domingo, abril 17, 2022

Le Monde Diplomatique: O mercado dos hidrocarbonetos virado do avesso


Prescindir do gás e do petróleo russos é um objectivo mais fácil de atingir para os Estados Unidos do que para a Europa. Muitos países exportadores, pouco desejosos de alienar Moscovo, resistem a substituir-se à Rússia. Definir como alvo «a principal artéria da economia russa» proibindo as importações de petróleo, de gás e de outros produtos energéticos provenientes da Rússia: é esta a estratégia adoptada pelos Estados Unidos, a 6 de Março, para punir Moscovo depois da invasão militar da Ucrânia. «Nós não vamos participar no financiamento da guerra de [Vladimir] Putin», declarou o presidente Joe Biden, que em seguida precisou que os importadores americanos tinham quarenta e cinco dias para rescindir os contratos de aquisição. Os europeus, a começar pela Alemanha, não seguiram completamente esta via, ainda que tenham anunciado que pretendem libertar-se da dependência em relação ao abastecimento russo. «Não podemos depender de um fornecedor que nos ameaça explicitamente», declarou Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia (8 de Março). Nos dois casos, a intenção é a mesma: o bloqueio ao petróleo e ao gás natural russos será, a prazo, de dimensão considerável e prolongado, ainda que Berlim espere que um rápido regresso à paz na Ucrânia permita regressar à situação prevalecente antes da invasão. Perfila-se, portanto, uma grande reorganização do comércio mundial dos hidrocarbonetos, com os ocidentais a precisarem de encontrar novos fornecedores e Moscovo a precisar de novos clientes.

O desafio é particularmente complicado para a Europa, uma vez que 62% das suas importações provenientes da Rússia dizem respeito à energia. Em Novembro, o Velho Continente comprou a Moscovo, respectivamente, 20% das suas necessidades de petróleo, 40% das de gás natural e 50% das de carvão. A Alemanha, principal potência económica da região, é ainda mais dependente na medida em que 55% do gás natural que consome é russo (42% do petróleo e 45% do carvão). Berlim decidiu cortar, até ao fim do ano, os abastecimentos de petróleo e de carvão importados da Rússia, mas não poderá fazer o mesmo, a curto prazo, com o gás natural, a menos que adopte medidas drásticas (cortes no aquecimento, redução da iluminação pública, limitação das actividades económicas, etc.) que são susceptíveis de provocar uma importante crise energético-económica. França está menos exposta porque o crude que compra à Rússia representa 8,7% das suas importações de petróleo (17% do gás natural).

Esta vontade europeia de se afastar de Moscovo esbarra, contudo, num panorama petrolífero e gasífero imobilizado que dificilmente mudará tão depressa quanto é exigido pela aplicação de um embargo mais ou menos imediato. Por exemplo, a Noruega, que abastece actualmente 20% do consumo europeu, é vista como o recurso ideal, nomeadamente no plano político. Mas o reino terá dificuldade em responder a uma procura suplementar. «O governo está em contacto com as empresas encarregadas da produção e das exportações através dos gasodutos, e eles estão a abastecer gás no limite das suas capacidades», adverte a propósito o primeiro-ministro norueguês Jonas Gahr Støre (8 de Março). Segundo as estimativas dos especialistas, na melhor das hipóteses serão precisos nove meses para que a produção norueguesa possa aumentar significativamente. A situação é idêntica nos Países Baixos, o outro produtor no mar do Norte.

Outros fornecedores da Europa são também incapazes de aumentar duradouramente a sua produção de hidrocarbonetos e encontram-se mais, portanto, numa posição de vendedores do que de substitutos da Rússia no longo prazo. É o caso da Argélia, que tem já dificuldade em produzir a totalidade da sua quota petrolífera na Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), (...)  (Le Monde Diplomatique, texto do jornalista  Akram Belkaïd)

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