terça-feira, maio 10, 2022

Ação em tribunal: Berardo avança contra bancos e pede 900 milhões de indemnização

 

Queixa recai sobre BCP, CGD, BES e NB, que acusa de terem lesado a Fundação e a Metalgest ao não terem dado informação sobre o risco real das instituições quando comprou ações com recurso a crédito. Comendador pede ainda compensação por danos morais. E acusa governo de "conluio" para ficar com a coleção de arte. São 800 milhões de euros para compensar a Fundação José Berardo, que se viu "despojada" para cobrir as dívidas contraídas junto dos bancos, e mais 100 milhões de euros por danos morais, em consequência da "denegrição pública da imagem de Berardo como empresário e como pessoa, agressão dolosa à sua personalidade e a toda a sua obra de enorme alcance económico, cultural e social e consequente indescritível sofrimento e profunda depressão, com reflexos de dramático agravamento do seu processo de envelhecimento físico e mental". No total, o comendador exige 900 milhões de euros de indemnização na ação que acaba de dar entrada no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa contra o BCP, a CGD, o BES e o Novo Banco (NB).

Na ação registada no Citius, a que o DN teve acesso, Joe Berardo reclama que foi enganado pelas instituições financeiras, nomeadamente "acerca das circunstâncias relativas à situação interna dos bancos - especialmente o BCP - e do sistema financeiro português, em que a Fundação contraiu empréstimos para a aquisição de participação qualificada no BCP". E aponta-lhes a culpa por as ações empenhadas como garantia dos empréstimos terem perdido valor sem que os bancos cumprissem "a obrigação de as executar na altura devida".

Considerando que já não tem qualquer valor em dívida, "por terem já sido vendidas as ações do BCP empenhadas e aplicado o produto da venda no pagamento dos créditos dos bancos", Berardo alega ter sido vítima de "uma verdadeira subversão da realidade, manipulada pelos bancos, ao serviço da sua desresponsabilização e em conluio com o Estado, ao serviço da ilegítima pretensão de apropriação da Coleção Berardo".

No processo que apresenta ao tribunal, pretende fazer notar que não quis "transportar para os tribunais questões de grande melindre para os bancos e para o próprio Banco de Portugal", pelo que aceitou manter as negociações com as instituições financeiras para tentarem encontrar chão comum. "Nessa negociação, que se manteve mesmo depois da instauração de execuções pelos bancos, foi alcançado um princípio de acordo, que teve expressão num documento produzido pelo Novo Banco e que mereceu, no essencial, o consenso do comendador e dos bancos, devendo constituir a base do acordo a formalizar", declara.

Conforme a ação interposta, esse acordo não se terá concretizado porque o empresário se tornara num "alvo a abater" depois de ser ouvido na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), que, diz, apesar do requerimento deferido para que decorresse à porta fechada, teve assistência e foi amplamente divulgada pelos media. "Um inadmissível ato de deslealdade do presidente da CPI."

"Julgamento popular"

É a partir dessa CPI que Berardo alega agora que se fez um "julgamento popular, sem relevância para apurar responsabilidades de gestão da CGD e das razões da recapitalização". Desacreditando-o, levou-se a opinião pública a acreditar ser ele o responsável pelos prejuízos registados pelos bancos, afirma. Culpa que recusa, frisando já ter pago "aos bancos mais de 230 milhões"e pretender "concluir a negociação para pagar tudo o efetivamente devido".

"As manifestações de Joe Berardo foram completamente desvirtuadas e transformadas em falta de respeito a quem, na realidade, pelos comportamentos adotados em relação a ele, não merecia respeito nenhum", entende, indicando que tal foi feito "ao serviço da criação de um bode expiatório", com o objetivo de transformar na opinião pública "um empresário que nada deve a Portugal e a quem Portugal tanto deve num mero capitalista com habilidade para fugir ao pagamento de empréstimos da banca, com reflexos diretos no bolso dos contribuintes, que pagam os défices e prejuízos dos bancos".

Berardo diz que a CPI fez dele bode expiatório e transformou, na opinião pública, "um empresário que nada deve a Portugal e a quem Portugal tanto deve num mero capitalista com habilidade para fugir ao pagamento de empréstimos".

Para justificar o corrente pedido de indemnização àquelas instituições, Joe Berardo resume, na ação, os episódios que culminaram na dívida que lhe é atribuída, culpando os próprios bancos de terem provocado a situação.

"Com as facilidades de crédito que os bancos (BCP e BES) lhe proporcionaram num período de grande liquidez, através da Fundação e da Metalgest (MTG), comprou ações, designadamente do BCP, no mercado [...] pelas perspetivas de rendimento e de mais-valias, que podiam apoiar as atividades empresariais e culturais e sociais", descreve o comendador, frisando que todas as decisões foram tomadas com a informação de que dispunha, a corrente no mercado, que acreditava na saúde e solidez do sistema financeiro português. Quando o BCP o "alicia" a comprar uma participação qualificada, relata, não terá partilhado os riscos: "Não informou das fragilidades do BCP, como a real escassez de capitais próprios e as operações de gestão imprudentes realizadas com avultados prejuízos, que o tornam pouco resiliente a uma possível crise financeira e dos mercados." Adianta ainda que para comprar as ações lhe foi oferecido "financiamento pelo próprio BCP e pela CGD, o desta angariado pelo BCP, garantido por penhor das próprias ações a adquirir".

Ora, o comendador considera agora que a ausência de informação sobre as "reais condições" do BCP, da CGD e do BES o levaram a um investimento com base num erro, acusando os bancos de a isso o empurrarem com conhecimento, configurando uma situação de "dolo". De acordo com a acusação, o erro de Joe Berardo, da Fundação e da MTG sobre a base do negócio foi essencial para as decisões de contrair os financiamentos para comprar as ações do BCP, bem como de irem aderindo a sucessivas reestruturações dos financiamentos por prorrogação dos vencimentos e reforço formal de garantias, "quando se verificaram as situações de incumprimento dos rácios mínimos de cobertura devido à desvalorização das ações do BCP em 2008".

Terá sido então num "quadro de engano", "causado, em parte relevante, por dolo dos bancos", que se verificou a exigência de execução dos contratos de financiamento nos seus precisos termos, sem as instituições bancárias "assumirem a sua quota-parte no risco da desvalorização das ações do BCP empenhadas", defende o empresário. O que entende violar as regras da boa-fé.

Quando começou a ter conhecimento do "erro" - o que diz ter sido apenas em 2015 -, "estava já consumada a venda das ações empenhadas e de outros ativos, como a participação na Sogrape, com a absorção do respetivo produto pelos bancos num total de € 231 milhões de euros".

Pede, assim, que os bancos o indemnizem pelo prejuízo sofrido, definindo o montante a partir da diferença entre o preço pelo qual as ações teriam sido vendidas nas datas de incumprimento dos rácios de cobertura e o preço pelo qual vieram a ser efetivamente alienadas, acrescido de juros e demais encargos dos empréstimos a partir daquelas datas.

Estado em "conluio" para "se apropriar" da arte

Ao longo da ação interposta, o comendador recorda com detalhe a sua vida, as distinções recebidas e 20 anos de atividades filantrópicas prosseguidas através da Fundação, destacando as coleções de arte disponibilizadas ao público nos seus museus (Coleção Berardo, Aliança Underground, Sintra Museu de Arte Moderna, Monte Palace Madeira, BAM, Museu do Azulejo, B-MAD e Palácio Bacalhoa). E acusa os então responsáveis da Caixa e do BCP de denegrirem deliberadamente a sua imagem para "desviar a responsabilidade dos seus legais representantes". Diz ainda que haveria um "plano mais completo", coordenado entre os bancos e os Ministérios da Cultura, da Justiça e das Finanças, um "conluio" com o objetivo de "se apoderarem" da sua arte.

"O próprio governo, com o maior despudor e certamente em entendimento com os bancos, assume como certo e seguro que a Coleção Berardo, arrestada, está nas mãos dos bancos, com os quais trata de arquitetar a respetiva apropriação", lê-se no processo. Onde se recorda que a dita arte estava "dada em comodato ao Estado e que o Estado não quis comprar pelo justo valor". Para ele, isso torna óbvia a intenção: "A ofensa é tanto mais grave e sentida quanto é certo que a então ministra justifica as ações a tomar (que manteve secretas) pela realização dos objetivos de garantir a integridade, a não-alienação e fruição pública das obras, estabelecendo como primeira prioridade o afastamento de Joe Berardo - e são esses mesmos objetivos os que estão assegurados ao Estado pelos acordos existentes com o comendador.

"Perseguição", entende, acusação que estende aos bancos, que diz terem conseguido, "com a sua atuação", fabricar uma imagem dele como "alguém que provocou danos superiores a mil milhões ao sistema financeiro português e o principal responsável por quase todos os custos que os portugueses suportaram com os seus desmandos" (DN-Lisboa, texto da jornalista Joana Petiz)

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