Os números são considerados "graves" por atuais e antigos dirigentes militares que alertam para as consequências que podem gerar, como a de Portugal esgotar os seus recursos perante os compromissos que mantém com a NATO. “Podemos ter ainda resposta para esses compromissos, que são muitos, mas ficamos sem nada”, alerta o Tenente-General José Garcia Leandro, garantindo que a “situação que o País passa é grave” e salientando que “há muito tempo que os efetivos estão a cair”.
A solução, argumenta o Tenente-general na reserva, passa por subir os salários das bases, onde as várias associações do setor da Defesa garantem estar concentrado o problema, já que, como argumenta o Cabo-Mor Paulo Amaral, presidente da Associação de Praças, os salários das posições hierarquicamente mais baixas, equivalente ao Salário Mínimo Nacional, "estão a aproximar-se das posições remuneratórias logo acima da base, que não têm sido aumentadas".
Da mesma opinião é o major-General Vítor Viana, que foi chefe de gabinete do Ministério da Defesa Nacional entre 2005 e 2010, para quem o momento atual de guerra na Ucrânia deve ser aproveitado pelos decisores políticos para mudar o cenário: “Há uma maior abertura da opinião pública para justificar um maior investimento nas Forças Armadas”, diz, acrescentando: “Vão ter de aumentar o vencimento dos praças. Falta dar este passo em frente, enquanto não se der este passo, o efetivo vai continuar a baixar ano após ano”.
Vítor Viana, que foi também Diretor do Instituto de Defesa Nacional garante que, para além da saída de militares por não conseguirem desenvolver as suas carreiras, o recrutamento tem também sofrido com os baixos salários na carreira militar. “Tem-se feito imenso, tentámos por toda as vias dar aos jovens a informação de que as Forças Armadas são essenciais, mas não chega, falta subir os salários da base e tem havido alguma remitência em concordar com isto”, refere.
“Enquanto continuarem a tratar os militares de forma tão discriminatória, não há volta a dar”, avisa, por seu lado, o Sargento-mor António Lima Coelho, presidente da Associação Nacional de Sargentos, em declarações à CNN Portugal. O militar pede “coragem política” para mudar o Sistema Remuneratório das Forças Armadas, sublinhando que “não é revisto desde 2010” e que, por isso, "não tem em conta a inflação".
A tendência de perda de efetivos nas Forças Armadas tem-se mantido desde 2011 e, até 2019. Todos os anos cerca de mil militares abandonaram a Marinha, a Força Aérea e o Exército. A única excepção, salienta Paulo Amaral, da Associação de Praças, foi durante a pandemia, mais especificamente em 2020, quando foram dadas indicações pelo Governo para prorrogar contratos dos Militares que naquele ano os terminavam. Paulo sublinha, no entanto, que mal a medida terminou, após o primeiro semestre de 2021, “os efetivos voltaram a decrescer, levando ao problema que hoje assistimos”.
Para os Oficiais, Sargentos e Praças, esta tendência de perda de cerca de mil militares por ano deve manter-se em 2022, "o que é especialmente preocupante tendo em conta com a atual situação de guerra na Ucrânia e com os compromissos que Portugal mantém com a NATO", nota António Lima Coelho.
Outro “elemento que pesa de grande forma no abandono”, consideram duas das principais associações das Forças Armadas, são os descontos para a Assistência na Doença dos Militares, o regime que leva a que os militares paguem 3,5% do seu salário para terem acesso à prestação de cuidados de Saúde. Tanto a associação dos oficiais como a dos Sargentos pedem a abolição deste sistema, porque, explica o Sargento-Mor António Lima Coelho “o Estado exige que os militares estejam em permanente disponibilidade física e, perceba-se o absurdo, acciona disciplinarmente quem cometa excessos que os coloquem em situação de improntidão. Ora, deve ser o Estado a assegurar as condições da prontidão dos seus militares”.
A maior queda anual em termos de efetivos aconteceu de 2013 para 2014, altura em que Portugal perdeu 2214 efetivos. Esta descida aconteceu logo após ter sido implementado o programa “Reforma Defesa 2020”, em 2013, que visou racionalizar a despesa militar, impondo também um limiar máximo do efetivo que não podia ultrapassar os 32.000 militares.
As Forças Armadas são também o setor da Defesa que, desde 2011, perdeu mais efetivos em termos percentuais, com uma queda de 25,78%. Comparativamente, das sete forças e serviços de segurança em Portugal, só a Polícia Municipal e o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras têm um saldo positivo em termos de recursos humanos. A Polícia Municipal tinha até março 1.524 efetivos (mais 25,31% do que em 2011) e o SEF tem 1019 (uma variação positiva de 34,79%). Em sentido contrário, a Polícia Judiciária regista hoje menos 6% trabalhadores do que há dez anos, a GNR menos 2,58% e a PSP menos 5,59%. Há também menos 172 guardas prisionais do que em 2011, uma queda de 3,99%. Ainda assim, até março de 2022, os 25.616 efetivos militares registados pela AOFA estão acima dos da GNR (22.309), da PSP (20.708) e da Polícia Judiciária (2.179) (CNN- Portugal, texto do jornalista Henrique Magalhães Claudino)
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