Presidente da
Região Autónoma da Madeira, Miguel Albuquerque, elogia Passos Coelho, aponta o
principal erro da liderança de Rui Rio e explica a estratégia do arquipélago
para a pandemia e para o futuro pós-covid.
Miguel Albuquerque
recebeu o DN na residência oficial do Governo Regional da Madeira, no Funchal.
A cidade que o PSD quer reconquistar nas próximas eleições autárquicas, em
coligação com o CDS-PP. Em pleno Salão Nobre, o líder que sucedeu a Alberto
João Jardim falou da forma como a ilha que lidera lida com a pandemia, numa
estratégia diferente do resto do país, e das apostas futuras da região para lá
do turismo.
De fora da conversa, e apenas por razões de segredo de justiça, como frisou, fica o comentário às recentes buscas por parte do Ministério Público (MP) e da Polícia Judiciária. Em causa está a venda da Quinta do Arco e a concessão da Zona Franca da Madeira ao Grupo Pestana. Mas o líder madeirense não se coibiu de mandar recados internos a Rui Rio pela forma como expressa as suas ideias, nem foi parco nos elogios a Passos Coelho, deixando no ar que o regresso do ex-primeiro-ministro é bem-vindo. Quanto ao seu futuro, Miguel Albuquerque deixa transparecer que poderá ser fora da Madeira.
Como avalia Rui
Rio na liderança do PSD?
O PSD vive um
dilema em termos estratégicos: por um lado, tem de se afirmar com uma política
ao centro para ser alternativa de governo, por outro, tem de fazer uma política
diferente e apresentar projetos alternativos, o que gera dificuldade em
qualquer liderança. Neste momento, acho que a grande dificuldade do PSD tem
sido a transmissão da mensagem. Se olhar para o programa económico do PSD, está
muito bem feito e apresenta uma alternativa real àquilo que não temos há mais
de 20 anos: crescimento económico. Mas há dificuldade em passar a mensagem.
A pergunta era no sentido de saber se concorda ou não com a estratégia de Rui Rio para o PSD...
Fui dos primeiros
a dizer que o PSD tem que fazer uma política ao centro, mas deve entender-se
com as forças à direita sem complexos. Como uma concertação de uma alternativa.
Aliás, como o PS fez com a esquerda e a extrema-esquerda.
... e com todas as
forças à direita, Chega incluído?
O Chega é um
partido como vários que existem na Europa, e o PSD, para fazer uma aliança
instrumental pós-eleitoral, tal como aconteceu nos Açores, não tem de comungar
de certos princípios que o Chega defende. Da mesma forma que o PS, sendo um
partido do pluralismo democrático, fez uma aliança mas não comunga, acho eu,
dos princípios totalitaristas do PCP nem do trotskismo do Bloco de Esquerda.
Quem tem memória sabe do que estou a falar.
Há uns meses que o
nome de Passos Coelho e o seu eventual regresso tem sido falado em alguns
setores no PSD. Foi apoiante de Passos Coelho. Gostaria desse regresso?
Neste momento há
um líder eleito em congresso que devemos respeitar. Agora, o nome Passos Coelho
continua a assustar a esquerda, assim como o de Cavaco Silva, que foi o homem
que derrotou quatro vezes a esquerda, esteve 10 anos no poder e foi Presidente
da República dois mandatos. Passos Coelho assumiu uma situação muito difícil no
país, de colapso total conduzido pelo PS, e teve a coragem e determinação para fazer
o que era necessário. Se foi excessivo ou não, a história irá avaliar.
E, na sua opinião,
foi excessivo?
É fácil falar
depois do factos... mas no essencial fomos buscar 78 milhões de euros para
pagar os salários. Mas também houve erros muito graves da União Europeia, e
sobretudo das suas potências centrais. Foi um período muito difícil e o país
deve um serviço inestimável a Passos Coelho como primeiro-ministro e ao seu
governo.
E qual o seu papel
atual no PSD a nível nacional? Chegou a ponderar candidatar-se à Presidência da
República...
Ponderei sim, mas
acho que neste momento o meu papel é o serviço que presto ao meu país a liderar
esta região. Mas nunca descartei a situação nacional, avalio-a e acho que este
Plano de Resiliência é uma grande oportunidade para olharmos para os objetivos
de recuperação do país e sabermos qual o caminho que queremos seguir. E esse
caminho é só um: uma aposta decisiva e importante no setor empresarial,
sobretudo na nova geração, que tem mais formação, uma aposta também na tecnologia,
na formação, na ciência, na inovação, para termos um tecido empresarial
competitivo, que traga riqueza para o país e crie empregos bem remunerados,
para se recuperar do atraso relativamente às suas desvantagens competitivas.
"Não temos um
discurso mole na defesa daquilo que são os interesses na Madeira, e, quando
digo isto, são os interesses de Portugal aqui na Madeira! Que isto é
Portugal."
E existem entraves
a que isso aconteça?
O Estado está
capturado por um conjunto de interesses que leva a que o crescimento económico
não seja consistente e fiável. O nosso objetivo na Madeira é fazermos uma
diminuição do peso do turismo no nosso PIB, que é excessivo (24%). Temos feito
uma aposta nas tecnologias, temos 150 investigadores e hoje as 27 empresas tecnológicas
que temos aqui na Madeira faturam 75 milhões de euros, e com tendência a
crescer. Estamos a fazer uma aposta nos nómadas digitais. Temos cá mais de mil
e vêm mais 1100 norte-americanos. E queremos difundir o plano de estratégia
para o mar, que está muito bem feito. É fundamental no plano de Resiliência
pegar nas empresas de ponta, como existem aqui, no Funchal, ou em Aveiro, por
exemplo. Temos que aproveitar o que temos.
Como tem sido a
sua relação com o primeiro-ministro?
Antes das
eleições, tivemos algumas querelas, o que é normal. Conheço-o desde a altura em
que era presidente da Câmara de Lisboa e temos um bom relacionamento
institucional. É evidente que temos conflitos, mas as relações estão mais ou
menos estabilizadas, vamos ver agora... porque temos um conjunto de projetos
que queremos pôr a andar. Mas quando faço as reivindicações não é por minha
causa, é para desenvolver o meu país na Região Autónoma da Madeira.
E como avalia a atuação do governo de António Costa em relação à pandemia? A sua estratégia na Madeira foi diferente...
Acho que houve um
excesso de confiança, aliás, o que também aconteceu na maioria dos países
europeus. Mas eu nunca o tive. Fui logo alertado em fevereiro, porque fizemos
um primeiro estudo e percebemos que a covid-19 ia ser uma coisa muito
complicada. Não se controla a covid, contém-se. Daí a decisão de encerrar os
aeroportos, que foi a melhor coisa que fizemos. E fizemos bem mais duas coisas:
o sistema de controlo de entrada e saída através dos testes - houve quem não o
quisesse na Europa por causa do valor do investimento; e, em segundo lugar, a
estrutura que criámos nos telemóveis para a monitorização dos casos. E agora
estamos a funcionar, só que o turismo está muito em baixo porque os mercados
inglês e alemão ainda estão fechados. E o recolher obrigatório também está a
correr bem. Fechamos às 18h00 ao fim de semana e às 19h00 durante a semana, com
o comércio a encerrar sempre uma hora antes. Sabemos que a maioria do convívio
acontece depois dessas horas. Temos tido casos, mas está a correr bem.
"O PSD, para
fazer uma aliança instrumental pós-eleitoral, tal como nos Açores, não tem de
comungar de certos princípios que o Chega defende."
Mas, comparando
com outras ilhas, como os Açores ou mesmo mais longe, a Nova Zelândia, as
coisas não correram assim tão bem...
Inicialmente não,
mas como nunca fechámos... Foi uma opção deliberada, temos de manter a economia
a funcionar e pensar também do ponto de vista psicológico da população. Por
isso, se temos a situação controlada, sem cadeias de transmissão
descontroladas, podemos manter a economia a funcionar.
Mas, olhando do
continente, dá a impressão de que a Madeira está muito mais à vontade com a
pandemia. Talvez demasiado à vontade...
Não, se andar pela
rua, as pessoas cumprem, andam de máscara e respeitam o distanciamento social.
Interiorizou-se que isto é uma nova realidade. Aliás, as nossas escolas estão
abertas até ao 6.º ano e não tiveram casos, os alunos e professores cumprem.
No plano geral,
acha que a Europa vai mudar com a pandemia?
Mudou uma coisa. A
Europa começou a perceber que a autossuficiência é um dos princípios
fundamentais. A Europa não pode estar dependente no setor de laboratórios e
medicamentos da China. A autossuficiência alimentar é essencial, e no caso de
Portugal temos condições para produzir e exportar tudo. Temos de aprender com
um povo que já o fez: os Países Baixos, país do tamanho do Alentejo, com 17
milhões de habitantes, que produz tudo.
Referiu os Países
Baixos, e isso leva-nos à questão da Zona Franca da Madeira. Como está a
situação?
Eu explico. A Zona
Franca não é da Madeira, é, sim, o Centro Internacional Negócios que é
português e devia ser assumido pelo país. As grandes empresas portuguesas que
se querem internacionalizar estão nos Países Baixos. Porque estão lá e não em
Portugal? Porque o país nunca interiorizou a capacidade de ter um núcleo de
empresas com cariz e vocação internacional. O Centro Internacional de Negócios
foi sempre uma pedra no sapato daqueles que acham que se deve distribuir o que
não se produz. Grande parte da estrutura mental política e anacrónica do país
ainda está centrada na revolta e na tomada do Palácio de Inverno de São
Petersburgo, em 1917, e já lá vai algum tempo. Existe um país com grandes
desigualdades porque não produz nem cria riqueza para distribuir. Temos de
criar riqueza e depois distribui-la equitativamente.
Estamos em ano de
autárquicas, presumo que o grande objetivo seja reconquistar a Câmara do
Funchal, perdida em 2013?
É um objetivo a
que nos propomos. E vamos apresentar o melhor candidato, que é o
vice-presidente do Governo Regional da Madeira, Dr. Pedro Calado.
Em coligação?
Sim, será em
coligação com o CDS. Ainda não está aprovada na comissão política, que só irá
acontecer depois da Páscoa. Será com o CDS, mas poderemos abrir a outros
partidos, ainda não sabemos.
E qual a
estratégia para essa eventual reconquista da câmara?
Não é muito
difícil, o Funchal viveu dos epifenómenos de propaganda. O PSD está no poder há
muitos anos e é normal que as novas gerações se cansem um pedaço. Mas penso que
continuamos a responder às expectativas da população, desde logo porque não
temos um discurso mole na defesa daquilo que são os interesses na Madeira, e
quando digo isto são os interesses de Portugal aqui! Que isto é Portugal. Em
segundo lugar, este fenómeno da Câmara do Funchal é típico, porque apareceu uma
pessoa não muito conhecida [n.r.: Paulo Cafofo] que sorria e que era simpático.
Foi eleito. Passaram oito anos e é preciso uma lupa para ver obra feita no
Funchal. E a propaganda do sorriso dura o que tem de durar, mas depois acaba. E
neste momento o Funchal precisa de ter uma boa equipa, que retome o
desenvolvimento da cidade.
Por fim, uma
pergunta mais pessoal. O seu futuro político passa por outro local que não a
Madeira?
Não sei, vou fazer 60 anos no próximo mês e ainda estou em boa forma [risos]. Mas não sei. Depende da conjuntura e se me candidato à Madeira. Se não, gostava de fazer um papel de política nacional ou na Europa. Ainda estou a meio do mandato, vamos ver, até agora tem corrido bem (Diário de Notícias de Lisboa, uma entrevista do jornalista Filipe Gil e fotos de Hélder Santos da ASPRESS)
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