domingo, abril 17, 2022

Le Monde Diplomatique: O que é que tem dado gás aos preços da energia?

Ao contrário do que afirmam os neoliberais, o aumento dos combustíveis e da energia não se resolverá apenas com medidas de fiscalidade. Além de reflectir o aumento do custo das matérias-primas, ele resulta do aumento das margens de comercialização das empresas. Sem actuar sobre preços e margens, o Estado dificilmente reduzirá a factura da energia no imediato nem planeará a descarbonização. Os preços dos combustíveis e da energia voltaram ao centro do debate público. Depois do aumento significativo registado ao longo do ano passado, os preços dos combustíveis voltaram a subir substancialmente no primeiro trimestre deste ano, à semelhança do que tem acontecido com o gás natural e a electricidade. No início do mês de Março, encher o depósito de um automóvel já custava 8% do salário médio nacional. Além do esforço acrescido para quem tem de utilizar diariamente o carro para ir trabalhar, a indústria já está a sentir o impacto destes aumentos, que ameaçam contagiar o resto dos sectores.

A invasão russa da Ucrânia e a guerra económica que os países ocidentais, com os Estados Unidos e a União Europeia à cabeça, lançaram à Rússia estão a gerar impactos significativos. Embora a União Europeia ainda não se tenha comprometido a cortar definitivamente as importações de combustíveis fósseis da Rússia, que representam uma parte substancial do comércio entre os dois blocos, o bloqueio dos Estados Unidos e o clima de enorme incerteza já têm contribuído para fazer aumentar os preços do petróleo. No dia 7 de Março, o preço do barril de Brent, que serve de referência ao mercado europeu, chegou quase aos 140 dólares, o valor mais alto desde 2008.

Para perceber como é que isso afecta o preço dos combustíveis, é preciso olhar para os diversos factores que determinam a sua evolução. Em Portugal, o preço da gasolina e do gasóleo nos postos de abastecimento costuma ser actualizado semanalmente e varia de acordo com vários factores: as cotações internacionais dos produtos refinados, a cotação do euro face ao dólar (que determina alterações no poder de compra dos países da Zona Euro), os custos associados à incorporação de biocombustíveis, os custos de logística (que estão relacionados com o transporte, armazenamento, distribuição e comercialização) e os impostos cobrados pelos Estado.

A direita encontrou nos impostos o principal motivo para os preços elevados que se praticam neste sector. O argumento é sustentado no facto de os impostos representarem à volta de metade do preço pago pela gasolina e pelo gasóleo quando se abastece o depósito de um automóvel. A tributação dos combustíveis é feita através do imposto sobre produtos petrolíferos (ISP), que corresponde a um valor fixo, do imposto sobre o valor acrescentado (IVA), que é proporcional (corresponde a 23% do preço global), e ainda de uma taxa sobre o carbono, justificada por critérios de sustentabilidade ambiental e cujo objectivo seria desincentivar o consumo destes produtos. Face ao aumento dos preços, a redução dos impostos sobre a gasolina e o gasóleo foi uma das bandeiras dos partidos de direita (Partido Social Democrata, Chega, Iniciativa Liberal e CDS - Partido Popular) durante a campanha para as eleições legislativas de Janeiro de 2022 e foi o tema escolhido por Luís Montenegro para lançar a sua putativa candidatura à liderança do PSD.

Mas a verdade é que o governo de António Costa já tinha aprovado uma redução extraordinária do ISP em Outubro de 2021 e os preços não deixaram de subir. Embora os impostos tenham um peso relevante no preço final da gasolina e do gasóleo em Portugal, estes não se afastam substancialmente da média europeia. De acordo com os dados publicados pela Comissão Europeia no início de Março, representam cerca de 52,5% do preço da gasolina e 46,5% do gasóleo, face às médias de 50,5% e 44,6% na Zona Euro, respectivamente. Se olharmos para o preço médio de venda de ambos os produtos antes de impostos, Portugal continua a ter um dos mais altos da Europa.

Se o preço continua a aumentar bastante num contexto em que os impostos não se alteram, é preciso olhar para outras variáveis. No ano passado, a ENSE — Entidade Nacional para o Sector da Energia — publicou um estudo exaustivo sobre a evolução dos preços dos combustíveis em Portugal e chegou a outra conclusão: além do aumento do custo das matérias-primas, outro factor responsável pela subida acentuada dos preços nos últimos meses tem sido a margem de comercialização das empresas do sector. A ENSE diz que «a margem média anual [em 2020 e 2021] foi superior à média registada em 2019, período anterior à pandemia».

Cartel? Qual cartel?

Num sector naturalmente concentrado, há indícios da existência de um cartel bastante proveitoso para os seus intervenientes, sobretudo tendo em conta que as quatro maiores empresas detêm uma quota de mercado superior a 80%. É algo que o próprio governo reconhece. O ministro do Ambiente, João Matos Fernandes, acusou as petrolíferas de actuarem de forma concertada na fixação dos (...) (Le Monde Diplomatique, texto do jornalista Vicente Ferreira)

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