sábado, novembro 13, 2021

Impostos: Os 24 anos de um Código de (má) Conduta



O Grupo do Código de Conduta era largamente desconhecido do público até 2014, quando os LuxLeaks revelaram os acordos fiscais vantajosos do Luxemburgo com 343 empresas. “Estou farto, farto! 48 horas após a divulgação dos Pandora Papers, o Conselho [Europeu] deixa claro que não pretende alterar nada e apresenta uma lista de paraísos fiscais da qual as Ilhas Virgens não fazem parte. A existência de uma taxa [fiscal] zero é uma vergonha e o que está a acontecer com o Luxemburgo mostra até onde a Europa não quer ir. O Conselho está a fazer de todos nós tolos.” O presidente da Subcomissão dos Assuntos Fiscais do Parlamento Europeu (PE), o holandês Paul Tang, resumiu em apenas um minuto a ira e a impotência do PE face ao escândalo financeiro revelado por mais uma fuga de informação de milhares de documentos.

Tang foi enérgico e dinâmico no plenário do Parlamento, defendendo a necessidade de reformar o Grupo do Código de Conduta, proposta de resolução que foi posteriormente aprovada por larga maioria. O eurodeputado holandês afirmou que as alterações neste grupo fazem “parte da solução” para a resposta insatisfatória da União Europeia face às práticas fiscais que fazem com que os governos europeus percam anualmente entre €160 e €190 mil milhões, uma estimativa conservadora dos impostos que as empresas — sem contar com contribuintes com grandes propriedades — não pagam graças a um planeamento fiscal agressivo.

O “InfoLibre” teve acesso a 2700 documentos do Grupo do Código de Conduta, obtidos pela revista alemã “Der Spiegel” e partilhados com o consórcio EIC — European Investigative Collaborations (de que o Expresso faz parte) e com o jornal sueco “Dagens Nyater”. Após muitos anos de uma disputa legal com a União Europeia, Martjin Nouwen, professor de Direito Fiscal na Universidade de Leiden (Holanda), conseguiu desde atas de reuniões e reportes até e-mails do Grupo do Código de Conduta, um acervo de informação que foi ocultada desde a sua criação, com o grupo a escudar-se na confidencialidade das discussões entre os Estados-membros.

Em 1997, a UE criou o grupo do código de conduta para travar a concorrência fiscal desleal. O EIC teve agora acesso a 2700 documentos deste organismo

Agora, estes documentos revelam as falhas mais notórias do Código de Conduta nos seus 24 anos de existência. Fracassos decorrentes de questões políticas e da própria dinâmica do grupo que dificultaram a sua luta contra a concorrência fiscal desleal. Não devemos esquecer que, tal como a própria Comissão salienta nos documentos publicados pelo EIC, a aplicação das decisões adotadas pelo Código de Conduta depende exclusivamente da “boa vontade” dos Estados-membros.

Na verdade, os governos têm jogado ao gato e ao rato com o grupo. Quando o Código de Conduta decide encerrar o regime fiscal de um país que concedeu vantagens excessivas a empresas, o mesmo ou outro governo cria um novo regime semelhante que permite que os mesmos benefícios fiscais ou similares continuem. Além disso, em alguns casos, mesmo se um governo desobedecesse e não desmantelasse o regime fiscal prejudicial, o grupo não o denunciava publicamente nem ao próprio Conselho Europeu.

O Código de Conduta avaliou um total de 480 regimes fiscais desde 1997, dos quais apenas 130 foram considerados prejudiciais, segundo dados que a atual presidente do grupo, a búlgara Lyudmila Petkova, forneceu à Subcomissão dos Assuntos Fiscais do PE em abril passado. Corresponde a menos de um terço dos casos analisados.

O Grupo do Código de Conduta era largamente desconhecido do público até 2014, quando os LuxLeaks, que revelaram os acordos fiscais vantajosos que o Luxemburgo concedeu a 343 multinacionais, foram publicados. Mas o grupo já estava em funcionamento há 17 anos e ainda é suposto ser o principal instrumento da UE para evitar a concorrência fiscal desleal entre Estados-membros. Mas apenas avalia os impostos sobre as sociedades e não os impostos sobre o rendimento pessoal.

O CASO DE GIBRALTAR

O grupo debateu durante anos, a pedido de Espanha, se as vantagens fiscais oferecidas por Gibraltar a espanhóis abastados através de sociedades gestoras de participações sociais constituíam um ataque à concorrência fiscal leal na UE. Em 2013, a Espanha denunciou ao Grupo do Código de Conduta a existência, em Gibraltar, de cerca de 10.232 destas sociedades, que não exercem qualquer tipo de atividade, apenas detêm, em seu nome, ativos em Espanha, de mansões a iates. O governo espanhol alegou que eram utilizadas como empresas fantasma para evitar o pagamento de impostos em território nacional. O Reino Unido alegou que se tratava de uma questão de tributação pessoal e não de tributação empresarial, que é a única que pode ser avaliada pelo grupo. E que, de qualquer modo, estas empresas não pagaram impostos em Gibraltar porque, como não tinham qualquer atividade, também não tinham lucros.

Em março passado, entrou em vigor um acordo sobre a tributação assinado dois anos antes pela Espanha e pelo Reino Unido. Em troca de Espanha retirar Gibraltar da sua lista nacional de paraísos fiscais, Londres redefine que empresas são consideradas residentes fiscais no território. Mas a alteração só veio com o ‘Brexit’ e sete anos depois de o Código de Conduta começar a analisar as empresas onde os espanhóis ricos — e não só — esconderam grande parte da sua riqueza para evitar pagar impostos à administração fiscal. De acordo com os números que o governo espanhol depois forneceu ao grupo para apoiar as suas reivindicações, em março de 2013, a Administração Fiscal contara 3099 propriedades em nome de 1146 empresas de Gibraltar com um valor superior a €400 milhões. Muitas apareceram também nas inúmeras investigações policiais que revelaram a corrupção urbana na Costa del Sol.

Gibraltar aparece também como um bom exemplo de como os Estados-membros desrespeitaram os compromissos políticos feitos no Código de Conduta. Gibraltar aboliu a vantagem perniciosa da sua lei fiscal sobre as sociedades, mas começou a assinar tax rulings, acordos fiscais igualmente vantajosos para o sector privado, com certas empresas, que também eram secretos. Ou seja, substituiu uma lei por um ato administrativo que passava debaixo do radar. Espanha apresentou uma denúncia à Comissão Europeia, que, em outubro de 2013, abriu um procedimento de apoio estatal ilegal para 165 decisões fiscais concedidas entre 2011 e 2013. E o Reino Unido decidiu correr o risco e anular as isenções por royalties, apesar de o grupo não as ter considerado problemáticas.

Ao contrário do Código de Conduta, a Comissão Europeia pode tomar decisões vinculativas, neste caso sanções, contra um Estado-membro. Mas as decisões fiscais finalmente analisadas foram apenas 45, a maioria das quais envolvendo empresas dos Países Baixos. E a Comissão não tomou uma decisão final até dezembro de 2018: apenas cinco decisões fiscais foram invalidadas e foi exigido o reembolso das isenções consideradas apoios estatais. Um total de €100 milhões, dos quais o Reino Unido recuperou apenas €20 milhões. Para obter o resto, Bruxelas teve de acusar o governo de Boris Johnson em abril passado. Há poucos dias, a 6 de outubro, Londres anunciou que tinha recuperado os restantes €80 milhões. Oito anos de espera.

Os tax rulings saltaram para as parangonas em 2014 graças aos LuxLeaks. A pressão da opinião pública começava a pisar os calcanhares do Código de Conduta. Sem consequências. “Desde 2011, nenhum país informou sobre um único acordo fiscal pernicioso”, assegura Martjin Nouwen. “Nem sequer depois do LuxLeaks" (Expresso, BEGOÑA P. RAMÍREZ (“INFOLIBRE”) / EIC — EUROPEAN INVESTIGATIVE COLLABORATIONS)

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