segunda-feira, novembro 15, 2021

Quotas: Militantes na Madeira arriscam decidir duelo entre Rio e Rangel



Madeira, Açores, Porto, Braga, Área Metropolitana de Lisboa e Aveiro representam mais de 65% dos "militantes social-democratas ativos" [os que pagaram pelo menos uma quota nos últimos dois anos], mas na hora do voto para a escolha do líder do partido os dois arquipélagos perdem expressão eleitoral - mais os açorianos do que os madeirenses.

A quota de quase 13% de militantes ativos nos Açores cai para pouco mais de 1% com quotas pagas e, por isso, com direito a votar. Na Madeira o tombo é menor: de quase 11,7% para quase 5%. A diferença reflete-se no ranking das distritais com maior peso eleitoral. Os madeirenses assumem a 6.ª posição, enquanto os açorianos caem para o fim da tabela, na 18.ª posição. Traduzido em números, dos 10.792 militantes do PSD/Açores só cerca de 500 podem votar; dos 9754 do PSD/Madeira quase 1700 [há uma expectativa local de que se alcance os 2000] podem "influenciar a escolha nas eleições diretas" de 27 de novembro.

Explicação? "Sempre foi assim nos Açores, desde o tempo de Mota Amaral. Ao contrário do continente, aqui o militante não é suspenso por não pagar quotas, porque não existe essa obrigatoriedade. Nos órgãos regionais do partido, um militante pode eleger ou ser eleito sem precisar de ter quotas em dia. Em tese, o líder do partido poderia ser eleito sem nunca ter pago quotas", explica fonte social-democrata.


Luís Pereira, secretário-geral do PSD/Açores, explica que, "ao contrário das distritais do continente, não existe suspensão da militância por falta de pagamento de quotas ao fim de dois anos", uma decisão da "competência" da estrutura regional, "atendendo à sua autonomia interna", sendo esse "o motivo pelo qual existe uma discrepância superior nos Açores em comparação com outras estruturas do partido no continente, entre o número de militantes ativos e o número de militantes com quota válida". "Independentemente de tal facto", sublinha Luís Pereira, "só podem votar nas eleições diretas nacionais os militantes açorianos que cumpram com as regras nacionais do PSD, nomeadamente ter a quota paga".

Mota Amaral, presidente do Governo Regional dos Açores entre 1976 e 1995, antigo conselheiro de Estado, contactado pelo DN, prefere não se alongar em declarações, sublinhando somente que "não foi feito um grande esforço para corrigir a situação ao longo dos anos, um exame, uma atualização" que colocasse o peso eleitoral dos açorianos "na medida certa".

Ilídia Quadrado, deputada social-democrata eleita pelos Açores, que se tornou "militante do partido em agosto" e que por isso não pode votar nestas eleições diretas, considera que "talvez seja preciso mais algum envolvimento junto dos militantes" que se inscreveram e que com o tempo deixaram de "participar, talvez por algum tipo de desmotivação". "É uma pena esse desfasamento, mas também não é fácil encontrar, na minha opinião, uma explicação clara. O que é claro é que o peso [eleitoral] dos Açores seria muito maior."

A desmobilização dos militantes pelo facto de o partido ter perdido todas as eleições desde 1996 [também perdeu as de 2020, mas é governo devido ao acordo de governação com CDS e PPM e aos acordos de incidência parlamentar com IL e Chega] não é valorizada por nenhuma das fontes ouvidas pelo DN, apesar de "também poder fazer parte das explicações, porque não pagar um euro por mês não explica tudo". O importante é, explica fonte parlamentar, "que o partido [a direção nacional] faça justiça às estruturas regionais que ganharam os governos dos Açores e da Madeira".

A exceção ao "sempre assim" [uma baixa participação devido ao não pagamento de quotas] nos Açores aconteceu nas eleições diretas de 2018, altura em que Rui Rio disputou a liderança do PSD com Pedro Santana Lopes [Rio ganhou com 54,15% dos votos] - votaram nesse 13 de janeiro 1100 militantes açorianos.

Na Madeira a explicação é menos linear. "É obrigatório ter as quotas em dia para eleger ou ser eleito", explica José Prada, secretário-geral do PSD/Madeira. E até o conceito de militante ativo é diferente do continente. "Aqui são três anos, em lugar dos dois do PSD nacional." Guilherme Silva, deputado social-democrata eleito pelo círculo eleitoral da Madeira entre 1987 e 2015, entende este "desfasamento" como consequência de "uma fase antiga na vida do PSD/Madeira, onde não era exigido quotas em dia para se ter direito a participar. Ficou, diria, uma tradição enraizada, um descurar ao longo do tempo. Faz falta talvez uma pedagogia que corrija esse desfasamento".

"Já tenho tempo suficiente de vida para saber que é mais fácil alargar, manter o facilitismo, que o acréscimo de dificuldades", afirma Guilherme Silva.

"Desde que a eleição passou para este modelo das diretas, é assim. Só era diferente no modelo anterior, quando os militantes elegiam delegados que os representavam no Congresso. Esta questão das quotas pagas não se colocava desta forma e, apesar de tudo [o pagamento em bloco das quotas de, nalguns casos, dezenas de militantes], sentia-se uma maior participação", afirma outro dirigente do PSD, que prefere o anonimato para "não ser mal entendido, dado que há uma campanha interna".

Só votam 25% dos militantes

José Silvano, secretário-geral do PSD, não estranha estes "desfasamentos, que são comuns, em escalas diferentes, nas várias distritais", até porque dos cerca de 160 mil militantes do partido só cerca de metade [84 mil] pagou pelo menos uma quota nos últimos dois anos. "Ao longo dos anos tem sido assim. A mobilização surge, quase sempre, nestas alturas. Mas há militantes, cerca de 18 mil, às vezes 20 mil, que todos os anos cumprem esse pagamento." Explicação? "Sempre foi assim e não é pelo valor da quota [um euro por mês], porque mesmo que alguém esteja, imagine, 10 anos sem pagar quotas, o que é exigido para regularizar a situação são 24 euros, o pagamento de dois anos."

Esse número de "militantes fiéis" percebe-se nas eleições diretas "sem adversários, como foi o caso de Marques Mendes em 2006 [20.713 votantes] e de Passos Coelho em 2012 [21.412 votantes], 2014 [19.771 votantes] e 2016 [23.422 votantes] ". O cenário só se altera perante embates maiores como o de 2008 [houve quase 45.660 votantes nas eleições disputadas entre Ferreira Leite, Passos Coelho, Santana Lopes e Patinha Antão] e o de 2010 [quase 52 mil votantes nas diretas entre Passos, Rangel, Aguiar-Branco e Castanheira Barros], que foi, de resto, "o que mais militantes em número absoluto teve".

Quotas. Militantes na Madeira arriscam decidir duelo entre Rio e Rangel 

Um antigo líder de uma distrital social-democrata, que solicitou o anonimato "porque estamos em eleições e qualquer análise é logo entendida como apoio a um ou a outro", não está "surpreendido com as diferenças enormes" entre militantes [cerca de 160 mil], militantes ativos [quase 84 mil] e os "quase 40 mil com quotas pagas que podem votar" dia 27 de novembro.

"Um processo burocratizado de pagamento com SMS e códigos e app, como se toda a gente soubesse mexer nisso, leva ao cansaço, à desistência. Já é normal a abstenção, o PSD não é diferente do país em eleições, mas assim complica-se mais. E depois, não se esqueça que há quem, apesar de ter pago as quotas, decide não votar no dia das diretas por qualquer razão. Veja o caso dos Açores: acha que alguém que não pagou quotas durante estes anos vá agora pagar 24 euros para votar?", questiona.

António Costa Pinto, investigador no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa e professor de Política e História Europeia Contemporânea no ISCTE-IL, identifica vários fatores que explicam este "desfasamento", mas o mais relevante é "a diminuição significativa da militância política ativa, e isso tanto acontece no PSD como no PS. A militância partidária [os militantes que os partidos dizem ter] está sobrevalorizada quando confrontada com a militância ativa, aqueles que de facto participam nas iniciativas e estruturas do partido, que basicamente são os eleitos nas juntas de freguesia, os das concelhias e distritais, um número reduzido, talvez dois mil. Aquele tempo do militante que vinha para a rua colar cartazes acabou há muito, exceção feita, nos tempos de hoje, ao BE e PCP".

Para o politólogo, o que existe hoje nos maiores partidos é completamente diferente. "Estamos a falar de pessoas que são mais simpatizantes do que propriamente militantes, mesmo que estejam inscritos no partido, são militantes adormecidos. Nos Açores e na Madeira acresce a questão da autonomia: ao militante e simpatizante interessa-lhe mais a eleição do que lhe é próximo, o líder do partido regional ou do governo regional, do que o líder nacional do partido, que pouco ou nada interfere na sua vida quotidiana".

No sábado, dia 27 de novembro, mais de metade dos militantes social-democratas com quotas pagas, e que são decisivos na escolha do líder, está nos distritos do Porto, Braga, Aveiro e Área Metropolitana de Lisboa. "É aqui que tudo se decide, mas se houver um taco a taco até ao fim, pode acontecer que, de repente, distritais mais pequenas sejam as que decidam quem vence", diz um dirigente nacional. Dito de outra forma: "Rangel parece ter quase todo o aparelho do partido com ele, mas o voto anónimo, livre, do militante sem interesses, pode decidir quem será o candidato do PSD a primeiro-ministro."

E nem sequer a "dança das distritais, os apoios anunciados, podem ser dados como adquiridos. Uma coisa é a estrutura dizer, outra coisa é o que o militante na mesa de voto vai decidir. Todos em Aveiro vão votar em Rio? E em Coimbra, vão todos votar em Rangel?", questiona.

O caso Madeira

"Provavelmente esta semana" [ainda não está anunciada uma data certa], Rui Rio irá à Madeira, onde não esteve nas autárquicas, para "contactos com militantes". A deslocação anunciada como o cumprir de uma visita que ficou por fazer - "um dever de reparação dessa falta", diz fonte local - não é encarada somente dessa forma por quem no terreno avalia a disputa entre Rio e Rangel.

"Há uma preocupação de neutralização de Paulo Rangel que tem como mandatário Rui Abreu [ex-secretário-geral do PSD/Madeira], o homem que conseguiu a filiação de muita gente e trabalhou a vitória de Miguel Albuquerque para o governo regional e a de Miguel Pinto Luz na Madeira, nas eleições diretas de 2020, cujos votos acabaram invalidados por não ter sido cumprido o regulamento das quotas. E portanto tem ainda, digamos assim, uma rede extensa de apoiantes. Perfil diferente tem Pedro Coelho, o mandatário de Rio, que é presidente de Câmara de Lobos", diz fonte social-democrata. "A visita", reafirma, "não é apenas cumprir o calendário. Há essa preocupação com Rangel". A Madeira "vale mais votos que Viseu, ou Faro, ou Setúbal, ou Santarém, ou Guarda, ou Bragança, ou Viana do Castelo, ou Évora, por exemplo, que vale para aí 500 ou 600 votos".

"E depois há o Alberto João [que apoia Rui Rio], que ainda tem peso e influência eleitoral, tem obra feita, que ainda consegue convencer os indecisos que ouvem o que ele diz. E mais ainda quando lhes telefona. E se se chegar aos 2000, 2500 militantes com quotas pagas, a Madeira pode ser muito importante na decisão nacional. Se a coisa estiver muito apertada, pode muito bem acontecer que a Madeira possa decidir quem vai ganhar", afirma a mesma fonte.

"A questão decisiva está no modo como os militantes olham para estas eleições, quem valorizam para ser primeiro-ministro, quem tem mais aceitação no país, não apenas no PSD, para ser governo. A escolha está aí. E na esperança criada pelas autárquicas, pela onda criada nas autárquicas", conclui.

Outra fonte local sublinha o cuidado de não ter sido dado, pelas estruturas regionais do partido, "apoio público" a nenhum dos candidatos. "Não tinha sentido declarar apoio a um e depois comprometer a região se fosse outro a vencer." E Alberto João Jardim? "É um ativo, mas não pode andar sempre a aparecer por causa dos fantasmas do passado. Fala muito bem para fora, mas foi radical no Conselho Nacional [pediu adiamento das diretas e Congresso para depois das legislativas] e viu o que se passou, não viu?" (DN-Lisboa, texto do jornalista Artur Cassiano)

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