sábado, dezembro 21, 2019

NOTA: a RTP e a desnecessária pressa do PSD em dar nas vistas

Tenho a estranha sensação de que o PSD deveria ter-se mantido atendo mas calado durante mais algum tempo, para ver até onde evoluía a polémica surgida na RTP com contornos que, confesso, continuam em meu entender ainda pouco claros.
Basicamente estamos a falar de um programa de grande reportagem (Sexta às 9) - habitualmente caracterizado pela denúncia de alguma coisa, fruto de investigações jornalísticas, algo especulativo, reconheço, e que em época eleitoral causa naturalmente alguns incómodos, apesar de pessoalmente não acreditar que qualquer polémica em torno da exploração do lítio pudesse causar mossas eleitorais ao PS - que terá sido suspenso em plena campanha eleitoral, em Setembro de 2019, por decisão da própria Directora de Informação, embora esta o tenha negado, imputando antes as causas da decisão a problemas internos na equipa que elabora o "Sexta às 9".
O segundo caso, caso surgiu depois com uma reportagem a denunciar ilegalidades no ISCEM - Instituto onde a demissionária DI da RTP deu ou daria aulas - e que terá, directa ou indirectamente alertado a instituição para esse facto.

O que é estranho é que um ex-secretário de estado do sector, Arons de Carvalho do PS, tivesse afirmado num jornal que um programa com alegada "má qualidade e falta de rigor jornalístico" - referia-se ao "Sexta às 9" de Felgueiras - não deveria existir no canal público, posição que foi adoptada, em certa medida, pelo Conselho Geral Independente - uma estrutura criada quando o governo do Passos e de Portas quando tentaram enganar as pessoas, adoptando um modelo de alegada "isenção" da empresa pública de televisão, depois de terem andado a discutir a privatização de um canal, ou até mesmo de toda a empresa pública de televisão - que considero deveria ter-se mantido mais discreto, pelo menos até que ficasse na posse de todos os dados necessários a emissão de um juízo ou a uma descarada tentativa de condicionar decisões e opções futuras.
A conjugação destes dois casos mobilizou jornalistas, gerou polémicas públicas, dividiu jornalistas, envolveu outros meios de comunicação social, gerou instabilidade na RTP - penso que nunca mais vai existir estabilidade profissional na Informação da RTP, trouxe o caso para a praça pública, com muita distorção e manipulação, provocou audições parlamentares em São Bento, continua a não ver esclarecido cabalmente o que se passou, envolveu partidos e políticos, a esquerda aproveitou para introduzir no debate uma mudança da política pública para o canal público da RTP, etc.
E o PSD - que deduzo ter sido o proponente (?) do actual modelo de gestão da RTP, alegadamente com a intenção de a blindar contra a interferência do Estado na empresa - surge célere a suscitar um debate na Assembleia da República, do qual nada de concreto resultou, e em que a primeira exigência (ou recomendação?), foi a de saber se o Estado ia ou não intervir na empresa, fazendo exactamente o oposto daquilo que o PSD de Passos aprovou quando fez passar facilmente na Assembleia da República este modelo de gestão da empresa, algo pomposo mas entendível pela conjuntura e pelas diferentes perspectivas então existentes entre PSD e CDS sobre esta matéria.
A situação da RTP faz-me lembrar a da TAP: uma empresa de um sector estratégico importante, que apresenta agora capitais maioritariamente públicos (TAP) mas que continua entregue a uma gestão privada minoritária - depois da recompra pelo Estado de mais de 50% do capital social que o governo anterior tinha privatizado - que ciclicamente se vê envolvida em polémicas, que presta de quando em vez um péssimo serviço aos utentes - aliás a questão dos prémios atribuídos pela TAP a alguns trabalhadores também foi matéria ligada aos "casos" que abalaram a RTP... - mas em relação à qual o Estado se mantém distante, apesar de maioritário, recusando envolver-se em polémicas, não interferindo na gestão.
No caso da RTP - e sabemos haver quem considere não fazer sentido um serviço público de televisão nas democracias do século XXI, algo que eu não subscrevo de uma forma tão radicalmente fundamentalista e entusiasta - o estado detém os 100% do capital da empresa mas o processo de nomeação da Administração não envolve o governo, apesar de, depois, caber ao Ministério das Finanças pronunciar-se e aprovar aquilo que é essencial na empresa, o seu orçamento e o plano de actividades. E mais do que isso, é o Ministério das Finanças que dá luz verde, sim ou não, ao gestor responsável pela área financeira da RTP (aliás isso aconteceu já com Centeno porque um primeiro indigitado para o actual CA foi vetado e substituído). Ou seja, estamos perante uma patética forma de estar e de mandar, mesmo, sem estar e sem aparentemente mandar!
A demissão da DI - voltando ao tema - resultou em meu entender da conjugação de várias situações que começaram logo com a polémica indigitação da DI e com o facto de Flor Pedro ter recorrido ao exterior para escolher duas pessoas para a sua equipa - Helena Garrido e Cândida Pinto, esta particularmente visada pelos jornalistas da RTP nesta polémica recente. A verdade é que desde então a instabilidade existiu sempre e nunca conseguiram superar essas divergências internas, na informação, que acabaram por influenciar a situação agora criada e que culminou com a demissão da DI que muitos garantem não estar isenta de responsabilidades neste caso e de eventualmente ter tido comportamentos contrários ao que seria recomendável, apesar dela o desmentir. Julgo que a demissão resulta da fragilização da sua imagem e do esvaziamento do cargo, retirando-lhe condições concertas para exercer o mandato e estabilizar a empresa.
O pior é que me parece que a solução encontrada - internamente - parece revelar alguma dificuldade do CA em contratar alguém com uma imagem pública, em termos profissionais, ao nível de Flor Pedroso, e não é nada recomendável que na televisão pública, sujeita à pressão das audiências, de misture programação com informação, quando se tratam de áreas diferentes mesmo que num contexto mais global da programação diária do canal público, elas se interliguem. O problema é que depois da sua iniciativa demasiado célere (debate que espremido não deu um pingo de sumo útil), o PSD ficou agora sem espaço de manobra política, salvo eventualmente a possibilidade de suscitar uma iniciativa que, em meu entender, será a de chamar o Presidente do CA da RTP para, em comissão parlamentar, explicar o que se passou e os motivos da opção tomada.
Também fiquei sem saber ao certo, se alguma entidade ligada ao sector, mas suficientemente isenta, vai investigar tudo o que se passou para que a opinião pública fique a saber afinal o que se passou e esta alegada promiscuidade seja desvendada, doa a quem doer e custe o que custar. Tudo isto em nome da preservação dos valores deontológicos a que todos os jornalistas estão sujeitos mas de forma acrescida os jornalistas que exercem funções de maior responsabilidade no âmbito das suas empresas. (LFM)

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