sexta-feira, outubro 04, 2019

Opinião: Ajuda aos venezuelanos no Norte do Brasil

O segundo maior movimento migratório em curso no mundo está a acontecer na América do Sul, e não tem precedentes no continente. Devido à crise na Venezuela cerca de quatro milhões de pessoas deixaram o país desde 2016. Este número só é menor do que o gerado pelo conflito sírio, e a expectativa é de que, até ao final do ano, os migrantes venezuelanos ultrapassem os cinco milhões.
Com um êxodo desta magnitude, é inevitável que a crise afete vários países da região — o Brasil não é exceção. A estimativa é de que aproximadamente 200 mil venezuelanos já tenham cruzado a fronteira rumo ao Brasil, e Roraima é o estado onde se concentra o maior número destes migrantes. Dados oficiais indicam que, da população de 350 mil habitantes da capital estadual, Boa Vista, pelo menos 40 mil sejam da Venezuela.

As atividades de saúde que a Médicos Sem Fronteiras oferece em Roraima estão em linha com o que a organização faz em todo o mundo no contexto dos movimentos migratórios. A Médicos Sem Fronteiras tem operações de buscas e salvamento no Mediterrâneo, onde milhares de pessoas arriscam a vida diariamente lançando-se ao mar em botes na esperança de uma vida melhor na Europa; presta assistência a migrantes centro-americanos que enfrentam violência, tentando chegar aos Estados Unidos; está nos campos de refugiados em diversos países do Médio Oriente onde se abrigam sírios que deixaram o país devido à guerra; está junto também dos cerca de um milhão de membros da etnia rohingya que vivem no maior campo de refugiados do mundo, no Bangladesh. O mesmo acontece em muitos outros lugares.
No final do ano passado, a Médicos Sem Fronteiras iniciou um projeto na capital de Roraima para colaborar na assistência à população, com ações de promoção de saúde, consultas médicas, consultas de saúde mental e fornecendo provisões a unidades de saúde locais. O reforço da estrutura em Roraima foi motivado pela chegada de venezuelanos, mas tem prestado auxílio também nos cuidados à população brasileira desta região, a menos desenvolvida do país e que sofre com um sistema de saúde sobrecarregado.
Apenas uma pequena parte dos migrantes obtém vaga num dos 13 abrigos existentes em Roraima. Nestes locais, apesar das dificuldades, as condições são razoáveis. Mas essas instalações têm capacidade total para pouco mais de seis mil pessoas. Isto significa que são dezenas de milhares que estão fora dos abrigos, em habitações precárias ou a viver nas ruas.
É grande o desafio para que estas pessoas possam ter acesso adequado a cuidados de saúde. A maioria dos migrantes tem a esperança de conseguir estabelecer-se noutras regiões do Brasil, com mais oportunidades. Muitos acabam por sair de Roraima integrando o programa oficial de interiorização.
Os migrantes indígenas enfrentam porém uma realidade mais dura porque não podem solicitar aquela integração. Vivem em condições sanitárias precárias e sofrem com situações de alojamento piores, além de viverem sem perspetivas de futuro, o que pode ter um impacto nocivo direto na saúde física e mental.

Todos os dias cerca de 600 venezuelanos continuam a cruzar a fronteira com o Brasil, chegando a Roraima — este é um indicador claro de que a crise e as necessidades humanitárias desta população persistem. As equipas da Médicos Sem Fronteiras continuam, por isso, a trabalhar com o objetivo de atenderem estas pessoas e de aliviarem a sobrecarga do sistema de saúde local (texto de Vitória Ramos - Assuntos Humanitários — Médicos Sem Fronteiras Brasil, Expresso, com a devida vénia)

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