sexta-feira, novembro 05, 2021

Opinião (Tribuna da Madeira): ENCENAÇÃO E CARACTER

O PPD de Sá Carneiro - "Somos um partido de esquerda não marxista e continuaremos a sê-lo" - era um partido pragmático e ideologicamente balizado, situado entre o centro ideológico da política e um centro-esquerda que reconheço nem sempre foi fácil definir. O PPD de Sá Carneiro - "Não somos nem queremos ser um partido de quadros ou de elites" - nunca foi um partido de direita, nunca se misturou com o CDS - a AD foi apenas uma opção eleitoral num determinado tempo e nada mais do que isso - e muito menos deixou que opções eleitorais desvirtuassem ideologicamente o PPD ou o fizessem desviar-se do seu real posicionamento ideológico e social. Aliás, foi Sá Carneiro quem referiu que "em política, o que parece é"!

Hoje isso é tudo treta e os que evocam abusivamente Sá Carneiro - desde o assalto “passista” ao PSD em 2010, para mais facilmente o colocarem ao serviço de estranhas causas, caracterizadas pelo primado do capital e pela praxis antissocial – foram os primeiros a pisar as linhas vermelhas que acabaram por enterrar o PSD no lamaçal em que se encontra hoje e sem perspectivas de lá sair.

Tal como Sá Carneiro, e para que não restem dúvidas, "não posso, porque não tenho esse direito, é calar-me, seja sob que pretexto for".

É sabido que com CDS e PSD entregues a Nuno Melo e Paulo Rangel, teremos os dois partidos a virarem lamentavelmente ainda mais à direita, acentuando o absurdo, comparativamente ao vazio que hoje dizem ocupar, um espaço de absoluta confusão e nulidade. Acho que nem CDS nem PSD sabem o que andam a fazer, nem sequer sabem ao certo o seu lugar próprio na política portuguesa.  Sá Carneiro disse um dia que "democrata é aquele que pratica a democracia e não aquele que dela apenas se reivindica". Comecem por isso mesmo, por devolverem ao PSD e ao CDS a democraticidade interna, sem a qual não ganharão nunca a respeitabilidade dos cidadãos.

O PSD de Rio caiu na ilusão mentirosa e manipuladora de parecer que "ganhou" as eleições autárquicas. Não ganhou coisa nenhuma, apenas sobreviveu a uma hecatombe, mais uma, de uma liderança frágil e sem dinâmica, que todos julgavam ficaria mais fragilizada ainda. O PSD sobreviveu, não por causa de Rio mas pelo mérito de muitas candidaturas autárquicas ganhadoras, sobretudo nos grandes centros urbanos. O que é que as vitórias de Calado no Funchal ou de Moedas em Lisboa tiveram a ver com Rio? Zero! O PSD perdeu as eleições - e eles sabem disso – e se considerarmos os distritos continentais e as regiões autónomas, o PSD apenas foi o mais votado (falo das autárquicas deste ano) na Madeira, em Leiria e na Guarda. Como é que se pode transformar esta realidade numa "vitória" ainda mais sabendo que os deputados são eleitos por distritos e regiões autónomas?

Rio tirou o "pescoço do picadeiro" para se meter em novas asneiras, seguindo o exemplo vergonhoso do que se passa no CDS. Como é possível termos dois líderes na oposição – e que voltarão a não ganhar coisa nenhuma - que por um lado reclamam o voto dos cidadãos, mas por outro fogem como o "diabo da cruz" das directas internas nos seus partidos, dos votos dos seus próprios militantes? Como é que esta falta de carácter, este embuste e esta ânsia de poder e de tachismo pode prevalecer em partidos que se reclamam de democráticos, mas cuja praxis nestes últimos tempos tem sido uma vergonha e um insulto à inteligência colectiva dos cidadãos mais atentos?

Eu já tomei uma decisão, que me diz respeito a mim e que recuso alterar: se o PSD se coligar seja com quem for, não tem o meu voto. Eu só voto no meu partido, sempre votei no partido com quem me identifico, não voto em apêndices ou em partidos com os quais nunca me identifiquei ao longo da vida. Não será agora que abrirei uma excepção. "Não há nada que pague a sinceridade na acção política, como em tudo na vida", disse um dia SC. Eu nunca votei em coligações tal como nunca votei em Marcelo ou em Cavaco, porque nunca acreditei, nem acredito, em nenhum deles. E nunca o escondi. Se quiserem fazer coligações de poder depois das eleições, nada a dizer quanto a isso. Mas antes disso, nas urnas, não contam com o meu voto e espero que muitos outros militantes do PSD façam o mesmo

Termino citando de novo Sá Carneiro no Congresso do PPD em 1978: "O nosso Povo tem sempre correspondido nas alturas de crise. As elites, as chamadas elites, é que quase sempre o traíram". Pensem nisso e sejam sérios (Tribuna da Madeira, 5.11.2021)

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