sábado, novembro 20, 2021

Bruxelas mantém TAP sob pressão e com acordo preso nos slots



É grande a ansiedade sobre o desfecho das negociações entre o Estado e a Comissão Europeia (CE) em torno do plano de reestruturação da TAP, já que o futuro da transportadora está dependente da luz verde de Bruxelas, e só serão libertadas novas ajudas à TAP com o sim da Direção-Geral da Concorrência Europeia (DG Comp). O ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos, esteve na semana passada em Bruxelas, e embora não se sente na mesa das negociações, teve encontros ao mais alto nível na DG Comp. A TAP é um dossiê com potencial explosivo e a última coisa que o Governo quer é que seja uma bomba espoletada em plena campanha das legislativas, o que aconteceria em caso de chumbo do plano. Pedro Nuno Santos já admitiu que as negociações com a Concorrência Europeia estão a ser “difíceis e complexas” e está a fazer tudo por tudo para que a resposta de Bruxelas seja positiva e chegue ainda este ano. Até porque a tesouraria da TAP está exaurida, dizem fontes internas, e agora mais condicionada pela subida dos custos dos combustíveis. A convicção dentro do Governo, entre os assessores e fontes comunitárias ouvidas pelo Expresso, é a de que está tudo encaminhado para a aprovação do plano. A presidente da TAP, Christine Ourmières Widener, afirmou esta semana à imprensa estrangeira em Portugal que espera que a aprovação chegue ainda antes do Natal. Mas certezas só haverá no fim e a verdade é que o Governo acreditava que o plano estaria aprovado em fevereiro e nove meses depois ainda está nas mãos da equipa de Vestager.

PROVAR VIABILIDADE É CHAVE

Há, porém, um elefante na sala, que são os preciosos slots — espaço horário para aterrar e levantar voo, fortemente cobiçados pela concorrência, nomeadamente a agressiva Ryanair, que tem acusado a TAP de não os estar a usar — e será aqui que estará grande parte do braço de ferro entre Lisboa e Bruxelas. Mas haverá outros nós a desatar.

A Direção-Geral da Concorrência não acredita que o plano entregue em dezembro de 2020 garanta que a TAP é viável a partir de 2025 sem ajudas públicas — disse-o claramente a poderosa comissária Margrethe Vestager em carta enviada ao Governo português, quando avançou para a investigação aprofundada, em junho de 2021. Por isso, o Estado português não só terá de convencer Bruxelas de que a TAP será viável por si só — tarefa dura para uma companhia isolada e em concorrência com as musculadas Lufthansa, Air France/KLM e IAG — como terá de provar que será capaz de remunerar o Estado pelos €3,2 mil milhões que irá injetar na transportadora até 2024. Para isso precisa de ser capaz de se financiar no mercado: através da banca, no mercado de capitais ou com a entrada de um novo parceiro. Uma bota difícil de descalçar.

Não obstante, avançou o jornal digital “Eco”, está em cima da mesa a realização de um financiamento de €250 milhões em 2023, a levantar junto de investidores privados. E Bruxelas quer que a transportadora apresente uma contribuição própria para o esforço de reestruturação superior, de 40%. Ou seja, acima dos 36% que a TAP propôs no plano: a transportadora já cortou cerca de 2500 postos de trabalho e reduziu a massa salarial em mais de 25%, tendo agora 94 aviões — contra os 108 iniciais e mais seis aeronaves do que as 88 propostas. Especialistas em Concorrência admitem, no entanto, que a DG Comp estará a tentar impor uma contribuição própria de 50%, que é o que ditam as regras comunitárias para os apoios públicos ao abrigo do resgaste e reestruturação — receita que aliás aplicou à italiana Alitalia, empresa que faliu para dar origem recentemente à ITA.

UMA QUESTÃO DE SLOTS

Entretanto, nas negociações, no contexto de investigação aprofundada, Bruxelas terá apontado para uma redução de 20 slots. E se inicialmente Portugal terá contraproposto primeiro com uma redução de 6 slots, agora estará nos 12. Em negociação está também a horário dos slots, sendo que os mais valiosos são os localizados às primeiras horas da manhã, ao fim do dia, aos fins de semana, e os mais usados nas ligações para o Brasil e os EUA. E embora fontes ligadas às negociações garantam que mesmo com cortes de 12 slots o hub da TAP se mantém intacto, fica a dúvida se assim será, uma vez que no plano entregue em dezembro não estava previsto qualquer corte de slots. E o Expresso sabe que este foi construído com a ideia base de que a TAP com menos de 88 aviões colocaria em risco a plataforma de distribuição dos voos, o chamado hub, que é o que garante a sua competitividade e sobrevivência.

Apesar de cauteloso, Pedro Nuno Santos veio garantir esta semana que as receitas da TAP superam atualmente o previsto no plano de reestruturação. Mas o governante não avançou com números, nem especificou a que período se referia, nem quis voltar ao tema quando questionado pelo Expresso. Fonte oficial da TAP também não quis avançar com qualquer informação. Porém, Christine Ourmières Widener tem dito que a abertura do mercado brasileiro tem sido o motor de crescimento da TAP e a companhia propôs-se voar 80% do que voava em 2019 no chamado inverno IATA (31 de outubro a 26 de março).

Resta saber ainda se haverá consequências para os credores e obrigacionistas da TAP. Uma questão de alta relevância uma vez que estão em causa emissões no montante de cerca de €700 milhões — entre investidores institucionais e de retalho. Fontes conhecedoras do processo negam que seja um cenário em discussão, mas a hipótese não poderá ser para já totalmente afastada. Se tudo correr como o previsto a resposta chegará dentro de um mês.

O IMPACTO DA PANDEMIA NA TAP

19/3/2020 Covid coloca aviões no chão A TAP anuncia que cancela voos para 90 destinos por causa da covid-19. Pouco depois, 95% dos aviões estão em terra e 90% dos trabalhadores vão para casa.

2/6/2020 Neeleman sai Estado reforça Depois de negociações tensas, o acionista privado David Neeleman e o Estado chegam a acordo. Neeleman sai e recebe €55 milhões pelos seus 22,5%; o Estado reforça a sua posição para 72,5%.

9/6/2020 Sim ao apoio de €1,2 mil milhões Portugal notificou a Comissão Europeia da intenção de conceder um empréstimo de emergência de €1,2 mil milhões à TAP. Fá-lo fora do quadro temporário de apoio covid, o que empurrou a TAP para uma reestruturação.

10/12/2020 Plano de reestruturação entregue O plano propõe uma redução da frota de aviões de 108 para 88, um corte na massa salarial de 25% e a saída de 2000 trabalhadores. Não estão previstos cortes de slots, nem nos obrigacionistas.

22/4/2021 Prejuízo histórico Sem surpresa, a covid provoca na TAP um prejuízo desastroso: €1,230 mil milhões em 2020 contra €105,6 milhões em 2019.

17/7/2021 Investigação aprofundada A Comissão Europeia decide avançar para uma investigação aprofundada, uma espécie de cartão amarelo. Bruxelas diz que há risco de distorção de concorrência e levanta dúvidas sobre a viabilidade da TAP.

NÚMEROS

€1,662 mil milhões foi quanto a TAP recebeu de ajudas públicas. Faltam €436 milhões para totalizar os €998 milhões previstos para 2021 — aguarda luz verde de Bruxelas ao plano

12 é o número de slots de que a TAP está disposta a abdicar (Expresso, texto da jornalista ANABELA CAMPOS)

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