segunda-feira, abril 18, 2022

“Não tememos a Rússia. Aderir à NATO vai causar uma reação, mas teremos Noruega, Dinamarca, Finlândia, Suécia, um bloco nórdico forte”


René Nyberg foi diplomata e embaixador e representou, durante muitos anos, a Finlândia na Rússia e em Bruxelas. Em entrevista ao Expresso, resume com pragmatismo a possibilidade de adesão à NATO: para hoje já é tarde. Os investigadores Ilkka Liikanen e Kimmo Rentola dão-lhe razão, e os três concordam: a Finlândia está preparada para as hostilidades russas que se seguirão. Éuma longa história a que entrelaça Finlândia e Rússia, mas a corda começa a partir-se. Que o diga René Nyberg, diplomata finlandês que integrou, nos anos 1970, o Ministério dos Negócios Estrangeiros, representando o país em Bruxelas, mas também em Leninegrado e Moscovo. Em entrevista ao Expresso, o antigo representante da comissão finlandesa-russa para matérias da economia comum e autor de “Finland and Nordic Security” lembra que, apesar das sucessivas ameaças russas, a 'mudança de jogo' ocorreu em 2014.

Até então, rememora o embaixador, a Finlândia seguiu uma linha própria de raciocínio para a Defesa, mesmo durante a Guerra Fria. "A Finlândia, ao contrário de muitos outros países, como a Suíça e a Alemanha, nunca pensou que a paz tinha sido interrompida nos anos 1990. Nunca diminuímos a nossa Defesa, nunca suspendemos o recrutamento. Até renovámos a nossa Defesa com barcos F18, em 1992. Isto é, mantivemos a ideia de Defesa do território."

"Em 2014, com a anexação da Crimeia, e com a guerra atroz na Ucrânia, o nosso pensamento sobre a Defesa mudou", sustenta René Nyberg. Tal como o embaixador e antigo diplomata finlandês, Ilkka Liikanen, analista que estuda as relações entre a União Europeia e a Rússia, defende que a mudança de sentimento na Finlândia, em relação à adesão à NATO, não é de agora. "Tal como a Alemanha, a Finlândia defendia que o melhor passo teria sido envolver a Rússia em mais políticas europeias. Desde 2014, muita coisa mudou, e a Finlândia tem sido mais perentória em dizer que faz parte do Ocidente, e intensificou o seu estatuto de parceiro da NATO." Trocando por miúdos, a política finlandesa passou a enfatizar o Ocidente, como o espaço de influência que inclui os países que seguem as regras do direito internacional.

Este ponto de clivagem levou a uma cooperação militar muito vasta e rápida com a Suécia. De acordo com René Nyberg, esse estreitamento de laços progrediu "muito mais rapidamente do que o que alguém poderia imaginar". Era preciso auxiliar a Suécia, um parceiro histórico, sublinha o embaixador finlandês. "As forças suecas foram grandemente reduzidas. Ainda têm uma Marinha potente, com um submarino muito forte, e têm uma Força Aérea robusta e serviços secretos competentes. Mas não tinham realmente um exército..."

Neste novo capítulo da História, porém, a Defesa está a ser concentrada e desenvolvida de acordo com uma realidade "alterada", que, segundo o diplomata, se baseia na "forma como a Rússia lida com os seus vizinhos". A invasão total da Ucrânia, e, consequentemente, as atrocidades de uma guerra clássica, mudaram a Europa, assinala René Nyberg. "A Rússia cortou os laços com a Europa, e vemos a unanimidade dentro da UE e da NATO... Nunca vimos os Estados Unidos tão próximos como agora."

ADERIR À NATO? SIM, E RAPIDAMENTE!

A guerra na Ucrânia também fez ressurgir o debate em países como a Finlândia e a Suécia, que pensam dar o próximo passo: aderir à NATO. "A opinião pública mudou para o 'sim'; era um 'talvez', agora é 'sim'", diz o diplomata finlandês, referindo-se à sondagem que apurou a aprovação de 62% por parte da população finlandesa (contra 16% das pessoas, que se opõem).

A política, como sempre, pode funcionar como catalisador. "Há uma datas que é importante para a Suécia: há eleições legislativas em setembro. A decisão de aderir à NATO deve surgir rapidamente. A Suécia tem um Governo social-democrata com uma maioria muito modesta, que fará tudo o que é possível para evitar 'eleições NATO' em setembro. Vão querer resolver o problema antes."

Kimmo Rentola, professor de História Contemporânea na Universidade de Helsínquia e investigador nas áreas das relações Finlândia-Rússia e Guerra Fria, garante que a integração da Finlândia na Aliança Atlântica depende de muitos fatores, em primeiro lugar da Suécia. "A maioria dos finlandeses, e, provavelmente, também a maioria dos suecos, preferiria uma solução em que os dois países tomassem a mesma decisão", justifica.

FINLÂNDIA E SUÉCIA ESTARÃO “PREPARADAS” PARA SE DEFENDEREM DAS REAÇÕES RUSSAS

Kimmo Rentola, também fundador da organização Historians without Borders, afasta, para já, a hipótese de invasão do território finlandês, apesar das ameaças do Kremlin. "O risco existe, mas não é considerado particularmente alto, neste momento. A Finlândia nunca foi membro da União Soviética, que parece ser o principal modelo que ocupa a mente de Putin. Também não foi submetida aos soviéticos, como eram as democracias populares. E, se Putin se lembrar da História - como se lembra -, certamente recordará a resistência que a Finlândia foi capaz de oferecer durante a II Guerra Mundial. Entre os participantes europeus nessa guerra, apenas três capitais não foram ocupadas por forças inimigas: Londres, Moscovo e Helsínquia."

O sentimento em relação à Ucrânia e à Polónia não se compara ao que Putin possa sentir pela Finlândia, reforça René Nyberg. "Nunca fizemos parte do 'mundo russo'; durante um século, fizemos parte do império russo, mas nunca culturalmente. Sempre integrámos um 'mundo cultural sueco'. O sueco é a segunda língua mais falada na Finlândia, e culturalmente somos próximos. Temos a mesma legislação e somos todos luteranos."

Pode estar ainda viva a recordação do Pacto Molotov-Ribbentrop (entre a Alemanha nazi e a URSS, de Estaline), que, em 1939, levou à ocupação dos Estados bálticos, à divisão da Polónia e à guerra de inverno contra a Finlândia, resolvida com um acordo de paz e com a perda de 10% do território finlandês. No entanto, o antigo diplomata argumenta que a Finlândia foi capaz, nessa época, de impor um ponto decisivo para evitar que nostalgias futuras comandassem exércitos. Todas as pessoas foram retiradas - nem os gatos ficaram para trás -, o que impediu uma 'irredenta' e um 'risorgimento' à finlandesa.

"Quando a União Soviética se desintegrou, em 1991, fizemos o mesmo que os suecos: juntámo-nos à União Europeia; foi como um regresso a casa." É assim que René Nyberg arruma o assunto da proximidade entre a Finlândia e a Rússia, que Ilkka Liikanen também resume ao essencial: "Depois da II Guerra Mundial, havia um acordo de cooperação e ajuda mútua com a União Soviética, ligando a Finlândia à Rússia, mas não como os países da Europa de leste, porque não havia sequer cooperação militar."

“EXPANSÃO” DA NATO OU POLÍTICA DAS “PORTAS ABERTAS”

"Temos dito repetidamente que a própria Aliança [Atlântica] é mais um instrumento de confronto. Não é uma aliança que garanta a paz e a estabilidade, e o seu futuro alargamento, evidentemente, não trará segurança adicional ao continente europeu", comentou o porta-voz presidencial russo, Dmitri Peskov, após ser confrontado com as declarações dos líderes dos dois países nórdicos que agora desejam integrar a Aliança Atlântica.

René Nyberg não tem dúvidas, no entanto, de que o problema nunca foi a aliança. "Putin estava a troçar de nós. Ele fez-nos acreditar que o problema era a expansão da NATO, mas esse não era o problema. Ele tinha apenas uma ideia na cabeça: a Ucrânia. E nós não acreditávamos que ele começasse uma guerra, mas estávamos enganados."

A Finlândia, entre o leste e o ocidente, constata, sem dúvidas, que o sistema europeu foi "abanado", e vê a escalada da guerra a afetar o país, mas está pronta, assevera o antigo diplomata. "Temos uma Defesa forte, não tememos os russos, não nos sentimos ameaçados. Claro que juntarmo-nos à NATO vai causar uma reação por parte da Rússia. Eles não gostam, mas, depois do que fizeram na Ucrânia, este é o passo certo. E fazemo-lo com os suecos. Teremos a Noruega, a Dinamarca, a Finlândia, a Suécia... Um bloco nórdico, que será muito forte e estabilizará a situação no Norte."

"Não é um passo ofensivo contra a Rússia, mas sim defensivo", faz questão de frisar René Nyberg, que lamenta que a Rússia seja "não confiável" e "instável". O historiador Ilkka Liikanen acredita que, mediante o temperamento dos governantes de Moscovo, o país nórdico pode esperar, pelo menos, que ocorram ciberataques a estruturas importantes, como reação à "ação hostil" de adesão à NATO. "As relações entre a Finlândia e a Rússia, aliás entre a UE e a Rússia, serão afetadas durante um período muito longo", acrescenta o especialista em relações Finlândia-Rússia. "Tão cedo não se terá uma política de boa vizinhança."

René Nyberg é pragmático quando o assunto é ao país liderado por Vladimir Putin: Suécia e Finlândia devem prevenir-se tanto quanto puderem. "Se a Rússia não quer invadir a Suécia ou a Finlândia, porque não quer que se juntem à NATO?" Bingo!, responde o diplomata (Expresso, Texto da jornalista Catarina Maldonado Vasconcelos)

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