sábado, novembro 13, 2021

Impostos: Portugal, um peixe amedrontado pelos grandes tubarões europeus (onde se fala da Madeira)

Desde a criação do Código de Conduta, Portugal perdeu os serviços financeiros na Madeira e pouco mais, Portugal praticamente não aparece referenciado nos documentos internos produzidos ao longo dos anos pelo Grupo do Código de Conduta. E a ausência de informação não é surpreendente. Oriunda de um país pequeno, aspirante a boa aluna, a representação portuguesa tem sido discreta, quando não silenciosa, e maioritariamente conformada com a supremacia dos grandes tubarões. Tendo uma tradição mais alinhada com a harmonização das regras fiscais do que propriamente com a concorrência mais agressiva, também não esteve muitas vezes na berlinda. No espaço de duas décadas, só tivemos de recuar em dois regimes: os benefícios fiscais aos serviços financeiros na Zona Franca da Madeira e o chamado patent-box.

O Grupo do Código de Conduta foi criado no final da década de 1990 como um braço europeu para coordenar uma estratégia contra a concorrência prejudicial na área fiscal. Contudo, nasceu logo com algumas entorses. Desde logo, não tem força vinculativa — o que não quer dizer que não tenha poder. Depois, só se debruça sobre a tributação das empresas, deixando de fora impostos como o IRS ou o IVA, onde também há concorrência fiscal prejudicial. Depois ainda, dentro da tributação das empresas, só admite como prejudiciais as medidas que sejam concorrenciais dentro do próprio Estado-membro (deixando de fora concorrência desleal entre Estados).

Ao longo dos anos, Portugal foi chamado a justificar mais de uma dezena de regras tributárias consideradas potencialmente prejudicais, como os incentivos fiscais ao investimento contratual, o crédito fiscal ao investimento, o reinvestimento das mais-valias ou os serviços intragrupo das SGPS, mas só dois tiveram de ser revistos. Um mais a contragosto, outro por deslize na sua implementação.

Posição portuguesa tem sido de não levantar ondas. Não chateou os regimes mais polémicos e não foi muito chateado

Os incentivos fiscais às atividades financeiras na Zona Franca da Madeira só expiraram em 2011, mas a sua extinção teve origem no Código de Conduta, no final da década de 1990. Na altura, o grupo era liderado por Dawn Primarolo, secretária de Estado do Tesouro inglês, que tendo sob a coroa britânica alguns dos maiores centros financeiros europeus classificou o regime português de “prejudicial”.

Na altura, a delegação portuguesa contestou a decisão e fez notar a forma pouco clara como o processo foi conduzido: “Nenhum Estado-membro exprimiu opinião sobre o conceito de proporcionalidade relativamente à medida, nem sobre a avaliação da medida face à condição ultraperiférica da Madeira, nem sobre o conteúdo do relatório apresentado por Portugal sobre esta matéria, não sendo por isso possível partir do princípio que este silêncio geral sobre o assunto possa significar, em qualquer circunstância, que a medida foi devidamente avaliada no âmbito do Código”, pode ler-se nos “Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal”, publicados em 2000 sobre este assunto. Nos fóruns sobre fiscalidade, este caso é, ainda hoje, apresentado como exemplo do pendor político e pouco transparente deste grupo.

O segundo regime em que Portugal se viu forçado a recuar foi o dos benefícios fiscais aos rendimentos da exploração de ativos de propriedade industrial. A chamada patent-box começou a popularizar-se na Europa no início do século, mas, em 2014, quando Portugal resolveu importá-la para o sistema fiscal nacional, já estava debaixo de olho das autoridades europeias e da OCDE, por poderem resultar em formas de aproveitamento abusivas. Na altura, por desconhecimento ou desleixo, o Governo importou um modelo considerado prejudicial, e, dois anos depois, ele teria de ser alterado por pressão do Código de Conduta e da OCDE.

De resto, a passagem portuguesa pelo Código de Conduta tem sido relativamente branda e pacífica.

O QUE NASCE TORTO NÃO SE ENDIREITA?

Ao longo dos anos, o grupo conheceu várias fases. No momento de arranque contava com a presença de ministros das Finanças, tempos depois passou a ser representado pelos secretários de Estado dos Assuntos Fiscais para, numa fase posterior, ficar entregue aos técnicos de cada país.

Nos últimos anos, quer a crise financeira, quer os escândalos fiscais, como o LuxLeaks, os Panama Papers, os Malta Files e, mais recentemente, os Pandora Papers, deram-lhe novos fôlegos. Mas há problemas de origem que continuam por resolver.

Um deles é o facto de apenas se cingir à tributação das empresas. Portugal está entre os países que, logo na génese, defendeu o seu alargamento ao IVA, mas sem sucesso. Mais recentemente, a Alemanha tem insistido na sua extensão ao IRS, nomeadamente para passar a abarcar regimes polémicos como o dos residentes não habituais (que Portugal também tem), mas tem igualmente esbarrado no argumento da falta de mandato.

Outra limitação no seu âmbito de atuação está no facto de só se poder classificar um regime como seletivo se houver concorrência desleal de regimes dentro do próprio país. Foi esta regra que permitiu que, ao longo de mais de duas décadas, a taxa reduzida de 12,5% na Irlanda nunca tenha sido beliscada. A taxa é baixa para a média da União Europeia, mas ela só pode ser considerada prejudicial se for baixa face a outros sectores internos, dentro do próprio país.

A forte politização e a falta de transparência são outras críticas que vêm sendo apontadas ao grupo e que também constam das propostas do Parlamento Europeu para a revisão deste órgão. Segundo os deputados europeus, as decisões do grupo devem ser vinculativas e as definições do que são práticas fiscais prejudiciais devem ser revistas e adaptadas às novas realidades (Expresso, texto da jornalista ELISABETE MIRANDA)

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