Ao nono ano deste “velho” quadro comunitário Portugal 2020 ainda há grandes investimentos públicos com dificuldades em sair do papel, apesar do financiamento europeu na ordem dos 85%. Basta olhar para os mais recentes dados do portal Mais Transparência e fazer um zoom à taxa de execução das 20 maiores obras públicas apoiadas pelo Portugal 2020. Os dados referem-se a 30 de junho de 2022, quando faltava ano e meio para o fim do prazo deste quadro comunitário, que arrancou em 2014 e termina em 2023. Então, o conjunto das 20 maiores obras públicas só executara 40% do envelope de €1,1 mil milhões a que teve direito no Portugal 2020. Apenas meia dúzia destas obras conseguiu investir 70% ou mais dos fundos obtidos. A maioria tem, pelo menos, dois terços dos fundos ainda por gastar. A mais atrasada é a construção do Hospital Central do Alentejo, que arrancou em 2021: só executou 3% dos €40 milhões aprovados pelo Alentejo 2020.
A Infraestruturas de Portugal (IP) responde por metade destas grandes obras públicas. A maioria são da Ferrovia 2020, apoiadas pelo programa Compete 2020. E tem duas obras que só mais tarde garantiram fundos do programa POSEUR, após a grande reprogramação do Portugal 2020 de 2018. A modernização da Linha Ferroviária de Cascais obteve €50 milhões, dos quais executou 7%. E o Sistema de Mobilidade do Mondego executou 16% dos €57 milhões. Impossíveis de concretizar no Portugal 2020, ambas as obras deverão ser divididas em duas fases, passando a segunda fase para o Portugal 2030. Bruxelas já flexibilizou esta regra de transição entre quadros comunitários para mitigar o corte de fundos. O Governo já admitiu que vai fasear a Ferrovia 2020 e terminá-la após 2023.
FASEAR É A SOLUÇÃO
Questionado sobre os projetos da IP a fasear do Portugal 2020 para o Portugal 2030, fonte oficial do Ministério das Infraestruturas e da Habitação (MIH) responde: “Estão neste momento em negociação.” Será o caso da maior obra pública em curso com os fundos do Portugal 2020: a Linha do Norte — Modernização do troço Ovar/Gaia só executou 26% de €119 milhões. Bem mais avançada (86%) está a Linha da Beira Baixa — Modernização do troço Castelo Branco/Covilhã/Guarda, já em exploração. A mais atrasada (5%) é a eletrificação da Linha do Algarve. O MIH garante ao Expresso que “a verba do Portugal 2020 será executada na totalidade” nestes e noutros projetos. Quanto ao próximo quadro, “até 2029, será dada continuidade aos investimentos na ferrovia realizados nos últimos anos, concluindo a implementação do Ferrovia 2020 e lançando a implementação dos investimentos na infraestrutura e material circulante previstos no Programa Nacional de Investimentos (PNI 2030)”.
ATENÇÃO AO AÇO
Dos €250 milhões de fundos do POSEUR para as três grandes obras de expansão dos metros de Lisboa e do Porto foram gastos €88 milhões. A execução vai em 47% na linha Rato/Cais do Sodré, em 41% na linha Santo Ovídio/Vila d’Este e em 15% na linha Casa da Música/São Bento. Fonte oficial do Ministério do Ambiente justifica o atraso. “Houve casos de concursos que ficaram desertos, obrigando a novos concursos, e, noutros casos, os procedimentos foram alvo de litigância.” Os procedimentos concursais foram “também afetados pelas prorrogações e suspensões de prazos devido à pandemia”. Por atravessarem zonas históricas, estas obras foram ainda sujeitas a trabalhos de prospeção arqueológica, que interferem no decorrer dos trabalhos. “A estes atrasos somaram-se depois a escassez de materiais indispensáveis às obras e os constrangimentos nas respetivas cadeias de abastecimento, afetadas primeiro pela pandemia de covid-19 e depois pela guerra na Ucrânia”, acrescenta fonte do Ministério do Ambiente. “A título de exemplo, citamos o caso de uma encomenda de mil toneladas de aço feita a uma fábrica de Azovstal que ficaram retidas no porto de Mariupol.”
Guerra na Ucrânia atrasou obras do metro com fundos do Portugal 2020: mil toneladas de aço ficaram retidas no Porto de Mariupol
No entanto, o Ministério do Ambiente acredita que os metros de Lisboa e do Porto concluam as obras a tempo: “Espera-se que, até ao final de 2022, estes três projetos executem mais cerca de €59 milhões, prevendo-se que, até ao final de 2023, seja executada a totalidade do financiamento.”
O Expresso questionou outros destes promotores. “A expectativa é de que sejam cumpridos os prazos previstos”, responde a APDL — Administração dos Portos do Douro, Leixões e Viana do Castelo sobre a obra em Leixões. Já a MUSAMI — Operações Municipais do Ambiente escusou-se a comentar o atraso na execução do sistema de tratamento dos resíduos sólidos urbanos da ilha de São Miguel. “Temos perspetivas de que a evolução da execução financeira do programa acelere ao longo dos próximos meses”, diz fonte oficial do POSEUR, cujos fundos apoiam sobretudo promotores públicos. A 30 de junho de 2022 tinha 68% do envelope de €2,2 mil milhões executados. O POSEUR identificou para o Expresso os mais relevantes constrangimentos à execução dos projetos aprovados. Parte são resultantes da pandemia e agravados pela guerra.
Em primeiro lugar, “a morosidade e complexidade dos procedimentos de contratação pública e instabilidade/fraca capacidade de resposta do mercado a nível dos empreiteiros e dos fornecedores de equipamentos e de materiais e veículos que são necessários à realização das operações aprovadas”, diz fonte oficial. “Muitos concursos lançados pelos nossos beneficiários ficaram desertos e obrigaram à abertura de novos procedimentos, com consequências bastante negativas no calendário de execução dos projetos e aumento de custos de investimento.” Após a adjudicação das obras e fornecimentos, “têm-se verificado também constrangimentos ao nível do cumprimento dos prazos contratuais, quer por escassez das matérias-primas e de materiais (nomeadamente aço e chips) e também de mão de obra”, quer na construção civil, quer nos trabalhos especializados (Expresso, texto dos jornalistas Joana Nunes Mateus e Carlos Esteves)
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