sábado, novembro 20, 2021

Rui Fontes Presidente do Marítimo: “Já disse, de férias, não vem para aqui ninguém”



Rui Fontes guardou a camisa às riscas verdes e vermelhas durante 24 anos. Usou-a no dia da grande vaia nos Barreiros, quando 10 mil adeptos do Marítimo se opuseram à ideia de criar um clube único na Madeira e obrigaram Alberto João Jardim a abandonar o estádio ao intervalo. Voltou a vesti-la no discurso de vitória, ao ganhar as eleições do clube após uma campanha que mostrou as ligações e os interesses criados em torno das empresas de Carlos Pereira, que mandou no Marítimo ao longo de duas décadas e meia.

O Marítimo não ganha um jogo desde 16 de agosto. Será mais uma época com o credo na boca?

A equipa e o estado do relvado dos Barreiros são a imagem do que tem sido o Marítimo nos últimos anos: um clube que estava a decair lentamente, a definhar a todos os níveis. Apesar de ter um património — o anterior presidente do Marítimo fala muito do património —, está muito degradado. Uma das razões da minha candidatura foi a perda de identidade. Este é um clube com história, mas os sócios estavam afastados. Havia que dar vida. E viu-se: bastou a mudança para sentirmos o clube a voltar a ser aquilo que era. Apesar dos resultados não serem ainda aqueles que pretendemos.

Mas sem resultados no futebol...

Se o futebol do clube for para a II divisão, toda a gente no clube sofre com isso, mas não é só sofrer do ponto de vista emocional, é sofrer sob o ponto de vista financeiro. O clube, para existir, tem de estar na I Divisão.

O que tem previsto? Reforços?

Para já, não se pode fazer nada. Reforços só em janeiro, e a nova direção da SAD só entra em funções no início de dezembro. Os planos para o futebol serão conhecidos nessa altura.

E irá a tempo?

De ficar na I Divisão? Não tenho dúvidas sobre isso.

Que reforços precisa o Marítimo?

Eu não sou o treinador, os técnicos é que sabem. Não me vou meter, mas quero resultados. E já falei com a equipa para explicar o que é o Marítimo. Eles usam o verde e o vermelho, até podem achar que não combina bem, mas o verde e o vermelho representa muito, é uma representação política, que foi antes da República, e aquelas eram as cores do povo. E o povo sofre, trabalha muito e vive do seu trabalho e gosta que, dentro de campo, as cores que eles escolheram façam o mesmo. O Marítimo está a representar uma terra única, que não tem ligação territorial. Já falei que, de férias, não vem para aqui ninguém, mesmo que esta seja uma terra boa para passar férias.

Carlos Pereira justificava os resultados modestos com o investimento no património. Mas diz que não está bom.

E não está. A sala de troféus do Marítimo está completamente abandonada, o estádio está por acabar e não tem licença camarária, o complexo de Santo António está com muitas carências. O lar do jogador está em mau estado, não sei como se metem lá jogadores. Este complexo não tem licença. O património existe, mas não está licenciado ainda. Temos de tratar de tudo isso. E está num estado de abandono. E o Marítimo tem passivo.

As empresas de Carlos Pereira trabalhavam diretamente com o clube

De quanto é o passivo?

Neste momento não sei, mas vou saber facilmente. Já recebi as contas, mas ainda não as vi.

Durante a campanha eleitoral falou-se muito de as empresas do ex-presidente serem fornecedoras do clube.

É verdade. As empresas do presidente trabalhavam diretamente com o clube. Forneciam combustíveis, os apartamentos dos jogadores eram de empresas do presidente, a formação profissional também... Nós vamos apurar tudo isso numa auditoria, mas que há veracidade nisso, há. Até havia uma empresa que era do empregado do presidente do clube, que era proprietária da Marítimo TV e do imobiliário do Marítimo. O funcionário era o dono, que depois nomeava o presidente do Marítimo e o filho do presidente como gerentes.

O que fará se a auditoria detetar irregularidades?

O que a lei determinar é o que vamos fazer.

Sem contemplações?

Não podemos ter contemplações. Vamos a uma assembleia-geral, que decidirá o que fazer. Oxalá que não haja nada, é bom que não haja.

As empresas ligadas a Carlos Pereira vão continuar a fornecer o clube?

Vamos a ver. Nos casos em que houver contrato vão cumprir o que está estipulado até ao fim. Quando se extinguirem os contratos, vamos fazer uma consulta ao mercado e ganhará a melhor proposta.

A vitória nestas eleições é um acerto de contas com atraso de 24 anos?

[risos] Essa pergunta tem piada! Não pensei nisso. Repare, estamos a falar de 1997, há pessoas que são só­cias do Marítimo que nem sequer sabem disso. Já pertence a um passado longínquo que nem para acertar contas serve. Só quer acertar contas quem passa a vida preocupado com essas situações, quem pretendia outras coisas para o futebol da Madeira, e isso ficou como uma marca na vida da pessoa. A mim, isso não me marcou.

Não deixa de ser irónico...

Mas, espere, na história do clube vai ficar, lá isso vai. A recusa do clube único é uma marca importante na história do Marítimo. Agora, na minha vida já passou, nem faço caso disso.

O Marítimo, presidido por si, recusou o clube único, e o então presidente do Governo Regional foi vaiado nos Barreiros, com o estádio cheio. Alberto João era apoiante de Carlos Pereira.

Isso é porque o dr. Alberto João Jardim ficou com a ideia de que fui uma figura da oposição. Como o dr. Alberto João gosta de castigar todas as pessoas que se lhe opõem, pensou que opinando num jornal de uma forma que até tenho dificuldade em classificar, mas muitas vezes baixa e com falta de educação, ia prejudicar a minha campanha. O apoio do dr. Alberto João a Carlos Pereira não valeu nada, é capaz de ter valido 5%. Ficou demonstrado que o dr. Alberto João, eleitoralmente, já não vale nada, mas já valeu muito.

O Dr. Alberto João castiga quem se lhe opõe, mas, eleitoralmente, já não vale nada

Diz que a história não o marcou, mas guardou uma camisa às riscas verdes e vermelhas durante 24 anos e usou-a no dia das eleições.

Comprei-a na loja mais fina do Funchal, que estava em liquidação total. A empregada estava à porta e disse-me: “Presidente, tenho aqui uma camisa que só o senhor pode comprar.” Por acaso era o meu tamanho, e usei-a no último jogo a que fui como presidente. Eu sabia que aquele ia ser o meu último jogo como presidente, foi o dia da vaia nos Barreiros. Levei a camisa, toquei nela e mostrei aos sócios que estava com o Marítimo. Guardei a camisa e fui buscá-la no dia em que fui eleito.

Como foi esse dia em maio de 1997?

Foi o culminar do processo do clube único. O problema é que o dr. Alberto João achou que as pessoas, os adeptos, o queriam pôr na rua da política. Foi avisado por pessoas amigas de que isso podia acontecer e que era melhor não ir ao estádio. Eu estava nas cabinas e tentei conter as coisas, mas o povo, quando se revolta, não há maneira, é impossível. Saiu de forma espontânea. E não aconteceu mais do que isso, e o dr. Alberto João continuou a ganhar eleições. Ainda por cima o jogo correu bem ao Marítimo, e os jogadores estavam com ordenados em atraso. O Marítimo não recebeu subsídios do Governo durante muitos meses e não podia pagar aos jogadores.

Era retaliação?

Ora, então! E ficámos bem na tabela. Os jogadores tinham muita confiança em mim. Tenho por hábito cumprir o que prometo, não posso falhar. Depois, todo o dinheiro que entrava no Marítimo, que não era só do Governo, era para pagar aos funcionários do clube, porque esses viviam com o ordenado. Os jogadores tinham um ordenado muito superior e, se tivessem juízo, tinham poupanças para viver cinco ou seis meses, e eles perceberam isso.

Nos seus mandatos, o Marítimo foi pela primeira vez às competições europeias e à final da Taça de Portugal. É possível voltar a esses bons resultados?

Este ano temos esta herança de ter um clube que, neste momento, não está a corresponder àquilo que deve ser, mas vamos conseguir dar a volta e levar o Marítimo para uma posição mais condizente com a sua história, com a sua permanência na I Divisão. Nós já estamos há 40 anos na I Divisão. Portanto, temos de subir uns degraus na tabela para ficarmos entre os seis, sete maiores de Portugal.

O futebol já não é como em 1997...

Mas eu tenho muito mais experiência. Sinto-me neste momento muito mais capaz de gerir o Marítimo do que em 1997. Agora temos de gerir os clubes como se fossem empresas. Não podemos ser amadores, ter pessoas que não sabem o que fazer. Ser profissional não é receber um ordenado.

Quando voltam aos Barreiros?

Se Deus quiser, no próximo jogo. A empresa responsável pela relva garantiu-me que o relvado estará em condições de ser usado a 28 de novembro e até ao final da época.

Uma das críticas feitas à anterior direção era a das contratações quase por atacado de jogadores brasileiros. Que faltam madeirenses à equipa...

Concordo, mas é preciso fazer uma grande transformação no futebol do Marítimo. Estou a tentar encontrar uma forma revolucionária de resolver o assunto.

O Marítimo tem equipa B. Porquê?

Ainda não percebi bem, mas vou tentar. Vou ver se vale a pena e ver se as respostas que me dão me convencem. Se não convencerem, vamos resolver esse problema. Mas na equipa B são todos estrangeiros. É fácil dizer que queremos jogadores madeirenses. Ou temos grandes talentos e não é preciso muito trabalho ou então... Já viu o espaço que temos para treinar? Não temos, andamos em campos de Machico, Ribeira Brava, espalhados pela ilha a treinar. Temos miúdos a treinarem até às nove, dez da noite. Exige um sacrifício muito grande, é preciso gostar muito de jogar futebol para fazer isso (Expresso, texto da jornalista Marta Caires e foto de Gregório Cunha) 

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