"Recebo muitas
mensagens de pensionistas e reformados indignados por lhes quererem cortar as
pensões. Essas mensagens começam sempre por "trabalhei toda a vida".
É respeitável que, por isso mesmo, quando já não podem fazer nada, mudar de
carreira, de país, de modo de vida, não aceitem de bom grado perder rendimentos
com os quais se habituaram a viver.
Ainda
ontem a líder de uma Associação de Reformados, a APRE desafiava Silva Lopes,
nas páginas de um jornal, a dizer quanto tem de reformas e pensões para se
entender por que motivo defende que é inevitável o corte. Como quem diz, se
eu recebesse tanto, também não me importava que me cortassem. Mas eu aposto
que a líder da APRE, Rosário Gama (professora reformada), recebe umas quatro
vezes mais do que outros pensionistas. Pensarão estes o mesmo: se eu
recebesse o que recebe Rosário Gama, não me importava que cortassem?
Afinal,
a partir de quanto é que o corte é justo?
Outras
mensagens dizem: nós os pensionistas pagámos com os nossos impostos as
escolas onde vocês estudaram. O argumento parece interessante, mas imaginem
que os mais jovens dizem: nós os jovens, uma vez que vocês viviam em casas
com rendas congeladas, fomos obrigados a empenhar-nos, a endividarmo-nos para
comprar uma porcaria de uma casa a 20 quilómetros do local de trabalho.
Enquanto vocês iam de metro, nós gastávamos uma fortuna em gasolina ou em passe
L123.
Ainda
outras mensagens dizem: nós, pensionistas, somos o suporte de filhos e netos.
Se nos cortam as pensões eles sofrem também. É verdade, eu também sou avô,
embora não sendo pensionista nem sabendo se alguma vez terei uma reforma mais
do que simbólica. E no meu caso eu sou o sustento de pessoas da geração
anterior à minha, porque se há pensionistas que são o sustento de filhos e
netos, há contribuintes que são o sustento de filhos, netos e pais. São
a chamada geração dos entalados.
E atrás
da minha geração vem outra, a que sempre trabalhou com precaridade e que nunca
ganhou mais do que 700 ou 800 euros. Que já nem casa comprou, porque vivem
em pequenas casas alugadas onde deixam metade do rendimento. Em que
sobrevivem mal, que vivem pior do que os pais e do que viveram os avós.
Transformar
o debate em guerra de gerações é uma estupidez imensa. A
solidariedade intergeracional é tão necessária como a solidariedade com os mais
necessitados.
No
entanto, há que deixar claro uma coisa muito simples: se todo o combate se
fizer pelos direitos adquiridos, não há hipótese para aquela geração que hoje
tem entre os 20 e os 35 anos e nunca adquiriu direito nenhum. Contra mim
falo, mas é nesses, nas gerações das minhas filhas que penso" (texto
de Henrique Monteiro, Expresso com a devida vénia)