quinta-feira, maio 26, 2022

Estudo Custo-Benefício da Zona Franca da Madeira: Conheça as conclusões e caminhos alternativos


A literatura económica sobre os fatores que determinam as diferenças de níveis de rendimento entre os países salienta o papel do investimento (trabalhadores com mais e melhor stock de capital à sua disposição serão mais produtivos), do grau de escolarização da força de trabalho (uma força de trabalho com níveis mais elevados de instrução – mais “capital humano” – deverá ser mais produtiva, nomeadamente por tal facilitar a utilização de tecnologias mais avançadas ou mesmo contribuir para o seu desenvolvimento), da abertura ao comércio externo (que permite obter ganhos com a especialização, além de promover a adoção das melhores práticas internacionais, por exemplo, através da pressão exercida pela concorrência internacional), e das instituições (com destaque para a “liberdade económica”, em particular nas suas dimensões da defesa dos direitos de propriedade – através de bons sistemas legais – e da liberdade de comércio, que também se reflete na abertura ao comércio externo).

As economias insulares do tipo daquelas que nos interessam no contexto do presente trabalho, que tem como ponto focal a Região Autónoma da Madeira, apresentam três características que, por limitarem a possibilidade de beneficiarem dalguns daqueles fatores de crescimento, são fundamentais para a explicação das dificuldades que as economias insulares enfrentam para alcançaremos níveis de rendimento das economias não-insulares que lhes servem de referência. As três características, cujos efeitos interagem e se reforçam mutuamente, são a dimensão, a distância (ou isolamento) e a vulnerabilidade.

. As economias insulares são pequenas, o que restringe fortemente as economias de escala de que podem beneficiar, o que por sua vez constitui um desincentivo ao investimento naquelas economias. Além disso, a pequenez das economias insulares reduz a disponibilidade de massa crítica para atividades de I&D e para o desenvolvimento de clusters. Uma forma de contrariar a falta de dimensão consiste na especialização da economia. Porém, tal comporta riscos, especialmente por contribuir para uma forma de vulnerabilidade:

- a dependência excessiva relativamente a um certo tipo de produção/exportação. Além disso, a especialização requer uma forte inserção da economia insular no contexto internacional, para o que é fundamental a existência de redes de transporte e de comunicação com elevada qualidade. Contudo, a existência destas redes é dificultada pela grande distância física entre as ilhas e os centros económicos relevantes, distância essa que tem de ser percorrida em transporte aéreo ou marítimo, com custos elevados. Certas dimensões da vulnerabilidade das economias insulares resultam da pequenez (nomeadamente, a dependência de um número reduzido de bens/serviços exportados, ou das remessas dos emigrantes, ou de apoios externos) e da distância (dependência das redes de transporte e de comunicação). Outra vertente importante da vulnerabilidade das economias insulares resulta do facto de estarem frequentemente expostas a riscos naturais, que as projeções para o clima indicam poderem estar a agravar-se.

Em face das dificuldades impostas por aquelas três características, as estratégias de desenvolvimento das economias insulares têm passado essencialmente pela internacionalização, que tem de estar assente numa força de trabalho devidamente preparada para tal (adequação do capital humano), bem como em infraestruturas adequadas, em especial, boas redes de transporte e de comunicação. Essas redes podem contribuir para a exportação do resultado da exploração de recursos naturais relativamente abundantes em que a economia se especialize, mas podem também ser fundamentais para o desenvolvimento de atividades ligadas ao turismo, ou para a exportação de serviços que possam ser prestados à distância (por exemplo, serviços financeiros, serviços a empresas, call centres).

Quase certamente, a atração de empresas industriais de grande dimensão e impacto na economia regional será difícil, dadas as dificuldades colocadas pelas três características fundamentais discutidas acima. Com efeito, aquelas três características confluem num aumento significativo dos custos das empresas industriais, pelo que o incentivo a oferecer para conseguir atrair investimentos industriais de monta terá certamente de ser bastante mais expressivo do que o proporcionado por um regime de benefícios fiscais. Não será pois de estranhar que, no caso da ZFM, o número de empresas industriais licenciadas seja apenas cerca de 3% do total das empresas licenciadas.

Em comparação, a atração de empresas de serviços que possam ser prestados à distância será mais fácil. Além das redes de transporte e de comunicação, para conseguir atrair estes investimentos será importante oferecer boas condições de vida na ilha e será provavelmente indispensável oferecer benefícios que reduzam os custos de estabelecer e operar essas empresas na economia insular. Porém, provavelmente refletindo as dificuldades em atrair outro tipo de investimentos, as economias insulares da União Europeia mais bem-sucedidas parecem ter seguido a via da aposta no turismo. Ainda segundo Armstrong e Read (2003), as outras economias insulares bem-sucedidas foram as que se especializaram na prestação de serviços financeiros (provavelmente configurando-se como “paraísos fiscais”) ou na exploração de recursos naturais (principalmente na extração de petróleo e nas pescas).

A opção pela exploração de recursos naturais só é possível para as economias que efectivamente dispõem de recursos naturais importantes. A aposta no turismo suscita críticas, principalmente pelo facto de muitos dos empregos criados por esta via exigirem poucas qualificações e serem relativamente mal remunerados. Além disso, a atividade turística está sujeita a flutuações, muitas vezes causadas por fenómenos imprevisíveis e totalmente fora do controlo dos agentes económicos da região – recorde-se, por exemplo, o efeito de desastres naturais, ataques terroristas e sublevações populares, para lá das flutuações cambiais e da imposição/remoção de obstáculos às viagens.

Em face disto e das dificuldades causadas pelas três características fundamentais das economias insulares, provavelmente a opção mais fácil será por uma estratégia de crescimento que inclua a atração de empresas de serviços financeiros.

No entanto, nos últimos anos, um conjunto importante de países desenvolvidos tem adotado posições cada vez mais restritivas relativamente à concorrência fiscal e aos paraísos fiscais. Uma delas será a decisão de adotar 15% como possível taxa mínima de tributação das empresas. Ainda que tal medida, de aplicação a determinados grupos empresariais, implicando desagregação de contas por jurisdição, e ainda outras complexidades aplicacionais, possa não ter uma influência decisiva sobre a ZFM, não deixa, todavia, de criar um novo ambiente para a tributação das multinacionais que os decisores terão de equacionar.

É neste contexto algo desfavorável a regimes fiscais especiais que se discute agora o futuro da ZFM. Apresentámos neste trabalho vários cenários de quantificação do efeito do eventual fim dos benefícios fiscais oferecidos pela ZFM. Os cenários traçados, ao contrário do que aconteceu nos estudos anteriores, assumem, com base na realidade contabilística das empresas e na natureza dos benefícios fiscais, que, na sequência da eventual extinção dos benefícios fiscais associados à ZFM, dela saem entre 10% e pouco mais de 30% das empresas aí sediadas. Mesmo seguindo estes cenários, a perda imediata de empregos oscila entre 1 255 e 3 426, representando entre 1% e cerca de 3% da população na RAM). Nos cenários mais conservadores, a perda de VAB chegaria a 219 milhões de euros, enquanto nos cenários mais prováveis seria cerca de 400 milhões de euros, correspondendo a um intervalo compreendido entre cerca de 10% e mais de 22% do VAB total da Região Autónoma da Madeira.

Embora os custos do fim da ZFM sejam claros e significativos (sempre superiores a 219 milhões de euros) do ponto de vista agregado, sob o prisma das finanças públicas (regionais), o resultado imediato é incerto: é positivo na maioria dos cenários, mas nunca ultrapassando os 18 milhões de euro, e é negativo noutros cenários. Não é demais voltar a salientar que os eventuais benefícios imediatos que podem ser sentidos nas contas públicas regionais podem ser absorvidos nos custos agregados enunciados anteriormente.

Ora, tendo em conta a natureza de região ultraperiférica, a concorrência internacional, a estrutura setorial da região e a reconfiguração mundial das cadeias de valor na era pós-pandémica, não se anteveem soluções alternativas que não passem pela subsidiação à instalação de empresas de produção de bens transacionáveis, e atividades de alto valor acrescentado, de forma a compensar um eventual encerramento da ZFM (ou a redução dos benefícios fiscais a ela associados).

Esta política teria necessariamente um custo fiscal associado que, do ponto de vista estrito das contas públicas, se deveria comparar com as eventuais poupanças fiscais associadas ao encerramento da ZFM.

De salientar, ainda, que, como referimos acima, existe um movimento significativo, apoiado por larga maioria de países, que procura definir e aplicar, nas condições definidas no designado "Pilar 2", um patamar mínimo de 15% como taxa efetiva do imposto sobre o rendimento das sociedades. O projeto BEPS (OECD, 2013) desencadeou uma tendência mundial de combate ao planeamento fiscal, sendo os territórios de baixa tributação vistos com crescente ceticismo. Todavia, a história da coordenação internacional de políticas fiscais mostra a extrema dificuldade na aplicação concreta deste tipo de medidas. Mais do que isso, os países procuram retardar a efetiva concretização de medidas que lhes retirem competitividade fiscal. Adicionalmente, é previsível que a concorrência fiscal se passe a evidenciar na determinação da base tributável. O tipo de deduções ao lucro tributável, à matéria coletável e à coleta do imposto passarão a ter maior pertinência. Neste caso, o incremento das deduções associadas a atividades de I&D e de despesa com trabalho altamente qualificado deveriam ser equacionados. E até, porventura, um maior grau de exigência quanto a este tipo de atributos das empresas aquando do respetivo processo de licenciamento. De facto, o TFUE, uma vez classificada a RAM como região ultraperiférica, não impede a existência de incentivos fiscais, ou de apoios especiais de natureza financeira, aos investidores que contribuam para o desenvolvimento da Madeira. Estas são vias negociais que se podem explorar.

O eventual fim da ZFM, no figurino jurídico-fiscal hoje se conhece, não tem necessariamente que privar a RAM de mecanismos de atração de investimento, desde que respeitando as regras da UE. No estado atual de desenvolvimento da Região, a existência de formas especiais (mais generosas quando comparadas com o todo nacional) de incentivo aos investidores deve ser ainda um objetivo. A equipa de projeto constatou que cerca de 50% (710 empresas em 1432, ver tabela V.4) das empresas com licença ZFM ao longo de todo o ano de 2019, não tiveram atividade de vendas e prestações de serviços, apesar de terem beneficiado de cerca de 3.5 milhões de euros de benefícios fiscais. Numa futura eventual revisão do enquadramento fiscal da ZFM, esta situação pode ser melhorada indexando a existência de benefícios a atividade mercantil materialmente relevante. Do ponto de vista dos benefícios externos ou sociais, embora se verifique uma atividade de I&D que compara positivamente com a média da RAM, não existe uma clara evidência de atração de trabalhadores mais qualificados ou a receber salários mais altos que na RAM. Numa futura revisão do enquadramento fiscal da ZFM, uma melhoria dos efeitos externos potenciais pode ser acautelada indexando a existência de benefícios a atividades de investigação e desenvolvimento e/ou atração de trabalho altamente qualificado, preferencialmente com parceiros nacionais, materialmente relevantes.

Neste sentido é de equacionar a manutenção do regime fiscal associado à ZFM ou a sua substituição por um regime de apoios diretos, a negociar para as regiões ultraperiféricas junto da UE e que privilegiem, na linha dos requisitos para os benefícios atribuídos a empresas da ZFM, a criação de emprego qualificado, a reconfiguração setorial e a melhor inserção da RAM nas cadeias de valor globais. Preconiza-se o apoio a atividades com um grau assinável de efeitos positivos externos e inter temporais eventualmente ligados ao tecido empresarial local mais dinâmico e inovador e às valências da Universidade da Madeira (Estudo Custo-Benefício da Zona Franca da Madeira, realizado por António Martins, Paulo Gama, Pedro Bação, Tiago Sequeira, todos da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra e do CeBER – Center for Business and Economic Research (o estudo foi encomendado como Prestação de Serviços Externo pela Autoridade Tributária)

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