A imagem do Terreiro do Paço submerso no final do
século não é nova, mas foi esta semana confirmada pelo mais recente relatório
do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC) dedicado aos
oceanos e à criosfera (partes congeladas da Terra). O documento, divulgado esta
quarta-feira no Mónaco, iça a bandeira vermelha para o planeta azul e alerta
para a “urgência” de ações “ambiciosas e coordenadas” para reduzir
drasticamente as emissões de gases de efeito de estufa já a partir de 2020. Só
assim, dizem os cientistas, se podem enfrentar as mudanças “sem precedentes”,
algumas das quais já se fazem sentir de forma “irreversível”.
No que toca a Portugal, o relatório não entra em
pormenores, mas o investigador Carlos Antunes não tem dúvidas de que o
documento do painel científico da ONU (que resulta da compilação de mais de
7000 estudos produzidos por mais de 100 cientistas) confirma as projeções que a
sua equipa da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa traçou para o
território português na “Cartografia de risco costeiro associado à subida do
nível do mar como consequência das alterações climáticas”.
146 mil portugueses afetados
“As nossas
projeções foram feitas tendo em conta os cenários mais drásticos de emissões e
temperaturas, cruzados com modelos semiempíricos, e têm por base uma subida do
nível médio do mar em cerca de um metro até final do século”, diz Carlos
Antunes. Através dos modelos aplicados a nível local, o investigador constata
que “pelo menos cerca de 146 mil pessoas que vivem na faixa de risco costeira
de Portugal continental podem ser afetadas já em 2050, e este número pode subir
para 225 mil até 2100”. E isto tendo por base a população residente e o
cruzamento de uma série de variáveis, que incluem marés vivas equinociais e
eventos extremos, como ciclones e furacões, que tendem a ser mais frequentes e
violentos, alimentados por oceanos cada vez mais quentes, como reforça o
relatório do painel científico da ONU.
Atualmente, a subida do nível médio do mar no
planeta situa-se em cerca de 3,6 milímetros por ano, o que equivale a uma
duplicação da velocidade destes aumentos no último século. Fazendo novamente
zoom ao caso português, Carlos Antunes explica que “o marégrafo de Cascais
aponta para subidas do nível do mar de 3,5 a 4 milímetros, o que sugere uma
duplicação da taxa de subida a cada 15 anos”.
A subida do nível médio do mar no Planeta é de 3,6
milímetros por ano. Duplicou de velocidade no último século
Olhando para o globo, os cientistas estimam que as
intempéries e inundações, agravadas pelo aquecimento dos oceanos e pela subida
do nível médio do mar, podem afetar mais de mil milhões de pessoas, que se
estima estarem a viver nas zonas costeiras baixas em 2050. Atualmente, cerca de
680 milhões habitam nessas zonas, 65 milhões vivem em pequenas ilhas, 4 milhões
estão na região do Ártico e 670 milhões em zonas montanhosas.
Uns dependem diretamente dos oceanos e correm o
risco de ficar submersos e de deixar de contar com os recursos dos mares, cada
vez mais acidificados e menos produtivos. Outros enfrentam riscos de
avalanches, desmoronamentos de terras, inundações ou estragos em barragens e
consequente falta de abastecimento de água potável.
À beira do ponto de não retorno
Por isso, este relatório serve também para alertar
que “alguns sistemas chave da Terra já atingiram situações críticas” e que o
relógio para travar a chegada a pontos de não retorno está a avançar
rapidamente. Há cerca de um ano, os cientistas do IPCC tinham sublinhado a
importância de se cortar as emissões de gases de efeito de estufa para perto de
metade até 2030 e alcançar a neutralidade carbónica em 2050, de modo a
conseguir-se limitar a subida das temperaturas a 1,5 graus Celsius e assim
refrear as alterações climáticas e os seus impactos.
No início da semana, na abertura da Cimeira da Ação
Climática da ONU, o secretário-geral António Guterres afirmou que “a emergência
climática é uma corrida que estamos a perder, mas é uma corrida que podemos
vencer”. São necessárias transformações profundas na sociedade, na forma como
produzimos o que comemos, como usamos a terra, como nos alimentamos (ver texto
em cima) e como alimentamos os nossos transportes e a energia.
Porém, apesar de muitos governos e líderes do
sector privado terem reconhecido a necessidade de acelerar a mudança e
anunciado novos passos, apenas 65 países (na sua maioria em vias de
desenvolvimento e cujas emissões pesam perto de 7% para o bolo global) se
comprometeram com medidas concretas para combater a crise climática. “Ainda
temos um longo caminho a percorrer”, concluiu António Guterres na
segunda-feira. Perante o receio de que o mundo fique fatalmente
ferido devido à negligência humana e lhes tire a possibilidade de futuro,
milhões de jovens (e não só) voltaram a sair à rua esta sexta-feira em mais de
150 países, incluindo Portugal. Exigem ações urgentes e, como a jovem ativista
Greta Thunberg, “estão de olho” em quem decide.
Reduzir e adaptar
Os termómetros já subiram 1°C desde a era
pré-industrial e devem atingir 1,5°C em meados do século, duplicando esse valor
até 2100 de acordo com a atual trajetória de emissões de gases de efeito de
estufa. São necessárias transformações profundas para se reduzirem emissões e é
preciso apostar na adaptação para atenuar os impactes projetados, protegendo e
recuperando ecossistemas costeiros, como sapais, pradarias marinhas e florestas
de mangal, que funcionam como sumidouros de CO2. “A Natureza
está zangada e a dar o troco com toda a sua fúria. Se não mudarmos urgentemente
a nossa forma de vida, estamos a comprometer a própria vida” (excerto de um
trabalho da jornalista do Expresso, Carla Tomás, com a devida vénia)
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