sexta-feira, maio 27, 2022

É possível um golpe de Estado na Rússia? Elites descontentes poderão repetir a história


É possível um golpe de Estado na Rússia? Há vários meses, a maioria dose analistas teria considerado a ideia como absurda. Atualmente, com a guerra na Ucrânia a causar pressão, a questão é relevante e até pode ser urgente. E esta questão foi complementada por outra: um líder que criou uma catástrofe tão imensa para o seu regime e país pode sobreviver? A especulação sobre um possível golpe é apenas isso – especulação. Como não há evidências diretas de que alguém em Moscovo esteja a planear um golpe, o melhor que se pode fazer, segundo o especialista sobre assuntos da Rússia do site ‘Bellingcat’, Christo Grozev, é tirar conclusões das condições existentes na Rússia e esperar que estejam certas.

A lista de males da Rússia é longa. O país vive atualmente um isolamento político quase completo, colapso económico iminente, crescentes dificuldades materiais e insatisfação, e uma derrota militar iminente. Assiste-se também à galvanização da NATO, que deverá acrescentar novos membros, e ao reforço da aliança dos EUA com a Europa.

Tudo isso acontece graças a Putin, que conseguiu reduzir o seu país a um estado subdesenvolvido do terceiro mundo com armas nucleares. É lógico que algumas elites políticas e militares russas possam querer substituir o homem que criou esta confusão. Foi assim que as elites furiosas reagiram em outros países com circunstâncias comparáveis. É também como reagiram no passado da Rússia. Em 1991, os comunistas da linha dura, descontentes com a perestroika, tentaram, e falharam, remover Mikhail Gorbachev do cargo. Em 1964, os camaradas de Nikita Khrushchev expulsaram-no. Em 1917, os bolcheviques de Lenine tomaram com sucesso o poder do Governo provisório em Petrogrado. Alguns meses antes disso, o general Lavr Kornilov não conseguiu derrubar o Governo.

Assim, as elites poderão repetir a história e dar um golpe contra Putin?

Uma resposta parcial a essa pergunta pode ser encontrada no excelente livro de Edward Luttwak de 1968, ‘Coup d’Etat: um manual prático’. O autor identificou três pré-condições de um golpe, todas manifestamente válidas para a Rússia de Putin. Em primeiro lugar, as condições sociais e económicas do país-alvo devem ser tais que limitem a participação política a uma pequena fração da população. Em segundo lugar, o Estado deve ser substancialmente independente e a influência de potências estrangeiras na sua vida política interna deve ser relativamente limitada. Finalmente, o Estado deve ter um centro político. Quando essas condições estão presentes, como na Rússia, os golpes são possíveis. Para que um golpe aconteça, no entanto, os seus conspiradores também devem controlar ou neutralizar a burocracia estatal e as suas forças de segurança, “ao mesmo tempo em que usam [a máquina do Estado] para impor controlo sobre o país em geral”.

Planeamento e tempo são fundamentais para golpes de sucesso. “A informação é o maior património” dos golpistas. Os conspiradores devem saber muito sobre as defesas do Estado, enquanto o Estado sabe pouco ou nada sobre os planos de golpe. A neutralização dos serviços de contra-inteligência do Estado é, portanto, uma prioridade. Os principais representantes das forças políticas de um país e do seu Governo devem ser presos. Estradas, aeroportos e comunicações terão de ser controlados para evitar que forças externas se apressem em auxílio do Governo em apuros. Edifícios-chave devem ser ocupados. O passo final, de acordo com Luttwak, é o “isolamento forçado das forças leais ‘hardcore'”. Uma vez alcançado um “grau satisfatório de penetração” das forças armadas e policiais, é hora de lançar o golpe.

Um golpe é possível

Se os potenciais golpistas da Rússia lessem Luttwak, eles teriam coragem. Todas as três pré-condições de um golpe estão presentes na Rússia. Há evidências claras de que elementos dentro das forças armadas e dos serviços de inteligência estão insatisfeitos com o curso da guerra contra a Ucrânia e com a forma como Putin lidou com essa guerra. Há também evidências crescentes de soldados que se recusam a lutar e de homens russos que se recusam a registar-se nos comissariados militares.

Os militares estão distraídos com a guerra na Ucrânia, enquanto o serviço secreto e a contra-inteligência estão focados em reprimir o descontentamento popular e combater a ameaça representada pelas forças especiais ucranianas e sabotadores guerrilheiros.

Como tanto poder está concentrado nas mãos de Putin, removê-lo equivale a tomar o Governo. Os conspiradores teriam de ser generais descontentes e oficiais do FSB ligados por amizade, com medo da destruição da Rússia como resultado da guerra. Não há razão para que tais indivíduos não possam encontrar uma linguagem comum e recrutar apoiantes para as suas fileiras. Também não há razão para que eles não possam mobilizar elementos importantes das forças armadas e serviços de segurança baseados em Moscovo. Os partidários obstinados de Putin obviamente lutariam, assim como alguns elementos da população. Mas, dada a economia em colapso, a contagem constante de sacos de cadáveres que regressam à Rússia, a humilhação militar na Ucrânia e a ausência de imprensa e sociedade civil livres na Rússia, as forças golpistas devem ser capazes de conter essa resistência e ganhar o controlo do Kremlin. Mas a história russa e a teoria da ciência política sugerem que um golpe é perfeitamente possível (Multinews, texto do jornalisdta Francisco Laranjeira)

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