sábado, agosto 20, 2022

Assembleia da República: Há 31 deputados em exclusividade que têm quotas ou gerem empresas – alguns são donos a 100%

Actualmente, existem 178 parlamentares com o regime de exclusividade. Interpretação da lei permite que possam acumular funções não remuneradas nas empresas com o subísidio de 10%. Um em cada seis deputados dos 178 que neste momento recebem o subsídio de exclusividade é sócio ou é gerente (ou ambos) de uma empresa onde tem quota ou de que é o único proprietário, mas não recebe remuneração por essa função. Isso é ilegal? Na interpretação que o próprio Parlamento faz da lei, não. Mas a quem olha a partir do exterior da Assembleia da República o caso pode levantar dúvidas éticas e tanto o PCP como o Bloco de Esquerda discordam da regra que permite aos deputados essa acumulação. Os bloquistas prometem voltar à carga com uma proposta para mudar a regra que permite acumular a gerência não remunerada numa empresa com a exclusividade como deputado. Numa análise aos registos de interesses dos 230 deputados em funções, o PÚBLICO encontrou 31 casos em que os deputados estão em exclusividade e são sócios-gerentes de empresas ou sócios sem remuneração — a maior parte dos casos são no PS e no PSD, mas também se encontram alguns no Chega e na Iniciativa Liberal.

O Estatuto Remuneratório dos Titulares de Cargos Políticos admite que os deputados que declarem no seu registo de interesses que “não exercem regularmente qualquer actividade económica, remunerada ou de natureza liberal” possam receber o subsídio de exclusividade de 10%. Essa tem sido a interpretação maioritária do grupo de trabalho que há década e meia analisa os registos de interesse dos deputados embora, por exemplo, o Bloco não concorde com essa leitura. E agora adquiriu letra de lei depois de um parecer elaborado no ano passado que, em resposta a deputados, permite essa acumulação desde que as funções na empresa não sejam remuneradas. Lei permite acumulação se deputados não forem pagos por funções ou cargos em empresas

Caso a caso

Há deputados que se assumem como sócios-gerentes, como o social-democrata Firmino Pereira que, sem receber qualquer salário, é gerente da Albuquerque & Pereira (e tem quota de 30%) e do Hostel Oporto das Artes (25%), ambas de alojamento local. Este ano já dissolveu a Folium Consulting (60%). O socialista Paulo Marques gere duas sociedades de comunicação suas: Ideia Prima (20%) e Xelentenota (100%).

Uma parte são empresas unipessoais, em que o deputado ou a deputada têm a totalidade da quota. São os casos, por exemplo, do socialista e ex-secretário de Estado João Paulo Rebelo, que mantém os 100% da empresa de mirtilos cuja gerência foi obrigado a passar em 2018 por incompatibilidade com a função no Governo. O deputado do Chega Filipe Melo tem uma unipessoal de que é gerente sem remuneração e é ainda sócio de 50% da Neofuseman. E o socialista Hugo Pires, dono total da CRIAT, de arquitectura e engenharia.

Embora sem serem unipessoais, há empresas em que o deputado é detentor da totalidade da quota, como a Ambigold Invest de Carlos Eduardo Reis (do PSD), que esteve sob a ameaça de dissolução por não entregar contas nas Finanças depois de vários anos a trabalhar com autarquias na manutenção de jardins, por exemplo, que lhe renderam 820 mil euros — mas como na altura não era deputado, não havia incompatibilidade. Outro exemplo é o da socialista Dora Brandão, dona da GreenEmpaty e da TriangleTree, ambas de agricultura e turismo rural. O social-democrata António Maló de Abreu, dono de uma rede de clínicas dentárias é sócio-gerente não remunerado de várias empresas, entre elas uma unipessoal com o seu nome (100%) e o centro de estudos DOC XXI (50%), e inscreve uma quota de 0,5% de uma clínica em Coimbra que o PÚBLICO encontrou nos registos do Ministério da Justiça como tendo uma quota de 99%.

Do mesmo partido, André Coelho Lima é presidente não remunerado da assembleia geral da Lameirinho Indústria Têxtil e da Lameirinho Recursos Energéticos, empresas têxteis da sua família onde não tem quota, mas tem quota em empresas cuja gestão entregou a terceiros, como é o caso da têxtil World Wide Source (33,3%) e da açoreana de energia CAEN (6,25%).

Outros deputados dizem apenas que são sócios de sociedades comerciais, mas não especificam se têm ou não funções de gestão. Como é o caso dos socialistas Edite Estrela na Quinta Morena – Sociedade Agrícola (30%), Eduardo Oliveira na empresa de eventos Colunas de Fama (25% — e no Ministério da Justiça ainda está indicado como gerente), e João Azevedo Castro na empresa de restauração Castro e Castro, Lda (20%); ou da social-democrata Joana Barata Lopes na Quinta da Bigorna (hotelaria, com 15%). Também do PSD, João Marques indica uma lista de oito empresas em que tem quota, desde os 50% no centro Académico D. Pedro V (quota suspensa), 1/3 na Burgos e Ermidas ou 30% numa clínica médica, 15% noutra dentária ou 6% na Pampilhosa Alimentar (mas não gere nenhuma). Tal com o seu colega de bancada Guilherme Almeida, com 40% numa empresa de consultoria. O socialista Rui Vilar deixou a gerência, mas manteve a quota de 33% numa empresa de contabilidade, noutra imobiliária e numa de restauração.

Também no PSD, João Montenegro tem 33% da Geração d’Ética (comércio automóvel) e João Moura diz que tem “suspensa” a quota em duas empresas de engenharia a 50% com a mulher (sem especificar o que isso significa). O deputado do Chega Jorge Galveias tem 15% da Bandeira, Escudeiro e Galveias (restauração). O socialista José Rui Cruz divide com a mulher na proporção 5/95 a NSB Consulting, e a camarada de bancada Maria da Luz Rosinha faz o mesmo com o marido (10/90) na Contaxira, de contabilidade.

Patrícia Dantas (PSD) é dona de um quarto da Lagesol, de gestão turística; o socialista Pedro Anastácio tem quota na Lucksin Consultores (7,6%) e na VedetaJungle (33,33%), de turismo. Alexandra Tavares de Moura (PS) tem 33,3% numa empresa de equipamento de escritório. Ricardo Sousa, do PSD, é diversificado: 40% numa empresa imobiliária; 50% na Winemaster; e o mesmo na exploração vitivinícola Bastos&Guerner.

O socialista Gilberto Anjos é director comercial pro bono numa empresa onde não tem quota. O deputado Pedro Pinto, do Chega, declara que nos últimos três anos (como a lei obriga a descrever) foi empresário em nome individual na área da agricultura e tauromaquia, mas não indica o nome em que estava registado. O seu colega de bancada Rui Paulo Sousa diz que foi administrador da VillaBosque, de produtos agrícolas, até final de 2020, mas na base de dados do Ministério da Justiça não há qualquer alteração à sociedade e o deputado ainda é dono de 49%.

Também existem alguns casos em que os deputados deixaram a gerência da empresa e, apesar de terem a quota maioritária, passaram a função ao outro sócio — como o socialista Pedro Coimbra que passou a gerência da Delta 2014 ao irmão. Ou o social-democrata Gustavo Duarte, ex-presidente de Vila Nova de Foz Côa, onde é dono de pedreiras de xisto com o filho e a mulher, que as gerem — tem 66,67% na Solicel e 25% da Decorxisto. Na prática, o que acontece é que, sendo sócios de parte ou da totalidade das empresas, apesar de não receberem remuneração, estão a criar valor para a sua empresa e, consequentemente, a valorizar a quota que detêm e o seu património.

Como é o caso da social-democrata Ofélia Ramos: é dona de 50% e sócia-gerente não remunerada da Vianeto (restauração) e Faratleta (imobiliário) e na primeira teve lucro de 21 mil euros no ano passado e prejuízo de 8270 na segunda. Já nesta legislatura pediu à Comissão de Transparência que lhe fosse creditado com retroactivos o subsídio de 10% da exclusividade da legislatura passada porque não sabia que se fosse não remunerada tinha direito a ele – o parecer da comissão recusou porque esse pedido devia ter sido feito logo em 2019. Embora não sendo gerente, João Cotrim de Figueiredo mantém 50% na sociedade agrícola e de alojamento local com a ex-mulher, empresa que teve um resultado líquido positivo de 15.600 euros em 2021 depois de vários anos de prejuízos, e 5% na Faber Ventures (capital de risco).

Testa de ferro

Perante tantas situações, Luís de Sousa, docente do Instituto de Ciências Sociais e fundador da Transparência e Integridade questiona-se: “Alguém acredita que os familiares que nomeiam não seja apenas um testa de ferro e que os deputados não têm qualquer intervenção na gestão?” Por isso, lamenta que as comissões de Ética e Transparência do Parlamento não analisem a tendência do comportamento dos deputados em relação às regras das quotas e gestão de empresas e não perceba que há um refúgio na questão da não remuneração.

“Deviam fazer o balanço, ver o padrão e tendência de comportamento para alterar o quadro normativo e não assobiar para o lado”, vinca, acrescentando defender o subsídio de exclusividade devia ser para “premiar a dedicação exclusiva sem quaisquer outras funções”. O activista defende até que as aulas na universidade não deviam ser permitidas porque, no caso do direito, “servem essencialmente para criar uma rede de influências para os pareceres que os outros professores juristas e os futuros advogados farão para os partidos.”

A nova regra de declarar a pertença a qualquer associação — que criou polémica por causa da Maçonaria e da Opus Dei —, acabou por levar os deputados a indicarem serem sócios de clubes como o FC Porto, o SL Benfica, o Sporting CP, o Belenenses, mas também clubes mais pequenos de aldeia, assim como associações de bombeiros, IPSS, Santa Casa da Misericórdia, associações culturais e uma panóplia de confrarias, da cebola ao bucho, passando pelo porco alentejano.

Não há qualquer entidade religiosa e com ligações à maçonaria só mesmo o açoriano João Azevedo de Castro que há vários anos indica pertencer à Sociedade Amor da Pátria, na cidade da Horta — embora já tenha dito ao PÚBLICO que, apesar da “origem maçónica”, a sociedade perdeu entretanto essa natureza e que, nos Açores, a maçonaria “nunca teve natureza de sociedade secreta” (e acrescenta que não é maçon “mas poderia ser”) (Publico, texto da jornalista Maria Lopes)

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