Segundo dados do Portal do SNS, este é o valor mais alto dos últimos oito anos. Administração Central do Sistema de Saúde diz que valores de Junho não reflectem o efeito do OE 2022 com transferências de 292,8 milhões. Em Junho deste ano, a dívida total das entidades do Serviço Nacional de Saúde (SNS) a fornecedores externos ascendia a 2,3 mil milhões de euros, segundo dados do Portal do SNS, que tem informação disponível desde 2014. Este é o valor mais alto dos últimos oito anos. A dívida total engloba os valores de compromissos assumidos cujos prazos de pagamento ainda decorrem e a dívida vencida – aquela em que os prazos de pagamento já foram ultrapassados. Aliás, esta última representa 59,4% do total da dívida. Em anos passados, este peso já foi maior. Exemplo disso é Fevereiro de 2018, em que 70,3% da dívida global – nesse mês registou-se uma dívida total de 2,2 mil milhões de euros, a segunda mais elevada no período em análise – eram dívidas vencidas.
A redução de dívida das instituições de
saúde, especialmente dos hospitais, tem sido uma preocupação permanente dos
últimos governos. No final do ano passado, o Ministério da Saúde anunciou uma
injecção de 84 milhões de euros com o objectivo de “aumentar a capacidade de
resposta e de produção do SNS e reduzir a dívida”. Mas a tendência que se
verifica desde o início do ano é de subida sucessiva dos valores, à semelhança
de anos anteriores.
Xavier Barreto, presidente da
Associação Portuguesa dos Administradores Hospitalares (APAH), aponta vários
“factores importantes” para este aumento. Um deles é a maior actividade
assistencial. “No segundo semestre de 2021 e no primeiro semestre deste ano
houve um aumento notório de actividade, que está muito relacionado com a
necessidade de recuperarmos a actividade que foi protelada durante a pandemia.
No segundo semestre de 2021 muitos hospitais bateram recordes de produção e
continuam.”
Por outro lado, há a subida dos custos
de produção por variadas razões. Enumera a subida de preço dos combustíveis,
que “começa a reflectir um aumento de gastos importante e não esperado no
orçamento de 2022”, o preço da electricidade que “triplicou desde o ano
passado”, os “aumentos de preços significativos em praticamente todos os
materiais e consumíveis hospitalares” devido a problemas nas cadeias logísticas
como a escassez de matérias-primas e o efeito da inflação, “que não foi
acompanhado por variação nos preços dos contratos-programa, e que não estava
previsto aquando da elaboração do Orçamento do Estado (OE) de 2022”.
“Os custos de produção aumentaram, mas
os preços a que se pagam os hospitais não”, aponta Xavier Barreto, referindo
que se os hospitais são pagos abaixo do custo real e a produção é maior,
“aumentará naturalmente o défice de exploração e, consequentemente, a dívida”.
“É importante que o ministério consiga responder à questão simples de quanto custa
cada acto realizado no SNS”, ajustando o pagamento em função disso e
“incorporando uma componente de eficiência”.
Ministério acompanha evolução
A trajectória da dívida “não se
distancia do padrão de anos anteriores”, diz Xavier Barreto, lembrando que o OE
“já previa um défice de cerca de 1000 milhões de euros”. “Os hospitais são
subfinanciados, acumulam dívida e essas dívidas são depois pagas no final do
ano com injecções extraordinárias de capital”, diz, salientando que a situação
prejudica a eficiência. Lamenta não ver, neste momento, uma medida estrutural
ou que possa alterar este padrão em que a dívida baixa apenas fruto de
injecções de capital.
“O aumento da dívida é abrupto e
continuando assim até final do ano, provavelmente atingiremos os valores que
tínhamos no período pré-troika, na casa dos 3 mil milhões de dívida total”,
diz, recordando que esse foi um dos temas discutido com a troika. “Nessa altura
houve um esforço, mas como não aconteceu nada de estrutural, tudo se manteve na
mesma”, lamenta, acrescentando que a revisão da carreira de gestor poderá
contribuir para o aumento da eficiência e da produtividade.
Ao PÚBLICO a Administração Central do
Sistema de Saúde (ACSS) diz que os valores da dívida total de Junho “não
integram o impacto das receitas previstas” no OE, “em virtude da sua recente
aprovação”. “Com a aplicação do OE 2022, em Julho foram actualizados em cerca
de 292,8 milhões de euros os montantes transferidos para as entidades do SNS,
prevendo-se que este reforço financeiro se reflicta na diminuição da dívida
total a Julho”.
“O Ministério da Saúde está a
acompanhar a evolução da situação e adoptará as medidas que considerar serem
necessárias para a concretização desse objectivo”, diz a ACSS, que recorda que
o orçamento afecto ao SNS aumentou cerca de 700 milhões de euros em relação a
2021.
Crescimento dos pagamentos em atraso
Uma das questões que tem merecido
especial atenção ao longo dos anos é a dos pagamentos em atraso - valores que
estão por pagar há mais de 90 dias para lá da data acordada. Segundo o Portal
do SNS, em Junho ascendiam a 611 milhões de euros, o que corresponde a 43,7% do
total da dívida vencida. Muitas das injecções de capital têm sido direccionadas
para reduzir os pagamentos em atraso.
Aliás, o ano passado terminou com o
valor mais baixo registado no Portal do SNS – perto de 110 milhões de euros -,
merecendo esse mesmo destaque do Ministério da Saúde, que quando apresentou o
orçamento para este ano salientou a descida continuada dos pagamentos em
atraso. Contudo, o valor de Junho está em linha com o do período homólogo de
2021 (cifrava-se em 605 milhões de euros).
A este propósito, o economista da saúde
Eduardo Costa, salienta “um sinal preocupante, que é o acelerar da acumulação
de pagamentos em atraso”. “Em média, nos primeiros seis meses deste ano, os
pagamentos em atraso subiram a um ritmo de 84 milhões de euros por mês, face a
um crescimento de 76 milhões de euros por mês no mesmo período de 2021”, diz.
O professor da Nova School of Business
and Economics salienta os efeitos positivos dos reforços que têm existido nos
orçamentos da saúde e que permitiram que nos primeiros semestres dos últimos
três anos os pagamentos em atraso estivessem abaixo de todos os anos
anteriores. Contudo, nota, a inflação que está prevista para este ano pode
“anular” o reforço orçamental, fazendo com que, em termos reais, o orçamento do
SNS seja menor.
Já para o também economista da Saúde,
Pedro Pita Barros – que calcula em 77 milhões de euros por mês, em média, o
ritmo de crescimento de pagamentos em atraso nos primeiros seis meses deste ano
- é claro que “não foi ainda em 2022 que se inverteu o ciclo de colocar mais
dinheiro, que desaparece sem que haja as transformações necessárias para que se
estanque o crescimento dos pagamentos em atraso”. “O ter tido o stock de
pagamentos em atraso mais baixo de sempre num final de ano não teve qualquer
efeito sobre a dinâmica de crescimento das despesas (e que passam a pagamentos
em atraso por parte dos hospitais EPE). Juntando o stock de pagamentos em
atraso mais baixo de sempre a um orçamento que aparentava estar, em grande
medida, em linha com as despesas previstas (…), torna-se preocupante que nada
pareça ter mudado em termos desta dinâmica”, aponta o especialista.
Prazo médio de pagamento
Sobre a persistência dos pagamentos em
atraso, Eduardo Costa considera que “sugere problemas de gestão que vão além da
suborçamentação”. “A ausência de alterações substanciais nas estruturas de
gestão e nos mecanismos de reporte e responsabilização, permite a manutenção de
desvios orçamentais significativos em várias unidades hospitalares”, diz. “Para
além da correcção de suborçamentações que persistam - teremos que começar a
prestar mais atenção à inflação -, quebrar este ciclo implica não só uma maior
autonomia das instituições, mas também um aumento da sua responsabilização
sobre o cumprimento dos seus orçamentos.”
Está estabelecido na lei que os prazos
de pagamento aos fornecedores não podem exceder 60 dias, mas das 56
instituições listadas no Portal do SNS, apenas 11 apresentavam no primeiro
trimestre deste ano prazos médios de pagamento inferiores a dois meses. O
Hospital de Loures, que transitou no início deste ano de parceria público-privada
para gestão pública, não tem informação disponível.
O prazo médio de pagamento das instituições do SNS aos fornecedores situava-se nos 139 dias no primeiro trimestre deste ano, último dado disponível no Portal do SNS. Comparando com o período homólogo do ano passado, em que este prazo médio de pagamento estava nos 124 dias, houve um aumento. No último trimestre de 2021, o prazo médio de pagamento era de 137 dias (Publico, texto da jornalista Ana Maia)
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