"O mais recente relatório do FMI, elaborado a pedido do Governo e apresentado sob título de "Rethinking the State - Selected Expenditure Reform Options", encerra em si mesmo, aparentemente, uma contradição que se mostra insanável. É que, há dias, as conclusões apresentadas pelo economista-chefe do mesmíssimo FMI, Olivier Blanchard, num outro relatório denominado "Growth Forecast Errors and Fiscal Multipliers" apontavam no sentido exactamente contrário, do que agora, sob sugestão daquele trabalho de consultadoria, se apresenta como caminho para Portugal. Se bem nos lembrarmos, o que Blanchard confessara na quinta-feira passada fora que, relativamente às chamadas economias desenvolvidas em que se insere a portuguesa, os que fizeram as previsões subestimaram de forma significativa o aumento do desemprego e a baixa do consumo privado e do investimento resultantes da consolidação orçamental. Consequentemente, o FMI decidira mudar a forma como avaliaria no futuro, a necessidade de austeridade nessas mesmas economias. Devo dizer que a propósito, aplaudi a coragem que se deve reconhecer a quem se mostra capaz de assumir falhas, muito embora me tenha questionado pela ausência de consequências relativamente às metas que, na base dessas previsões equivocadas, vinham sendo exigidas aos países intervencionados, um dos quais Portugal. E de tanto pedi resposta da Comissão Europeia e do Banco Central Europeu, demais credores componentes da troika, por força do memorando de entendimento subscrito com o Estado português, desde logo, para apuramento do sentido que lhes faria reconduzir as exigências feitas, à real capacidade de cumprir por parte dos países intervencionados, justificada, por seu lado, e como é suposto, em novas previsões corrigidas e tidas por fidedignas. De qualquer forma, torna-se evidente que aqueles dois relatórios, espaçados por dias, sob patente do FMI, são inconciliáveis em si mesmos. Não se pode, a um tempo, assumir previsões falhadas dos planos de austeridade, em áreas tão relevantes como o impacto no PIB, desemprego, consumo privado e investimento, justificativas de alterações das políticas futuras, que debelem os impactos negativos apurados pela realidade, e, a outro tempo, entender-se que o melhor caminho para Portugal passará por mais cortes nas pensões, subida da idade das reformas, reduções de subsídios de desemprego ou cortes na função pública. Equivale a dizer que no plano académico não se pode aspirar a uma avaliação credível, na defesa simultânea de uma coisa, e do seu contrário. Acresce um custo social, neste momento difícil de conceder em Portugal, perante caminho tão radical. E, para além do mais, bom seria que o FMI fosse recordando que o nosso país vem sendo apontado como bom exemplo na pedagogia europeia, em contraponto da Grécia, incumpridora relapsa, exactamente pelo esforço extremo que na vontade de honrar compromissos o nosso povo nunca foi negando. Não impedem estas considerações, apesar de tudo, uma outra evidência. É que para superação dos tempos difíceis que teimam, não se pode apelar ao melhor dos dois mundos. Pelo que na falta endémica de receita, ou se opta pela manutenção (quando não pelo aumento de impostos) já de si muito elevados, ou pela redução da despesa de um Estado, que não raras vezes, diga-se, é no mínimo questionável. Não hesitaria, então, neste segundo caminho.Sucede que há despesas, e há despesas. As que o FMI indica, e todas as outras, ou pelo menos tantas outras. Fico-me então a propósito, e por coerência, pela evidência que há tempos Paulo Portas, recordava, em declarações que foram públicas: Portugal tem um problema de excesso de défice, de excesso de dívida e de excesso de despesa, que leva por sua vez a um problema de excesso de carga fiscal. Só há uma maneira de contrariar esse excesso de carga fiscal: é conseguir com sentido de justiça, de uma forma meticulosa, reduzir despesa estrutural” (texto do eurodeputado do CDS, Nuno Melo, no DN de Lisboa, com a devida vénia)