sábado, dezembro 21, 2019

Nota: e agora Escócia (e Irlanda do Norte), o que se segue depois de Boris e do Brexit?

Acompanhei diariamente a campanha eleitoral no Reino Unido, graças ao que a comunicação social e as redes sociais me propiciavam. A primeira constatação é a de que a vitória dos conservadores de Boris nunca esteve em causa. O que estava em causa era, quanto muito, saber apenas se ele teria a maioria absoluta que reclamava e qual a dimensão dessa maioria absoluta. Os ingleses fartaram-se dos políticos, do Brexit, dos avanços e recuos quando em referendo fizeram as suas escolhas e decidiram.
Quanto ao líder trabalhista, o socialista radical Jeremy Corby, ele foi um desastre desde o primeiro dia e sobretudo quando se tratava de abordar a complicada (para ele) temática do Brexit e saber quais eram as suas ideias e propostas sobre este tema, sobre os procedimentos a adoptar. Corby nunca percebeu que os ingleses não queriam um segundo referendo porque detestam que a sua opinião, expressa no primeiro referendo, fosse desrespeitada. Ele preferiu andar às curvas, travando muito, numa estrada que era recta demais. E pior do que isso, Corby não conseguiu sequer captar o apoio de todo o eleitorado trabalhista, nunca teve uma ideia concreta sobre o futuro, repito, nunca emitiu opinião consistente, coerente e estabilizada sobre o Brexit nem como o concretizar ou não. Limitou-se a ir a reboque da agenda mediática, dos temas suscitados pelos meios de comunicação social e a querer afrontar Boris num tête-a-tête da qual seria o perdedor, mesmo antes de iniciado o combate.

Corby cometeu um outro erro, em minha opinião o maior de todos, o de ter acreditado que a manipulação na comunicação social feita pelos grupos de pressão ligados aos apologistas do "não" e adeptos assumidos da continuidade do Reino Unido na Europa, reflectia religiosamente o pensar da maioria esmagadora dos britânicos. O que se passou - salvo as esperadas excepções da Escócia e da Irlanda do Norte, aqui mais timidamente - foi que os resultados eleitorais mostraram exactamente o oposto, que a maioria dos britânicos quer acabar de uma vez por todas com o Brexit e que recusa desvios relativamente à linha de rumo aberta pelo referendo.
A minha dúvida
O meu problema, que persiste desde antes do referendo - independentemente das distorções feitas ao processo político que antecedeu a consulta - tem a ver com a convicção, cada vez mais reforçada, de que tanto Bruxelas, como Londres escondem a verdade, ou seja, escondem deliberadamente do real impacto, em todas as suas frentes e  dimensão, dos efeitos do Brexit, quer na economia, quer na sociedade inglesa, mas quer também na vida dos europeus e nos custos financeiros que resultarão de um epílogo conflituoso deste processo. Quais as consequências para o orçamento comunitário, já tão gerador de polémicas e divergências entre estados-membros, de um Brexit com ou sem acordo, porque mesmo com acordo haverá custos económicos, sociais e financeiros elevados. Repito e insisto, mesmo com acordo - esta semana aprovado em Londres - ninguém sabe, porque escondem a verdade dos números, quais os custos deste brexit britânico.
O que é que resultou disto tudo?
Em 326 lugares necessários para ganhar com maioria absoluta Boris teve 365 (mais 66 que em 2017), contra 203 dos trabalhistas (menos 42 que em 2017), 48 do Partido Nacionalista Escocês (mais 13 que em 2017), 11 dos liberais democratas (menos 10 deputados), 1 dos verdes (não tinham nenhum) e 22 lugares de outros pequenos partidos (menos 27 que anteriormente). Foi uma vitória eleitoral esmagadora, o que na gíria podemos classificar de "porradão"
Por exemplo em Londres, onde se previa que a recusa do Brexit fosse mais acentuada e portanto o voto útil nos trabalhistas funcionasse mais fortemente, a verdade é que os resultados finais mostram que os conservadores obtiveram  39,9% que os democratas liberais foram 2º com 30,7% e que os trabalhistas não foram alem do 3º lugar com 27,2% dos votos. E com 67,1% de votantes (67,3% a nível nacional)
Basicamente os trabalhistas sofrerem a maior derrota eleitoral desde 1935 e até perderam áreas de influência eleitoral tradicional e nas quais nunca tinham sido derrotados desde os anos 20!
E agora? Agora, depois da formalização do Brexit até 31 de Janeiro de 2020, como prometeu Boris, teremos o "caso" da Escócia e da Irlanda do Norte, mais da Escócia, que insiste em referendar a independência para continuar de forma acentuada no espaço europeu e comunitário. Acho que embora podendo não termos uma repetição do que se passa na Catalunha, teremos certamente problemas políticos entre Edimburgo e Londres - embora os partidos escoceses estejam muito longe de um consenso sobre essa matéria que foi logo colocada na agenda na noite eleitoral - que Bruxelas poderá aproveitar para se "vingar" do Brexit que, gostem ou não de ouvir, e mesmo considerando que os ingleses já estavam fora da moeda única e do Espaço Schengen, enfraquece a Europa.
Lembremos algumas curiosidades eleitorais que ajudam as pessoas a perceber o que quero referir quando destaco a problemática da Escócia e da Irlanda do Norte:
Escócia
Referendo 2016 - 62% sim e 38% não continuar na UE
Eleições 2019 - SNP com 45%, Conservadores, 25,1% e Trabalhistas, 18,6%
Irlanda do Norte
Referendo 2016 - 55,8% sim e 44,2% não
Eleições 2019 - DUP com 44,4% e Sin Fein com 22,8%, Conservadores, 0,7% e Trabalhistas e Sociais-Democratas, 14,9%
País de Gales
Referendo 2016 - 47,5% sim e 52,5% não
Eleições 2017 - 
Eleições 2019 - Trabalhistas, 40,9% e Conservadores, 36,1%
Inglaterra
Referendo 2016 - 46,6% sim e 53,4% não continuar na UE
Eleições 2019 - Trabalhistas, 32,1% e Conservadores, 43,6%

A dúvida é saber o que vai acontecer à Escócia na sua luta pela independência e qual o papel da Irlanda do Norte e da Escócia perante a União Europeia e a Inglaterra, já que ali o Sim à integração europeia ganhou no referendo de 2016 e os partidos regionalistas foram os mais votados em Dezembro de 2019, esmagadoramente, derrotando os chamados partidos tradicionais (LFM)

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