Os bancos norte-americanos deixaram a Rússia, mas isso não significa que tenham deixado de ganhar dinheiro com a terrível invasão do Kremlin à Ucrânia. A venda da dívida russa associada à campanha do presidente russo Vladimir Putin na Ucrânia e as sanções que se seguiram criaram uma janela de oportunidade para um novo tipo de arbitragem que está a ser aproveitada por alguns no mundo da finança, que a veem como uma hipótese de ganhar dinheiro fácil. A ideia é aquilo que é conhecido como uma transação de base negativa, ou seja, comprar obrigações do governo ou de empresas russas a um preço muito baixo juntamente com swaps de risco de inadimplência, que funcionam como um seguro contra um potencial incumprimento por parte do devedor. Normalmente, este tipo de transações não faz sentido, mas com os investidores institucionais a procurar retirar rapidamente das suas carteiras qualquer coisa relacionada com a Rússia, os preços das obrigações caíram mais rápido do que a subida do preço para protegê-las.
O volume de transações de dívida privada russa subiu para um máximo de dois anos desde a invasão da Rússia, de acordo com a Bloomberg News. Dados do site MarketAxess mostram que a dívida soberana russa negociou um volume de 7 mil milhões de dólares entre 24 de fevereiro e 7 de abril, uma subida de 35% face aos 5 mil milhões no período análogo de 2021.
As obrigações russas estão a ser negociadas intensamente, disse Philip M. Nichols, um especialista na Rússia e na responsabilidade social na área empresarial e professor da Escola Wharton da Universidade da Pensilvânia. “Há muitos especuladores que estão a comprar estas obrigações que sofreram uma descida severa e estão prestes a tornar-se lixo”, disse. Nichols diz que recebe chamadas constantemente de analistas interessados em saber se a potencial transação faz sentido. “O spread da dívida soberana russa é assombroso neste momento”, disse. “Eles estão a ganhar uma quantidade invulgar de dinheiro relativamente a esse volume.” O custo para segurar a dívida russa subiu para 4300 pontos base em 5 de abril, quando no dia anterior era de 2800.
Ao mesmo tempo, as taxas de obrigações caíram drasticamente -- com as obrigações a vencerem em 2028 a serem negociadas a apenas 0,34 cêntimos de dólar. Isto significa que podem ser necessários pouco mais de 4 milhões de dólares para segurar 10 milhões de dólares em títulos russos, informou o The Economist.
Alguns fundos especulativos como o Aurelius Capital Management, o GoldenTree Asset Management e o Silver Point Capital aumentaram a sua exposição aos mercados russos, principalmente através da compra de obrigações de empresas, informou o Financial Times no final de março. Certas instituições financeiras dos EUA como a JPMorgan Chase e a Goldman Sachs estão a facilitar estas transações, conectando os clientes que querem desfazer-se das suas posições a fundos especulativos que têm uma maior tolerância ao risco e um menor dilema moral relativo à compra de dívida russa.
“Isto é Wall Street”, disse Kathy Jones, estrategista-chefe de rendimentos fixos do Centro Schwab para a Investigação Financeira. “Não me surpreende que tenham visto algum tipo de lacuna que pudesse ser explorada para ganhar dinheiro.” Os representantes da JPMorgan dizem que estão a agir enquanto intermediários, estando simplesmente a procurar ajudar os clientes. “Enquanto formadores de mercado, temos estado a ajudar clientes a reduzir os seus riscos e a gerir as suas exposições à Rússia nos mercados secundários. Nenhuma das transações viola as sanções ou beneficia a Rússia”, disse um porta-voz.
Se os clientes quisessem desfazer-se rapidamente da sua exposição à Rússia, poderiam recorrer aos oligarcas russos que comprariam de volta com todo o prazer títulos soberanos, disse Robert Tipp, estrategista-chefe de investimentos e diretor de Obrigações Globais da PGIM Fixed Income. A venda de dívida russa a fundos especulativos dos EUA mantém os juros acumulados fora de mãos russas.
As transações são legais e lucrativas, disse Nichols, mas altamente especulativas e sujeitas a grandes oscilações com base nas notícias da invasão da Rússia à Ucrânia e em futuras sanções.
Isto também ilustra uma desconexão alarmante entre Wall Street e o estado atual da economia global: normalmente, os investidores baseariam a sua avaliação da dívida russa com base na probabilidade de ser paga, a qual estaria dependente da resistência e durabilidade da economia russa. Mas não é isso que está a acontecer. As novas sanções por parte do Tesouro dos EUA na terça-feira, que bloquearam o acesso da Rússia a quaisquer montantes em dólares que tivessem em bancos americanos, aumentaram significativamente as hipóteses de que a Rússia venha a incumprir no pagamento da sua dívida e que assista a uma queda no seu produto interno bruto, a principal medida da força económica de um país.
O Congresso dos EUA votou esta semana para retirar o estatuto comercial da nação mais favorecida à Rússia, uma forte depreciação a nível económico que abriria o caminho a sanções mais profundas e a um controlo na importação de produtos essenciais para a Rússia, como produtos químicos e aço. A retirada deste estatuto, disse Nichols, irá quebrar a integração da Rússia na economia global. Se Wall Street estivesse associada ao mundo real, acrescentou, não iria querer sequer aproximar-se da dívida russa. “A dívida russa é uma área para quem está disposto a correr altos riscos”, disse Nichols, “e as instituições provavelmente devem manter-se longe disso" (CNN-Portugal, texto da jornalista Nicole Goodkind)
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