho mais tempo para avaliar a evolução da situação no mercado do gás e o possível impacto da crise energética».
O que esperar?
Ao que Nascer do SOL apurou, uma das medidas deverá passar por uma redução da carga fiscal, nomeadamente com mexidas nos escalões de IRS.
Recorde-se que no Orçamento do Estado deste ano já foi levada a cabo a introdução de mais dois escalões de rendimento coletável (e respetivas taxas), em resultado dos desdobramentos dos 3.º e 6.º escalões, passando assim a existir nove escalões, em vez de sete. Além disso, já tinham sido contemplados ligeiros ajustes nos valores dos limites dos escalões.
Uma redução aplaudida por Pedro Ferraz da Costa. «Uma das principais apostas deverá passar por baixar a carga fiscal sobre o trabalho e sobre as empresas», diz ao Nascer do SOL.
Ainda na semana passada, em entrevista ao i, Álvaro Beleza, presidente da SEDES, propôs uma diminuição significativa da carga fiscal. «É preciso reduzir os impostos de uma forma corajosa, a receita fiscal aumentaria e teríamos um maior crescimento económico», lembrando que «não há nenhum caso de nenhum país que com menos impostos não tenha crescido economicamente. Isso acontece a todos os países europeus: República Checa, Letónia, Lituânia, todos. Holanda e todos eles têm a nossa dimensão».
Mais desfavorecidos ou nem por isso?
Ferraz da Costa mostra-se, no entanto, surpreendido com este montante de apoios e principalmente com o timing. «Não sei se esta é a altura mais correta para avançar com este plano de apoios tão ambicioso». E dá como exemplo os depósitos bancários. Só no final de julho, as poupanças das famílias portuguesas nos bancos atingiram um novo recorde de 182,7 mil milhões de euros – um aumento de 7,2% face ao mesmo mês de 2021, o valor mais elevado de sempre, enquanto o das das empresas totalizavam os 63,3 mil milhões de euros naquele mês. Este valor, de acordo com o Banco de Portugal, representam um aumento de 7,2% e 11%, respetivamente em relação a julho de 2021.
«Os depósitos bancários continuam a subir, por isso, a maior parte das generalidades das famílias não está a viver assim tão mal. Alguns preços estão a descer, outros a subir, ninguém sabe muito bem o que vai acontecer», alerta o economista.
«Não vejo enquadramento nenhum para ser necessário avançar já com um pacote gigante de apoios», acrescenta Ferraz da Costa, recordando as declarações de Mário Centeno quando afirmou que «é importante ter cautela», nomeadamente na subida dos salários. Uma opinião partilhada Daniel Traça em entrevista ao Nascer do SOL.
Ferraz da Costa lembra que essa prudência é essencial porque ainda não se sabe «se as coisas podem piorar», afirmando que «não se pode gastar agora todos os cartuxos». O economista diz ainda que, em princípio, não haverá eleições tão depressa, daí não perceber «por que é que querem fazer já tanta coisa, quando há muitos dados da economia que não estão assim tão maus. Não estamos a assistir a nada arrasador em termos económicos, nem em Portugal, nem em parte nenhuma do mundo».
Sem comentar montantes que irão ser apresentados em termos de medidas, Luís Aguiar-Conraria disse ao Nascer do SOL que espera que haja algumas para limitar a subida dos preços de energia. Fora isso, o economista defende que «todas as medidas devem ser pensadas para apoiar as pessoas, em vez de estarem a apoiar as empresas». E nesse campo admite que deverão «ser apoiadas as pessoas mais pobres por estarem a passar por estes tempos difíceis». Já em relação à classe média, acredita que deverá «ficar de fora».
Uma solução que responde às críticas recentes de João César das Neves, que tem vindo a denunciar que o que tem falhado é «a falta de apoios às classes mais desfavorecidas que, até agora, não têm tido apoio suficiente».
Também Luís Mira Amaral acredita que parte das medidas irão responder aos aumentos da energia e, em relação às medidas a avançar, o economista garante que o Governo tem margem orçamental para tomar as mais variadas medidas.
O problema coloca-se no próximo ano. «Em 2023 é que poderá ter maiores dificuldades financeiras porque terá de encaixar todos os apoios sociais que precisa de atribuir, já que este ano com o encaixe fiscal que tem tido não não terá dificuldades nenhumas. Mas para o próximo ano vai ter de aumentar muito a sua despesa», alerta (SOL, texto da jornalista Sónia Peres Pinto)
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