sábado, setembro 10, 2022

Crédito à habitação dispara, salários desvalorizam, poupanças rendem pouco mais. Como a subida dos juros mexe no nosso bolso

 

A subida da taxa de juro de referência do Banco Central Europeu tem implicações a diversos níveis e vai mexer (muito) com a carteira das famílias. Prestações mensais ao banco podem agravar-se 221 euros num ano para um crédito de 150 mil euros. O Expresso explica-lhe o que está em causa. A decisão do Banco Central Europeu (BCE) de subir a sua taxa de juro de referência em 0,75 pontos percentuais - a maior de sempre nos seus 24 anos de vida -, colocando-a em 1,25%, e sinalizando que espera continuar a aumentar os juros nas próximas reuniões, tem muitas implicações para as famílias portuguesas. E não são boas. É certo que o objetivo é combater a inflação no espaço da moeda única, que tem vindo a bater máximos sucessivos e em agosto chegou aos 9,1% em termos homólogos. É mais do quádruplo dos 2% que são a referência para o BCE em temos de estabilidade de preços, um objetivo inscrito no mandato na organização. Só que o reverso da medalha da forte subida dos juros é o disparo nas prestações de crédito à habitação, que já estão a subir e vão agravar-se ainda mais. Ao mesmo tempo, os juros dos depósitos devem subir pouco e muito mais lentamente, continuando pouco acima de zero, e ‘obrigando’ as famílias que querem algum retorno a procurar alternativas. Quanto aos salários, com a possibilidade de uma recessão a adensar-se no horizonte, as empresas serão muito mais contidas nos aumentos. Tradução: face à inflação ainda significativa vão continuar a perder poder de compra. O Expresso explica-lhe como a subida dos juros mexe com o nossa carteira.

1 - Como é que a subida dos juros afeta a nossa vida?

As implicações são de diversa ordem e, em regra, negativas para as famílias. O primeiro impacto acontece no crédito à habitação. As prestações ao banco para quem tem empréstimos para comprar casa estão a subir desde o início do ano e vão continuar a agravar-se. Aliás, ameaçam disparar, tendo em conta as perspetivas nos mercados financeiros para a evolução das taxas de juro.

Ao mesmo tempo, a subida dos juros deveria significar um aumento da remuneração da poupança. Mas, os especialistas não esperam grandes incrementos nos juros dos depósitos bancários que estão em zero ou pouco acima disso, e aconselham as famílias a procurar alternativas de aforro. O terceiro impacto sente-se no mercado de trabalho. Com a ameaça de uma recessão a adensar-se no horizonte, as empresas deverão ser muito mais contidas na contratação de trabalhadores e nos aumentos salariais.

2 - As prestações do crédito à habitação vão aumentar?

Sim e ameaçam mesmo disparar. Em Portugal, onde mais de um milhão de famílias têm crédito à habitação, a regra é que estes empréstimos sejam de taxa de juro variável, indexada às taxas Euribor, seja nos prazos a três meses, seis meses, ou 12 meses. Ora, estas taxas estão a subir desde o início do ano, como resultado do endurecimento da política monetária do BCE, e devem manter essa trajetória até ao próximo Verão, sinalizam os mercados financeiros. Aliás, o cenário que traçam para a subida das Euribor tem vindo a agravar-se sucessivamente. Vejamos. Em dezembro do ano passado, as Euribor bateram mínimos históricos, bem abaixo de zero. A média da Euribor a seis meses – o indexante mais usado em Portugal no crédito à habitação - ficou, nesse mês, nos -0,545%. Em junho já estava em valores positivos e esta sexta-feira atingiu 1,442%.

3 - Quanto vão subir as prestações mensais ao banco?

Tendo em conta os contratos de futuros para a Euribor a três meses - que traduzem as expetativas dos mercados financeiros para a subida desta taxa - e assumindo que o aumento na Euribor a seis meses será da mesma ordem, esta taxa vai estar na casa dos 2,4% no final deste ano. O resultado é um forte agravamento das prestações mensais ao banco para quem tem empréstimos para comprar casa.

As simulações solicitadas pelo Expresso à DECO/Proteste são ilustrativas. Uma família com um crédito de 150 mil euros a 30 anos, com um spread de 1% e indexado à Euribor a seis meses, e cuja prestação tenha sido revista em janeiro deste ano, entregou nesse mês ao banco cerca de 446 euros. Seis meses depois, em julho passado, quando a prestação voltou a ser revista, tinha subido para cerca de 494 euros. Ou seja, um incremento da ordem dos 48 euros. Em janeiro de 2023, quando a prestação voltar a ser revista, ultrapassará os 667 euros, o que significa mais 173 euros. O incremento total, no espaço de um ano - entre janeiro de 2022 e janeiro de 2023 -, será de 221 euros.

4 - E no caso de um crédito de 250 mil euros?

Se o valor do crédito for superior, o agravamento é ainda mais expressivo. Uma família com um crédito de 250 mil euros (que é comum em regiões onde o imobiliário é mais caro, como Lisboa ou Porto), também a 30 anos, com um spread de 1% e indexado à Euribor a seis meses, e cuja prestação também tenha sido revista em janeiro deste ano, entregou nesse mês ao banco cerca de 743 euros. Seis meses depois, em julho passado, quando a prestação foi revista, tinha subido para cerca de 823 euros, o que significa um incremento da ordem dos 80 euros. Em janeiro de 2023, quando a prestação voltar a ser revista, ultrapassará os 1.112 euros, ou seja, mais 289 euros. O incremento total, no espaço de um ano - entre janeiro de 2022 e janeiro de 2023 - será de 369 euros. “Esta política do BCE pode ter um forte impacto nas famílias”, alerta Nuno Rico, economista da DECO/Proteste. E chama a atenção não apenas para o agravamento das prestações do crédito à habitação, mas também para a degradação do mercado de trabalho se houver uma forte deterioração da economia.

5 - Os depósitos bancários vão finalmente render mais do que zero?

A subida das taxas de juro significa, em princípio, que a poupança será melhor remunerada. Contudo, não conte com grandes alterações nos depósitos bancários, que devem continuar a render pouco mais do que zero. “Não se antevê uma alteração significativa no cenário dos juros dos depósitos nos próximos meses. É de esperar subidas mas as taxas vão continuar pouco acima de zero na maioria dos bancos”, antecipa Jorge Duarte, Especialista em Assuntos Financeiros da DECO/Proteste. Para assistirmos a um forte subida dos juros dos depósitos “seria preciso que os bancos quisessem captar capitais a todo o custo, mas como as alternativas são pouco evidentes não têm essa necessidade”, continua. Até porque “com juros tão baixos, mudar de banco para conseguir um rendimento adicional de apenas umas décimas e, por norma, apenas por um período curto (depósitos promocionais), é pouco provável”.

5 - Há alternativas para aplicar a poupança que sejam melhor remuneradas?

Sim. Os aforradores portugueses são, em regra, muito avessos ao risco e não querem ouvir falar em aplicações sem capital garantido. Contudo, nos Certificados de Aforro, tal como nos depósitos, o reembolso do capital está garantido. E este produto que tinha caído em desuso face às taxas de juro negativas, está a tornar-se de novo atrativo. Isto porque “o rendimento dos Certificados de Aforro está indexado às taxas Euribor e já tem vindo a subir. Está agora perto de 1% líquido ao ano, mas com os prémios de permanência e a continuação da subida das Euribor, o rendimento anual poderá atingir 2,4% num período de 5 anos”, aponta Jorge Duarte. Um valor que pode ser um pouco superior, dependendo da evolução das taxas Euribor. “Não é impressionante”, reconhece Jorge Duarte. Contudo, “permite, pelo menos, uma menor erosão causada pela subida dos preços. Com os juros a esperar dos depósitos, ter o dinheiro debaixo do colchão é quase igual em termos de rendimento real”, vinca este especialista.

6 - E se os aforradores estiverem abertos a aplicações sem capital garantido?

Se estiverem dispostos a “correr riscos calculados”, Jorge Duarte aponta como alternativas os fundos de investimento e os ETF. “São produtos que permitem aplicar nos mercados financeiros com quantias reduzidas (algumas centenas de euros) e já inerentemente diversificados”, explica. “O mau momento das bolsas em 2022 pode ainda ser um fator de dissuasão, mas os aforradores mais pacientes poderão obter bons rendimentos a longo prazo”, argumenta, vincando que “sem aplicar nos mercados de ações não será possível obter rendimentos muito acima da inflação”.

Especialistas do Banco Best apontam no mesmo sentido: “Se queremos investir no longo prazo e ter um retorno acima da inflação, recorrer apenas a depósitos ou produtos com taxa garantida, pode não ser suficiente para assegurar que mantemos o poder de compra do capital que temos”. Assim, “no longo prazo, temos que estar investidos nos mercados de capitais ou, eventualmente, em imobiliário (indiretamente, via fundos de investimento de forma a termos diversificação)”, aconselham. De que forma?"As melhores opções neste caso são os fundos de investimento, que podem ser PPR, em ações ou multiativos", apontam os especialistas do Banco Best. Para investidores com um perfil de risco mais conservador, “as alternativas podem ser os fundos imobiliários ou os fundos multiativos mais conservadores, alguns deles também podem ser encontrados em ‘envelope fiscal mais eficiente’, como os PPR”, sugerem.

“Os investimentos neste tipo de soluções, bastante diversificadas, podem gerar retorno acima da inflação de longo prazo. Nos perfis de risco mais defensivos, podemos falar de 1% a 2% mais que a inflação e nos perfis mais arriscados uns 4% a 5% sobre a inflação”, apontam os especialistas do Banco Best, considerando que a inflação de longo prazo estará no patamar dos 2%, que é o valor de referência para o Banco Central Europeu.

7 - A subida dos juros também penaliza os salários?

Sim, embora de forma indireta. Nesta altura, a taxa de desemprego em Portugal está historicamente baixa - recuou para 5,7% no segundo trimestre deste ano -, mas os salários estão a subir apenas de forma contida, e muito aquém da inflação. Os dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), abrangendo o sector privado e o sector público, indicam que, no segundo trimestre deste ano, a remuneração bruta mensal média por trabalhador em Portugal aumentou 3,1% em termos nominais face ao mesmo período do ano passado, para 1.439 euros. Contudo, em termos reais - isto é, tendo em conta o impacto da inflação, para avaliar a evolução do poder de compra - diminuiu 4,6%.

E o cenário traçado pelos economistas é de que os salários continuem a evoluir abaixo da inflação no próximo ano, ou seja, continuem a perder poder de compra. A explicação é simples: a forte subida dos juros, associada ao aperto da política monetária do BCE, em conjunto com a crise energética que tem puxado pela inflação, e a incerteza associada à evolução da guerra na Ucrânia, adensam as nuvens negras no horizonte da economia europeia, e podem originar mesmo uma recessão. Neste contexto, as empresas tenderão a ser muito mais cautelosas em termos da contratação de trabalhadores e da política salarial adotada (Expresso, texto da jornalista Sónia M. Lourenço)

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