A ciência é clara: as alterações climáticas são “inequívocas” e muitos dos seus impactos revelam-se já "irreversíveis". A poucas horas da ONU divulgar o mais recente relatório do seu painel científico (IPCC) – sobre o que o mundo precisa de fazer para combater as alterações climáticas e cortar as emissões com origem em combustíveis fósseis – o Expresso faz um apanhado do que vários estudos e relatórios nos dizem sobre a crise climática que já estamos a viver. Perto de metade da população da Terra (cerca de 3,6 mil milhões de pessoas) encontra-se exposta a eventos extremos como ondas de calor, secas, inundações, incêndios ou subida do nível do mar, de acordo com o relatório dedicado aos “Impactos, Adaptação e Vulnerabilidades" – elaborado pelo grupo II do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (conhecido pela sigla em inglês IPCC) e apresentado em fevereiro de 2022. Perante os factos que mostram fronteiras já ultrapassadas e o efeito em cascata dos seus impactos, os cientistas apontam para a urgência de cortar emissões de gases de efeito de estufa e adaptar a humanidade à nova realidade, sem esquecer a articulação com a conservação da natureza. O Expresso revela aqui dez sinais da crise climática.
1.TEMPERATURAS A SUBIR
Em 2021, o termómetro médio global
esteve 1,1° C acima da média da era pré-industrial (1850-1900). Segundo a
Organização Meteorológica Mundial, o ano passado foi um dos sete mais quentes
registados até agora e o sétimo consecutivo com mais de 1°C acima dos níveis
pré-industriais. Todas as décadas desde 1980 revelam uma tendência de aquecimento,
com os anos 2016, 2019 e 2020 no “top 3” dos mais quentes. Os cientistas
apontam para que se atinja uma subida de 1,5°C já em meados deste século, e não
apenas no final como ambicionado no Acordo de Paris. Em 2021, os termómetros em
Verkhoyansk, na Sibéria, chegaram a 38°C e no Vale da Morte, na Califórnia, a
54,4°C.
2. POLOS A DERRETER
Já nem o local mais frio do planeta é o
que era. Os cientistas parecem não ter dúvidas de que seria “virtualmente
impossível” tal acontecer sem a concentração de gases de efeito de estufa
provocada pela atividade humana. As temperaturas da Antártida atingiram níveis
inimagináveis em março passado, ficando cerca de 40°C acima da média para a
época, registando uma média 20°C negativos, quando esta andava nos 60°C negativos.
O Ártico também atingiu temperaturas 30°C acima do normal e está cada vez mais
verde. As alterações climáticas levam os polos a aquecer muito mais rapidamente
do que a média global. Em 25 de fevereiro, o gelo marinho do Ártico atingiu a
sua 10.ª menor máxima extensão anual, em relação à média histórica verificada
desde 1979 (dados da NASA).
3. OCEANOS A AQUECER E ACIDIFICAR
O Grande Recife de Coral da Austrália –
o maior do mundo – está a sofrer a quarta lixiviação em massa em sete anos, que
transforma anormalmente os coloridos corais numa espécie de fantasmas brancos.
Pelo menos 60% deste ecossistema formado há milhares de anos foi afetado pelo
aquecimento e acidificação das águas marinhas. Os oceanos têm funcionado como
amortecedores do aquecimento global, absorvendo 90% do calor e dos gases de
efeito de estufa emitidos e ajudando a regular as temperaturas globais, mas
estão a chegar ao seu limite, segundo o relatório do IPCC de 2019, dedicado aos
Oceanos e à Criosfera. As águas marinhas, que cobrem 97% do planeta, estão a
aquecer, a acidificar, a perder oxigénio e, em consequência, a tornar-se menos
produtivas, a perder biodiversidade e a alimentar a formação de furacões e
ciclones.
4. INTEMPÉRIES E INUNDAÇÕES
As chuvas copiosas e consequentes
deslizamentos de terra e inundações que tiraram a vida a pelo menos 217
pessoas, em Petrópolis, no Brasil, em fevereiro são um exemplo de eventos
extremos que se têm sucedido em vários cantos do mundo. Esta foi a maior
intempérie do género, registada no Brasil desde 1932, segundo o Centro Nacional
de Monitorização de Desastres Naturais. Exemplos de enxurradas fatais na Ásia e
na Europa, em anos recentes, como as da Alemanha em 2021, multiplicam-se. Em
2020 houve um número recorde de tempestades tropicais, com 30 registadas só no
Atlântico Norte.
5. INCÊNDIOS
A probabilidade de fogos extremos, como
os que assolaram Portugal em 2017, ou a Califórnia, a Sibéria, a Austrália ou a
Amazónia, nos últimos anos, vão multiplicar-se. Os incêndios vão aumentar cerca
de 30% até 2050 e 50% até final do século, e as alterações climáticas são uma
das peças de ignição, projeta o relatório “Spreading like Wildfire: The Rising
Threat of Extraordinary Landscape Fires”, do Programa das Nações Unidas para o
Ambiente. Incêndios catastróficos que aconteciam a cada 100 anos tendem a
ocorrer cada vez mais frequentemente, e a ser mais intensos e prolongados,
mesmo em áreas antes não afetadas por este tipo de eventos, como a Sibéria ,
devido ao degelo do "permafrost" (solo permanentemente gelado).
6. MAR A SUBIR
Perto de 900 milhões de pessoas que
vivem em zonas costeiras estão já ameaçadas pela subida do nível médio do mar e
o número tende a aumentar, segundo o último relatório do IPCC sobre "As
consequências das alterações climáticas e a necessidade de adaptação". Se
o nível médio do mar subir 15 cm por comparação ao de 2020, a população afetada
sobe 20%, mas pode triplicar se subir 1,4 metros, se não se inverter o
crescendo de emissões. O efeito em cascata associado ao encolher do gelo marinho
na Antártida e no Ártico, e a uma menor resistência de transporte de gelo do
continente para o mar, vai fazer subir o nível médio do mar, já amplificado
pela subida das temperaturas dos oceanos.
7. EXTINÇÃO DE ESPÉCIES
As alterações climáticas causaram já danos
substanciais em ecossistemas terrestres, marinhos e de água doce e no relatório
do IPCC dedicado aos “Impactos, Adaptação e Vulnerabilidades”, os cientistas
indicam que cerca de metade das espécies estudadas estão a procurar zonas de
maior altitude ou mais próximas dos Polos para sobreviver e que já se registam
extinções de espécies. Entre 3% a 14% das espécies da fauna e da flora
existentes na Terra podem extinguir-se.
8. INSEGURANÇA ALIMENTAR
Até 2050, entre oito e 80 milhões de
pessoas a mais podem enfrentar a fome ou insegurança alimentar em países da
África Subsariana, no sudeste asiático ou na América Central e do Sul. E até
final do século, um terço das áreas cultivadas atuais podem deixar de estar
aptas para produção alimentar. Na região do Mediterrâneo, uma das que revela
maior vulnerabilidade, a produção agrícola poderá cair 17% até 2050,
mantendo-se o atual nível de emissões de gases com efeito de estufa, de acordo
com o IPCC.
9. SAÚDE HUMANA EM RISCO
Globalmente, a saúde mental e física
dos seres humanos também está em risco devido aos impactos da crise climática.
As ondas de calor levam a um aumento da mortalidade e da morbilidade, associado
a problemas respiratórios e cardiovasculares. A contaminação da água e de
alimentos devido a inundações, por exemplo, ou a dispersão de alguns vectores
de doenças associadas a climas mais quentes, tendem a agravar-se. Os impactos
são maiores junto das populações social e economicamente mais marginalizadas.
10. CRISE HUMANITÁRIA
Eventos extremos como secas e
inundações, associados a um aumento de insegurança alimentar e a guerras, têm
contribuído deslocações e migrações de milhões de pessoas no mundo, sobretudo
em África, na Ásia e na América do Sul e Central. A ONU estima que 10% da
população mundial estava exposta a insegurança alimentar em 2019, o que se
agravou com a pandemia de Covid-19. Eventos associados ao clima provocaram mais
de 23 milhões de deslocados em média por ano, entre 2010 e 2020. Um relatório
do Banco Mundial estima que a crise climática pode levar 216 milhões de pessoas
a saírem das suas casas, até 2050 (Expresso, texto da jornalista Carla Tomás)
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