sexta-feira, setembro 02, 2022

Aumento dos preços: “Uma franja da população vai ficar pior do que os pobres”

As famílias que se encontram imediatamente acima do limiar da pobreza e cujo rendimento dita que já não têm direito a apoios sociais são “das maiores preocupações” do Banco Alimentar Contra a Fome, num contexto de aumento do valor da fatura do gás. Em declarações ao Expresso, Isabel Jonet, presidente desta organização, deixa o alerta: “Há uma franja da população que vai ficar pior do que os pobres". A explicação, diz, passa por serem famílias que tipicamente têm créditos habitação e já vivem com uma série de despesas e carga fiscal fixa mensal que não podem deixar de pagar, apesar de tudo estar mais caro. “Estas famílias não têm os apoios sociais que as classes mais baixas já têm, falo das que estão logo a seguir ao limiar de pobreza. Foram as que arriscaram comprar casa, as que sofrem com o aumento da inflação, da taxa de juro e agora com o da energia.”

É precisamente este o tipo de família que mais frequentemente chega ao atendimento da Deco: normalmente, composta por dois adultos com o ordenado mínimo e duas crianças. A perspetiva de poderem entrar em incumprimento nas despesas é uma preocupação e sente-se nos pedidos de ajuda “um peso significativo de encargos com crédito habitação”, refere a jurista Elisabete Policarpo, do gabinete de Apoio Financeiro. “As famílias têm o orçamento contado ao cêntimo. E nesta gestão apertada das despesas que mais parece uma manta de retalhos, se uma despesa aumenta, vão ter de ir buscar o dinheiro às outras.”

IMPACTO NA ALIMENTAÇÃO

O anúncio do aumento do gás natural é suficiente para desequilibrar a balança já de si instável. A inflação tem levado ao aumento dos bens essenciais, da eletricidade e também do crédito habitação para quem tem taxa variável indexada à Euribor. Se num primeiro momento a reação das famílias é reduzir no que é mais imediato, ou seja, no supermercado, é certo que, caso este “efeito travão” não seja suficiente, “há o risco de vermos serviços a serem cortados”, sublinha a jurista da Deco. Em situações de aperto, a jurista aconselha a renegociação dos pacotes com as empresas de energia e de telecomunicações.

A crise social estava anunciada. “Chegam sempre depois da crise económica, e é impossível não ver que está aí”, diz ao Expresso Rita Valadas, presidente da Cáritas Portuguesa. “As pessoas adaptam-se quando vão ao supermercado e preocupa-me quando começa a ter impacto na alimentação. Tem havido substituição de alimentos, sobretudo os frescos.” O aumento do custo de vida já trouxe à Cáritas pedidos de ajuda “que estavam fora do radar. A uma crise existente, em que as pessoas ainda não se tinham autonomizado, juntou-se outra. Estamos numa sucessão”, continua, alertando que com o arranque do ano escolar a perceção da realidade será muito mais clara (Expresso, texto das jornalistas Joana Ascensão e Marta Gonçalves)

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