Convém lembrar, sobretudo aos que desconhecem essa realidade, que a Venezuela, alvo de várias sanções e embargos por imposição dos EUA e dos seus aliados europeus, quase todas assentes em razões políticas, continua a ser uma potência mundial sempre que se fala em combustíveis.
Vamos a factos: em 2017 a Venezuela, com uma produção
diária de quase 2 milhões de barris, era o 13º maior produtor de petróleo do
mundo, mas em 2020, devido a impacto das sanções já nem figurava entre os
primeiros 20 maiores produtores mundiais. Contudo, em 2022 parece recuperar
rapidamente o seu lugar no ranking mundial. Em 2021, os países do mundo com
maiores reservas de petróleo eram a Venezuela (1º), Arábia Saudita, Canadá,
Irão e Iraque.
A Venezuela tem ainda a quarta maior reserva mundial
de gás que Maduro diz que pode crescer: "Temos uma impressionante faixa de
gás nas Caraíbas, no norte da Venezuela. Todo o gás de que necessitem".
Desde 2017, os Estados Unidos aplicam sanções contra
políticos e membros da elite venezuelana e contra empresas e entidades
petrolíferas associadas ao regime de Maduro, dentro e fora da Venezuela. Estas
sanções visam pressionar Maduro e seus apoiantes e impedi-los de lucrarem com a
mineração ilegal de ouro, com a venda de petróleo ou com outras transações
comerciais passíveis de financiarem as atividades criminosas do regime e os
abusos aos direitos humanos. Também políticas são as razões para as sanções
aprovadas pela União Europeia.
Curiosamente, em 2022, em grande medida devido à guerra
na Ucrânia e às medidas tomadas contra Putin - um amigalhaço de Maduro - os EUA
começaram a afrouxar as sanções contra Caracas. Oficialmente é referido que o
governo de Biden pretende incentivar as discussões políticas com Maduro e a oposição.
O caricato é que os americanos alegam que as decisões tomadas neste domínio
foram aprovadas “em plena coordenação” com Guaidó e seu governo interino, que
os EUA reconhecem como a liderança legítima da Venezuela. O primeiro sinal de
aproximação dos americanos a Caracas, surgiu recentemente, já depois da guerra
na Ucrânia, quando se ficou a saber que Caracas contratou a Siemens Energy para
reparar centrais elétricas venezuelanas, no âmbito de um programa governamental
de reconstrução da sua rede elétrica, afetada por constantes apagões e falta de
manutenção. A empresa alemã foi previamente autorizada pelo Departamento do
Tesouro dos EUA a trabalhar com a estatal Petróleos de Venezuela SA (PDVSA) e
com a Corporação Elétrica da Venezuela (Corpoelec), apesar das duras sanções
económicas norte-americanas contra Caracas.
Os EUA e a Europa perceberam que podem precisar da
Venezuela (Espanha deu o primeiro sinal disso), sobretudo devido ao impacto
perigosamente negativo entre os europeus das sanções aprovadas contra a Rússia
de Putin. Podem precisar pelo menos até que uma solução energética nova seja
efectivamente implementada, o que vai demorar ainda muito tempo. Tempo que os
consumidores não têm...
Mas Maduro também percebeu isso, e de que maneira! Esta
semana garantiu estar a Venezuela pronta para auxiliar a Europa e os EUA com
petróleo e gás, face às dificuldades energéticas provocadas pela invasão da
Ucrânia pela Rússia!
"Eu digo à Europa, à União Europeia, e ao
Presidente Joe Biden dos EUA, que a Venezuela está aqui, que a Venezuela estará
sempre aqui, e que o nosso petróleo e o nosso gás estão à disposição para
estabilizar o mundo e para auxiliar no que houver que auxiliar", disse
Maduro num encontro com trabalhadores da empresa estatal Petróleos da Venezuela,
obviamente transmitido pela televisão estatal.
Maduro explicou que "com a guerra na Ucrânia,
vê-se a crise económica e energética no mundo" repetindo que "a
Venezuela está a adquirir cada vez mais importância na equação da estabilidade
energética e económica do mundo".
"O inverno está a chegar ao norte. Há uma crise
de abastecimento de gás e de petróleo. Uma crise que pode ser trágica e
assustadora", disse Maduro que, paradoxalmente (ou não?) começa a ser
olhado como alternativa pelos EUA e seus parceiros europeus.
Claro que este sinal de boa-vontade de Caracas tem um
custo: “o mundo tem de se livrar da relação baseada em chantagem, ameaças,
coerção e em sanções". Já em Junho o vice-presidente do PSUV (o partido do
Governo), Diosdado Cabello, dissera estar a Venezuela disposta a fornecer
petróleo e gás a Espanha e ao resto da Europa. Mas com uma condição: o
pagamento antecipado e através de um mecanismo que permita ao Governo
venezuelano, alvo de sanções internacionais, usar esses recursos. "A
Venezuela tem petróleo, não apenas para a Espanha, mas também para a Europa
(...) mas têm que pagá-lo. E terão de pagar ao preço que é, e dadas as
circunstâncias terão que pagar antecipadamente (...) e num mecanismo que
permita à Venezuela utilizar os recursos que vão pagar por esse petróleo",
disse Cabello.
Definitivamente este é o tempo da Venezuela e de
Maduro, ajudados pela guerra na Ucrânia que ameaça eternizar-se sem solução. E
para desespero dos europeus e ocidentais em geral que começam a pressionar os
seus governos a mudarem as suas prioridades. Com o avanço da extrema-direita na
Suécia, com a multiplicação de manifestações na Europa - a maior reuniu em Praga cerca de 80 mil
pessoas – e com a possibilidade do sucesso da extrema-direita na Itália, é tempo também de Bruxelas começar a limitar os lirismos sentimentalistas e a ter um plano
B – que não passa pelo alimentar da escalada da guerra sem fim à vista - antes
que a crise política e institucional se generalize e o projecto europeu de
desfaça (LFM, versão completa do texto publicado no Tribuna da Madeira de
16.9.2022)
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