A pandemia de coronavírus deixou o setor da aviação de pernas para o ar, com muitos aviões em terra, milhões perdidos e milhares de funcionários desempregados. Numa altura em que recomeçam os voos comerciais, fazemos uma radiografia do setor e tentamos perceber de que forma as viagens de avião serão afetadas. Na passada sexta-feira, aconteceu o primeiro voo da Europa para a China após o confinamento causado pela pandemia de COVID-19. O avião com 200 passageiros saiu do aeroporto alemão de Frankfurt com destino a Tianjin. Entre os passageiros, estavam funcionários do grupo alemão Volkswagen e familiares, que retornam à China para retomar o trabalho que desempenhavam até fevereiro, quando tiveram de deixar o território chinês.
Na chegada ao aeroporto de Tianjin, "esperamos controlos exaustivos de febre, de diagnóstico do novo coronavírus, testes de anticorpos e, em seguida, uma quarentena de 14 dias", disse à AFP um desses funcionários, Bernd Poth. A China decidiu aumentar o número de voos de chegada ao país, que fica limitado a 407 por semana. Antes da crise sanitária, os aeroportos chineses recebiam mais de 9 mil voos semanais.
Este primeiro voo entre Europa e China é visto como um momento simbólico na retoma entre as ligações aéreas mundiais que atingiram mínimos nunca antes registados durante o auge da pandemia de coronavírus nos dois continentes. Com o foco da pandemia no continente americano, Europa e Ásia traçam as regras de como serão feitas a viagens de avião nos próximos tempos.
Agência Europeia monitoriza orientações de segurança
A Agência Europeia para a Segurança da Aviação (EASA, na sigla em inglês) lançou um programa para monitorizar a implementação das orientações de segurança relativas à pandemia de COVID-19 pelos aeroportos e pelas companhias aéreas europeias.
A EASA admitiu que os aeroportos, as companhias aéreas e os aviões são diferentes, pelo que considerou necessária "alguma flexibilidade" na concretização das medidas, para se harmonizar a retoma do setor no continente.
O programa vai concentrar-se, para já, em voos de companhias aéreas que estão prontas para voar entre aeroportos que aplicam as orientações de segurança da mesma forma, permitindo uma viagem completa de passageiros capaz de as respeitar desde o momento de chegada ao aeroporto de partida até à saída no terminal de destino.
As transportadoras aéreas e os aeroportos envolvidos nesses voos vão assinar um compromisso, devendo coordenar-se com as autoridades dos respetivos países, apresentarem soluções práticas quando tiverem problemas na implementação do protocolo e de relatar esses problemas à EASA e ao Centro Europeu de Prevenção e Controle de Doenças (ECDC).
"Os aeroportos e as companhias aéreas que participam no programa vão ser pioneiros na retoma. O ‘feedback' que nos transmitirem será para ajudarmos todo o setor a retomar as operações de uma maneira que faça com que passageiros e funcionários se sintam seguros e protegidos", adiantou o diretor executivo da EASA, Patrick Ky.
As orientações de segurança recomendam distanciamento físico em todos os momentos, o uso de máscara sempre que possível e a higiene frequente das mãos, ao longo da viagem, refere o comunicado.
Esse protocolo apela também para a responsabilidade pessoal dos passageiros, esperando que pessoas com sintomas compatíveis com COVID-19 - febre, tosse, perda repentina de olfato ou falta de ar - não apareçam no aeroporto ou adiem as suas viagens, lê-se ainda.
Os aeroportos e companhias aéreas devem utilizar marcações de piso para promover o distanciamento social e lembrar as regras de segurança com comunicações várias, acrescenta a EASA.
As recomendações vão ser avaliadas e atualizadas regularmente, consoante a evolução da pandemia, o conhecimento do risco de transmissão e o desenvolvimento de outras medidas de diagnóstico ou prevenção, frisa também o comunicado.
Companhias aéreas: retoma em crise
A Associação de Transporte Aéreo Internacional (IATA, na sigla inglesa) estima que o impacto da pandemia no volume de negócios das companhias aéreas em 2020 será de 282 mil milhões de euros, o que representa uma redução de 55% em relação a 2019.
São muitas as companhias aéreas que estão a recorrer à ajuda judicial e do estado para travarem a crise causada pela pandemia.
O governo alemão e a Lufthansa elaboraram a 25 de maio um pacote de resgate de 9 mil milhões de euros, no qual o Estado se tornaria o maior acionista da empresa. Na quarta-feira, porém, a companhia considerou que as concessões exigidas em troca, por parte da UE, são muito restritas e ainda não aprovou o acordo.
Também na Alemanha, a empresa de transporte Condor, filial do operador de turismo em quebra Thomas Cook, obteve empréstimos garantidos pelo Estado no valor de 550 milhões de euros.
França e Holanda socorreram a Air France-KLM com um plano de entre 9 e 11 mil milhões de euros. Itália optou por nacionalizar a Alitalia. A Easyjet obteve um empréstimo público de 600 milhões de libras (675 milhões de euros), e a Suíça garantiu 1,2 mil milhões de euros em empréstimos à Swiss e à Edelweiss, duas filiais da Lufthansa.
A espanhola Iberia anunciou que irá retomar a 1 de julho 20% dos voos domésticos e de média distância, após manter os aviões parados devido à pandemia.
A LATAM, a maior companhia aérea da América Latina, solicitou recuperação judicial a 26 de maio. Duas semanas antes, a Avianca, a segunda companhia aérea da América Latina, recorreu à mesma lei.
A Air Canada vai demitir mais da metade dos empregados (pelo menos 19.000 pessoas), a British Airways prevê 12.000 cortes de vagas (30%) e a norte-americana Delta Air Lines informa que mais de 41.000 funcionários tiraram licenças sem vencimento. A escandinava SAS anunciou a supressão de 5.000 postos (40%), e a britânica EasyJet, de 4.500 (30%).
A norte-americana United Airlines também anunciou cortes (3.450 empregos), assim como a britânica Virgin Atlantic (3.150), as irlandesas Ryanair (3.000) e Aer Lingus (900), a Icelandair (2.000), a Brussels Airlines (1.000), a húngara Wizz Air (1.000) e Fiji Airways (758).
A Virgin Australia decretou insolvência a 21 de abril, depois de ver recusado o empréstimo de 1,4 mil milhões de dólares australianos por parte do governo, para que a empresa se mantivesse em funcionamento. A Air New Zealand obteve um empréstimo estatal de cerca de 479 milhões de euros.
Dubai e Turquia anunciaram sem mais detalhes que apoiariam a Emirates e Turkish Airlines, respectivamente. A Kuwait Airways anunciou a demissão de 1,5 mil funcionários expatriados,25% dos trabalhadores estrangeiros, devido a "dificuldades importantes" acarretadas pela pandemia.
Quebra de 94% em Portugal
A NAV Portugal, responsável pela gestão do espaço aéreo, anunciou que geriu menos 24,3 mil voos em março, uma quebra de 36% face ao mesmo mês de 2019, tendo esse valor diminuído para 4.018 voos em abril, o que corresponde a uma quebra de 94% face ao mesmo mês do ano passado.
Os aeroportos nacionais estiveram fechados a voos comerciais durante o período da Páscoa, dos mais críticos durante a pandemia.
A quebra da aviação em Portugal está também associada à transportadora aérea nacional, a TAP, que viu a sua operação de mais de 3.000 voos semanais ser diminuída, durante o mês de abril, para cinco ligações semanais entre Lisboa e as regiões autónomas da Madeira e Açores.
O atual plano de retoma de rotas foi alvo de observações e críticas por parte de vários protagonistas de quase todos os quadrantes políticos devido à centralidade da operação em Lisboa, e a companhia aérea garantiu entretanto que iria "ajustar" o plano de retoma de rotas anunciado, garantindo que este ficará "subordinado aos constrangimentos legais" à mobilidade.
A partir deste primeiro dia de junho, os aviões deixam de ter a lotação de passageiros reduzida a dois terços, mas o uso de máscara comunitária é obrigatório.
O Governo português alinhou, assim, as regras nacionais pelas regras europeias no que toca ao transporte em aviação civil, considerando "que uma estratégia europeia e internacional uniformes são fundamentais para a retoma do setor e da confiança dos passageiros".
Em Portugal, não vai existir a obrigatoriedade de quarentena para quem venha de fora - medida que, no entanto, está a ser adotada por outros países, como França e Inglaterra.
O diretor da IATA, Alexandre de Juniac, prevê a retoma dos voos nacionais em junho e continentais a partir de julho. A IATA planeia a retoma dos voos intercontinentais no último trimestre, como parte de um plano para reativar o setor aéreo.
Corredores aéreos entre países com baixo risco de contágio podem representar um dos "primeiros passos" para a retomada do turismo mundial, segundo apontou a Organização Mundial de Turismo (OMT).
Esses corredores são "os primeiros passos para estabelecer as primeiras comunicações", disse o secretário-geral da agência da ONU, Zurab Pololikashvili.
Na Espanha, o arquipélago das Baleares pediu o uso desses corredores para permitir que turistas alemães, que vão em grande quantidade passar férias no local, retornem o mais rápido possível.
Por outro lado, a OMT pediu uma melhor coordenação na reabertura de fronteiras fechadas por causa do novo coronavírus, principalmente na Europa. A organização também recomendou a reabertura das fronteiras externas ao espaço Schengen.
Em 2020, o número de turistas no mundo pode cair entre 60 e 80% por causa dos efeitos da pandemia, de acordo com as últimas previsões da OMT, publicadas no início de maio.
Pololikashvili pediu para "pensar-se noutros países fora da União Europeia" e cogitar a reabertura das fronteiras, como por exemplo, com a Turquia.
Em relação ao vírus, "não há como ser 100% seguro", admitiu o secretário-geral, embora tenha dito que certas medidas possibilitariam minimizar os riscos de contágio para turistas, tais como um "passaporte de saúde", que permite aos países trocar informações, testes rápidos da COVID-19 e testes de temperatura de pessoas. A OMT está a trabalhar em dois projetos-piloto para reabrir centros cruciais para o turismo mundial, como Istambul, Dubai e Doha (Texto do SAPO, com AFP e Agência Lusa)
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