As economias
insulares do tipo daquelas que nos interessam no contexto do presente trabalho,
que tem como ponto focal a Região Autónoma da Madeira, apresentam três características
que, por limitarem a possibilidade de beneficiarem dalguns daqueles fatores de
crescimento, são fundamentais para a explicação das dificuldades que as
economias insulares enfrentam para alcançaremos níveis de rendimento das
economias não-insulares que lhes servem de referência. As três características,
cujos efeitos interagem e se reforçam mutuamente, são a dimensão, a distância (ou
isolamento) e a vulnerabilidade.
. As economias
insulares são pequenas, o que restringe fortemente as economias de escala de
que podem beneficiar, o que por sua vez constitui um desincentivo ao investimento
naquelas economias. Além disso, a pequenez das economias insulares reduz a disponibilidade
de massa crítica para atividades de I&D e para o desenvolvimento de
clusters. Uma forma de contrariar a falta de dimensão consiste na
especialização da economia. Porém, tal comporta riscos, especialmente por
contribuir para uma forma de vulnerabilidade:
- a dependência
excessiva relativamente a um certo tipo de produção/exportação. Além disso, a
especialização requer uma forte inserção da economia insular no contexto
internacional, para o que é fundamental a existência de redes de transporte e de
comunicação com elevada qualidade. Contudo, a existência destas redes é dificultada
pela grande distância física entre as ilhas e os centros económicos relevantes,
distância essa que tem de ser percorrida em transporte aéreo ou marítimo, com custos
elevados. Certas dimensões da vulnerabilidade das economias insulares resultam da
pequenez (nomeadamente, a dependência de um número reduzido de bens/serviços
exportados, ou das remessas dos emigrantes, ou de apoios externos) e da
distância (dependência das redes de transporte e de comunicação). Outra vertente
importante da vulnerabilidade das economias insulares resulta do facto de
estarem frequentemente expostas a riscos naturais, que as projeções para o
clima indicam poderem estar a agravar-se.
Em face das
dificuldades impostas por aquelas três características, as estratégias de desenvolvimento
das economias insulares têm passado essencialmente pela internacionalização, que
tem de estar assente numa força de trabalho devidamente preparada para tal
(adequação do capital humano), bem como em infraestruturas adequadas, em
especial, boas redes de transporte e de comunicação. Essas redes podem
contribuir para a exportação do resultado da exploração de recursos naturais
relativamente abundantes em que a economia se especialize, mas podem também ser
fundamentais para o desenvolvimento de atividades ligadas ao turismo, ou para a
exportação de serviços que possam ser prestados à distância (por exemplo,
serviços financeiros, serviços a empresas, call centres).
Quase certamente, a
atração de empresas industriais de grande dimensão e impacto na economia
regional será difícil, dadas as dificuldades colocadas pelas três
características fundamentais discutidas acima. Com efeito, aquelas três
características confluem num aumento significativo dos custos das empresas
industriais, pelo que o incentivo a oferecer para conseguir atrair
investimentos industriais de monta terá certamente de ser bastante mais
expressivo do que o proporcionado por um regime de benefícios fiscais. Não será
pois de estranhar que, no caso da ZFM, o número de empresas industriais licenciadas
seja apenas cerca de 3% do total das empresas licenciadas.
Em comparação, a atração
de empresas de serviços que possam ser prestados à distância será mais fácil.
Além das redes de transporte e de comunicação, para conseguir atrair estes investimentos
será importante oferecer boas condições de vida na ilha e será provavelmente indispensável
oferecer benefícios que reduzam os custos de estabelecer e operar essas empresas
na economia insular. Porém, provavelmente refletindo as dificuldades em atrair outro
tipo de investimentos, as economias insulares da União Europeia mais bem-sucedidas
parecem ter seguido a via da aposta no turismo. Ainda segundo Armstrong e Read
(2003), as outras economias insulares bem-sucedidas foram as que se
especializaram na prestação de serviços financeiros (provavelmente configurando-se
como “paraísos fiscais”) ou na exploração de recursos naturais (principalmente
na extração de petróleo e nas pescas).
A opção pela
exploração de recursos naturais só é possível para as economias que efectivamente
dispõem de recursos naturais importantes. A aposta no turismo suscita críticas,
principalmente pelo facto de muitos dos empregos criados por esta via exigirem poucas
qualificações e serem relativamente mal remunerados. Além disso, a atividade
turística está sujeita a flutuações, muitas vezes causadas por fenómenos
imprevisíveis e totalmente fora do controlo dos agentes económicos da região –
recorde-se, por exemplo, o efeito de desastres naturais, ataques terroristas e sublevações
populares, para lá das flutuações cambiais e da imposição/remoção de obstáculos
às viagens.
Em face disto e das
dificuldades causadas pelas três características fundamentais das economias
insulares, provavelmente a opção mais fácil será por uma estratégia de
crescimento que inclua a atração de empresas de serviços financeiros.
No entanto, nos
últimos anos, um conjunto importante de países desenvolvidos tem adotado
posições cada vez mais restritivas relativamente à concorrência fiscal e aos
paraísos fiscais. Uma delas será a decisão de adotar 15% como possível taxa
mínima de tributação das empresas. Ainda que tal medida, de aplicação a determinados
grupos empresariais, implicando desagregação de contas por jurisdição, e ainda
outras complexidades aplicacionais, possa não ter uma influência decisiva sobre
a ZFM, não deixa, todavia, de criar um novo ambiente para a tributação das
multinacionais que os decisores terão de equacionar.
É neste contexto
algo desfavorável a regimes fiscais especiais que se discute agora o futuro da
ZFM. Apresentámos neste trabalho vários cenários de quantificação do efeito do eventual
fim dos benefícios fiscais oferecidos pela ZFM. Os cenários traçados, ao
contrário do que aconteceu nos estudos anteriores, assumem, com base na realidade
contabilística das empresas e na natureza dos benefícios fiscais, que, na
sequência da eventual extinção dos benefícios fiscais associados à ZFM, dela
saem entre 10% e pouco mais de 30% das empresas aí sediadas. Mesmo seguindo
estes cenários, a perda imediata de empregos oscila entre 1 255 e 3 426, representando
entre 1% e cerca de 3% da população na RAM). Nos cenários mais conservadores, a
perda de VAB chegaria a 219 milhões de euros, enquanto nos cenários mais prováveis
seria cerca de 400 milhões de euros, correspondendo a um intervalo compreendido
entre cerca de 10% e mais de 22% do VAB total da Região Autónoma da Madeira.
Embora os custos do
fim da ZFM sejam claros e significativos (sempre superiores a 219 milhões de
euros) do ponto de vista agregado, sob o prisma das finanças públicas
(regionais), o resultado imediato é incerto: é positivo na maioria dos
cenários, mas nunca ultrapassando os 18 milhões de euro, e é negativo noutros
cenários. Não é demais voltar a salientar que os eventuais benefícios imediatos
que podem ser sentidos nas contas públicas regionais podem ser absorvidos nos
custos agregados enunciados anteriormente.
Ora, tendo em conta
a natureza de região ultraperiférica, a concorrência internacional, a estrutura
setorial da região e a reconfiguração mundial das cadeias de valor na era
pós-pandémica, não se anteveem soluções alternativas que não passem pela
subsidiação à instalação de empresas de produção de bens transacionáveis, e atividades
de alto valor acrescentado, de forma a compensar um eventual encerramento da
ZFM (ou a redução dos benefícios fiscais a ela associados).
Esta política teria
necessariamente um custo fiscal associado que, do ponto de vista estrito das contas
públicas, se deveria comparar com as eventuais poupanças fiscais associadas ao encerramento
da ZFM.
De salientar,
ainda, que, como referimos acima, existe um movimento significativo, apoiado por
larga maioria de países, que procura definir e aplicar, nas condições definidas
no designado "Pilar 2", um patamar mínimo de 15% como taxa efetiva do
imposto sobre o rendimento das sociedades. O projeto BEPS (OECD, 2013)
desencadeou uma tendência mundial de combate ao planeamento fiscal, sendo os
territórios de baixa tributação vistos com crescente ceticismo. Todavia, a
história da coordenação internacional de políticas fiscais mostra a extrema dificuldade
na aplicação concreta deste tipo de medidas. Mais do que isso, os países
procuram retardar a efetiva concretização de medidas que lhes retirem competitividade
fiscal. Adicionalmente, é previsível que a concorrência fiscal se passe a evidenciar
na determinação da base tributável. O tipo de deduções ao lucro tributável, à
matéria coletável e à coleta do imposto passarão a ter maior pertinência. Neste
caso, o incremento das deduções associadas a atividades de I&D e de despesa
com trabalho altamente qualificado deveriam ser equacionados. E até,
porventura, um maior grau de exigência quanto a este tipo de atributos das
empresas aquando do respetivo processo de licenciamento. De facto, o TFUE, uma
vez classificada a RAM como região ultraperiférica, não impede a existência de
incentivos fiscais, ou de apoios especiais de natureza financeira, aos
investidores que contribuam para o desenvolvimento da Madeira. Estas são vias
negociais que se podem explorar.
O eventual fim da
ZFM, no figurino jurídico-fiscal hoje se conhece, não tem necessariamente que
privar a RAM de mecanismos de atração de investimento, desde que respeitando as
regras da UE. No estado atual de desenvolvimento da Região, a existência de formas
especiais (mais generosas quando comparadas com o todo nacional) de incentivo aos
investidores deve ser ainda um objetivo. A equipa de projeto constatou que
cerca de 50% (710 empresas em 1432, ver tabela V.4) das empresas com licença
ZFM ao longo de todo o ano de 2019, não tiveram atividade de vendas e
prestações de serviços, apesar de terem beneficiado de cerca de 3.5 milhões de
euros de benefícios fiscais. Numa futura eventual revisão do enquadramento
fiscal da ZFM, esta situação pode ser melhorada indexando a existência de
benefícios a atividade mercantil materialmente relevante. Do ponto de vista dos
benefícios externos ou sociais, embora se verifique uma atividade de I&D
que compara positivamente com a média da RAM, não existe uma clara evidência de
atração de trabalhadores mais qualificados ou a receber salários mais altos que
na RAM. Numa futura revisão do enquadramento fiscal da ZFM, uma melhoria dos
efeitos externos potenciais pode ser acautelada indexando a existência de benefícios
a atividades de investigação e desenvolvimento e/ou atração de trabalho
altamente qualificado, preferencialmente com parceiros nacionais, materialmente
relevantes.
Neste sentido é de
equacionar a manutenção do regime fiscal associado à ZFM ou a sua substituição
por um regime de apoios diretos, a negociar para as regiões ultraperiféricas junto
da UE e que privilegiem, na linha dos requisitos para os benefícios atribuídos
a empresas da ZFM, a criação de emprego qualificado, a reconfiguração setorial
e a melhor inserção da RAM nas cadeias de valor globais. Preconiza-se o apoio a
atividades com um grau assinável de efeitos positivos externos e inter temporais
eventualmente ligados ao tecido empresarial local mais dinâmico e inovador e às
valências da Universidade da Madeira (Estudo Custo-Benefício da Zona Franca da Madeira, realizado por António
Martins, Paulo Gama, Pedro Bação, Tiago Sequeira, todos da Faculdade de
Economia da Universidade de Coimbra e do CeBER – Center for Business and
Economic Research (o estudo foi encomendado como Prestação de Serviços
Externo pela Autoridade Tributária)
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