segunda-feira, abril 18, 2022

Famílias dos tripulantes do navio de guerra afundado exigem respostas. E até a televisão estatal já questiona a versão russa



Denúncias dos familiares dos tripulantes do Moskva começam a surgir nas redes sociais e por toda a imprensa. Internamente, a Rússia começa a questionar-se, sobretudo quando um pivô reconhecido da televisão estatal russa faz perguntas incómodas. As perguntas acerca do navio de guerra russo que se afundou na semana passada, no Mar Negro, o 'Moskva', começam a entrar nas casas a partir dos televisores, no país que se tem mantido à sombra do recato imposto pela censura e pela força militar. Tudo porque um importante pivô da televisão estatal russa exigiu respostas sobre o acontecimento durante a emissão do canal televisivo russo.

O navio-almirante da frota russa do Mar Negro afundou-se após ter sido atingido por dois mísseis ucranianos, naquilo que as autoridades norte-americanas e de Kiev qualificaram como um duro golpe para a capacidade naval da Rússia. A Federação Russa confirmou que o navio se afundou, mas alegou que a destruição tinha sido provocada por "tempestades fortes" e por um incêndio que causou a detonação das munições que se encontravam a bordo. A 14 de abril, o Ministério da Defesa da Rússia dizia que todos os membros da tripulação tinham sido retirados da embarcação, não confirmando a existência de mortos ou feridos.

A mãe de um sobrevivente, contudo, conta uma história diferente. O filho, marinheiro, disse-lhe que cerca de 40 pessoas morreram, muitas ficaram feridas e outras estão desaparecidas, em consequência do naufrágio. O jornal "Novaya Gazeta Europe" publicou as declarações da mulher - que não quis ser identificada, por temer pela sua segurança - no domingo passado e adiantou ter analisado documentos que provam que o filho serviu na Marinha, mas sem dispor de provas específicas de que estava a bordo do 'Moskva' quando o navio se afundou.

"Há mortos, feridos, desaparecidos. O meu filho telefonou-me mal eles obtiveram telefones. Tiveram de deixar os documentos e telefones [pessoais] no [navio]. Ligou-me a chorar pelo que viu. Foi assustador. Claro que nem todos sobreviveram."

Mas esta é apenas a ponta do icebergue, de acordo com o jornal "The Washington Post". Após este relato, perguntas de outras pessoas que afirmam ser parentes de membros da tripulação do 'Moskva' também começaram a surgir nas redes sociais e foram difundidas pela imprensa russa.

No domingo, um utilizador da plataforma VKontakte afirmou que os comandantes do navio o contactaram dizendo que o filho, Yegor, que é recruta, estava entre os desaparecidos. A Rússia "tinha dito que toda a tripulação tinha sido retirada", escreveu Dmitry Shkrebets. "É mentira! Uma mentira descarada e cínica! Depois das minhas tentativas para esclarecer os detalhes do acidente, o comandante do navio deixou de comunicar comigo. Apelo a toda a gente que não tem medo, nem é indiferente, para que transmita esta mensagem em cada oportunidade que tenha, para não vermos esta tragédia abafada."

Mais tarde, o pai de Yegor adiantou que três famílias de diferentes regiões da Rússia entraram em contacto e revelaram-lhe que três dos seus filhos também se encontravam em parte incerta.

Durante dias, desde que o 'Moskva' se afundou no Mar Negro, Yulia Tsyvova procurou desesperadamente informações sobre o filho, Andrei. Como centenas de outras famílias russas, não foi informada sobre se o filho tinha sobrevivido ao ataque com mísseis ucranianos. Na manhã de segunda-feira, Yulia Tsyvova recebeu o telefonema temido do Ministério da Defesa russo. O filho estava morto. "Ele tinha apenas 19 anos, era um recruta", disse Yulia Tsyvova, que chorou ao falar por telefone com jornalistas do "Guardian". Não lhe adiantaram mais nada, nem sequer a "data do funeral", mas a mãe de Andrei encheu-se de certezas: "Estou certa de que ele não é o único que morreu."

A tripulação estimada do 'Moskva' é de 510 pessoas. O número total de mortos, feridos e desaparecidos permanece em segredo de Estado. Os esforços para abafar informações sobre as mortes fizeram surgir comparações com o incidente do submarino 'Kursk', que fez 118 mortes e que abalou o prestígio do ainda jovem Presidente Vladimir Putin, em 2000.

"Este regime nunca foi muito transparente sobre baixas", diz Alexander Gabuev, membro sénior do Carnegie Moscow Center, citado pelo jornal "The Guardian". Alexander Gabuev elenca as operações militares da Rússia na Ucrânia e na Síria e ainda as investigações sobre ataques em Beslan e no teatro Dubrovka.

Um dos motivos pelos quais a Rússia não deverá querer revelar o número certo de óbitos é o temor do regime pelo possível escrutínio sobre o uso de recrutas russos no teatro de guerra, algo que Putin tinha negado explicitamente no início da invasão da Ucrânia.

O Ministério da Defesa foi forçado a admitir que havia enviado recrutas depois de alguns terem sido capturados na Ucrânia durante as primeiras semanas da guerra, mas assegurou que não recorreria mais a pessoas tão novas e inexperientes. O escrutínio parece ser inevitável. Na televisão estatal russa, um pivô amplamente reconhecido disse estar "furioso" com o ocorrido e chegou a deixar uma rara nota de desagrado para com as autoridades.

"Expliquem-me apenas como conseguiram perdê-lo! Digam-me por que diabos estavam naquela zona do Mar Negro naquele momento." A indagação de Vladimir Solovyov, durante um programa que conduz durante o horário nobre dos fins de semana, chegou a muitas famílias russas: "Por que é que o sistema de extinção de incêndio não funcionou e a embarcação ardeu praticamente de dentro para fora? (Expresso, Texto da jornalista Catarina Maldonado Vasconcelos)

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