"Eu não estava à espera. Quando entrei, estava já lá o Mário Soares, e ficámos os três no parlatório. Eu ia lá para falar com o José Sócrates pessoalmente e ouvir da boca dele o que tinha para me dizer, mas não consegui estar sozinho com ele. Aliás, nem falei com ele, praticamente. O Soares falou o tempo todo, pontuado por algumas declarações do Sócrates, e eu mal abri a boca. O Soares fez ali um comício contra a 'canalhice' e a 'injustiça que isto é', e o outro acrescentava que sim, que era tudo uma 'canalhice' e não sei quê", declarou António Costa no contexto da descrição da única visita que fez ao antigo líder socialista e primeiro-ministro no Estabelecimento Prisional de Évora, a 31 de dezembro de 2014, onde encontrou Mário Soares, uma presença que não estaria prevista e que terá servido para condicionar o diálogo entre António Costa e o ex-governante detido.
"O Soares não estava para ir lá naquele dia. Portanto, o Sócrates mandou-o ir: em primeiro lugar, porque nunca quis ter uma conversa cara a cara comigo e, em segundo lugar, porque me quis condicionar através do Soares. O que, aliás, só agravou mais as minhas suspeitas sobre a coisa toda. E depois do que já vi, entretanto, e que o próprio Sócrates não desmente, concluo que ele, de facto, aldrabou-nos [ao PS]", remata.
À TVI, José Sócrates enquadra as declarações de António Costa na questão das heranças recebidas pela sua mãe, embora o atual primeiro-ministro seja omisso quanto a essa questão no livro de Joaquim Vieira. "Em primeiro lugar, eu pensava que essa acusação sobre a herança da minha mãe vinha do Ministério Público, vejo agora que vinha, afinal, da direção do Partido Socialista. E por isso, essas declarações apenas evidenciam a reserva mental com que direção do Partido Socialista sempre encarou Processo Marquês", disse José Sócrates.
"Pela frente alegavam que estavam em silêncio, mas por detrás faziam uma intriga contra mim e uma intriga baseada em falsidades. Essa falsidade que eu terei mentido sobre a herança da minha mãe é apenas uma falsidade", acrescentou, referindo que se viu "obrigado durante a instrução do processo Marquês a provar tudo" aquilo que diz "através das escrituras" que entregou acerca das heranças da sua mãe.
Num esclarecimento escrito enviado à agência Lusa por José Sócrates o ex-primeiro-ministro reitera estes argumentos e recusa ainda ter pedido que Mário Soares estivesse presente durante a visita que António Costa lhe fez à prisão. "Também não é verdade que eu 'tenha mandado ir o Soares' no dia em que o líder do PS me visitou na prisão. Esta afirmação é falsa. Que este episódio seja descrito por este jornalista e num livro sobre Mário Soares só torna tudo ainda mais repulsivo", declara.
José Sócrates estava na altura preso preventivamente no Estabelecimento Prisional de Évora por suspeita de corrupção, branqueamento de capitais e fraude fiscal qualificada. Na decisão instrutória da Operação Marquês, o juiz Ivo Rosa decidiu que José Sócrates, inicialmente acusado de 31 ilícitos, ia a julgamento por três crimes de branqueamento de capitais e três de falsificação de documentos. O caso encontra-se ainda em fase de recurso no Tribunal da Relação de Lisboa (Jornal de Notícias)
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