Alguns dos mais conceituados jornais e revistas científicas, como o “New England Journal of Medicine” ou a revista “Lancet”, publicaram investigações relacionadas com a infeção provocada pelo novo coronavírus antes de estarem revistas por outros cientistas independentes, um passo fundamental para atestar a sua fiabilidade. Aconteceu com um estudo baseado na hidroxicloroquina, o medicamento usado para tratar a malária, que foi associado a um maior risco de complicações cardíacas em doentes covid. A descoberta, publicada pela revista “Lancet”, levou a Organização Mundial da Saúde e instituições por todo o mundo a suspender as investigações sobre o medicamento, mas veio a revelar-se problemática e foi retirada pela revista no início de junho. Mais tarde, veio a público a informação de que este estudo foi revisto por quatro peritos externos à publicação e um revisor estatístico, sem contudo ter passado pelos habituais revisores científicos.
Também um estudo publicado no prestigiado “New England Journal of Medicine” sobre o impacto de medicamentos para a pressão arterial em doentes com covid foi publicado sem que os dados brutos fossem examinados pelos revisores científicos. Mais tarde, uma investigação levada a cabo pelo jornal inglês “The Guardian” revelou sérios problemas com o banco de dados, fornecido pela empresa norte americana Surgisphere.
Antes de serem publicados nas revistas científicas, os estudos são comummente revistos por cientistas pares cuja função é atestarem a qualidade da informação revelada e descobrir eventuais erros. Os casos vindos a público durante a pandemia provocada pelo coronavírus vieram pôr em causa o trabalho dos revisores científicos, que já se manifestaram contra a forma como as publicações partilharam estes trabalhos. “Como editores, opomo-nos fortemente a acordos contratuais que negam aos investigadores o direito de investigar os dados de forma independente”, disse ao “The Guardian” o Comité Internacional de editores de revistas médicas (ICMJE). Contudo, ambas as publicações médicas assinam as recomendações voluntárias deste comité, que, entre outras diretrizes, afirmam “incentivar a rever os protocolos de pesquisa, os planos de análise estatística e os contratos associados aos estudos específicos do projeto”, assim como incentivam “os autores a disponibilizar publicamente os documentos no momento da publicação ou depois dela, antes de aceitarem os estudos para publicação”. Os vários casos vindos a público têm colocado uma questão em cima da mesa: serão as políticas editoriais das publicações científicas suficientemente rigorosas? (Expresso, texto da jornalista Joana Ascensão)
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