sábado, novembro 13, 2021

PS passou a votar mais com a direita. Viragem começou em 2018

Dados confirmam: o PS aproximou-se do PSD. Bloco central à vista? Esquerda tem narrativa montada. Foram mais de 10 mil as votações dos partidos na Assembleia da República (AR) ao longo de seis anos, desde as grandes questões estruturais, como privatizações ou o acesso ao subsídio de desemprego, às menores, da gestão corrente. Será que, como alegam os antigos parceiros de ‘geringonça’, nesta legislatura interrompida a meio, o voto do PS andou ao lado da direita?

Não foi para responder a essa pergunta que Frederico Muñoz usou a ciência de dados e funções matemáticas para esquematizar os votos dos partidos. “Comecei a fazer porque me interessa a data science, por um lado, e porque não sou politicamente indiferente, sigo a discussão. E houve uma discussão.” Na altura, era sobre a entrada de três novos partidos na AR (Chega, Iniciativa Liberal e Livre) e sobre onde se sentariam os respetivos deputados. Frederico Muñoz, que trabalhava na IBM Portugal e hoje está no SAS Institute, empresa de tratamento de dados e inteligência artificial, começou a agrupar os dados abertos, disponíveis no site do Parlamento, para “publicar uma coisa com o mínimo de utilidade”. Das várias formas de usar o tempo de férias, Muñoz escolheu esta.











Votos socialistas na AR em 2015 eram muito próximos dos partidos à esquerda. Em 2019, o cenário alterou-se. As conclusões em relação ao PS parecem confirmar a crítica dos partidos à esquerda. Os socialistas têm em 2015 e 2016, no início da ‘geringonça’, “sempre maior proximidade com os partidos à esquerda, sendo 2015 particularmente vincado”, escreve Muñoz no site em que apresenta o projeto. A tendência é atenuada nos anos seguintes até que, na segunda metade de 2019, já depois das eleições que puseram o PS como partido mais votado, o jogo vira, e as votações socialistas aproximam-se das de PSD e CDS-PP.

No site https://fsmunoz.github.io/parlamento/html/intro.html Muñoz põe os dados de duas formas e ambas permitem essa leitura. A primeira olha apenas para os números absolutos dos votos idênticos. Tomemos o PS e o Bloco de Esquerda como exemplos: na primeira legislatura, em 6393 votações, PS e BE votaram 4179 vezes da mesma forma (65%). Nesta legislatura, com dados até 27 de outubro, em 3746 votações, 1582 são iguais (42%), bem abaixo do rácio que o PS tem com o PSD, que substituiu o Bloco como o partido com mais votos iguais aos socialistas: 2221 (59%).

Esta leitura tem um risco, uma vez que existem três hipóteses de voto (favor, abstenção, contra), e não duas (igual ou diferente). Ou seja, abster-se numa votação ou votar contra, que têm significados diferentes, contam como iguais. Muñoz criou então uma “matriz de distância”, em que essa diferença é analisada, separando os três tipos de voto, somando-os a todos, e que resultou nos mapas acima (no site do Expresso, pode ver todos os anos das duas legislaturas). A principal conclusão é a de que o bloco à esquerda (incluindo o PAN) está mais junto na XII legislatura. “A partir de 2018 começa a haver uma aproximação de PSD e PS (...) que se acentua na XIV legislatura.”

FORÇAS E FRAQUEZAS

As limitações do trabalho de Muñoz são também a sua força. O cloud architect (arquiteto de computação em nuvem) fez uma “abordagem cega”, isto é, não separou propostas politicamente importantes, porque isso poria “mão humana” na análise e um possível enviesamento ideológico. Fraqueza: “se os partidos concordam nove vezes de que cor pintar a AR, e discordam uma do modelo económico, concordaram 90% das vezes”, ainda que isso seja menos relevante do que os 10%. Seria, porém, “um azar dos Távoras”, diz Muñoz, que a leitura global fosse influenciada por hipóteses destas, uma vez que a amostra é de grande escala. A força: sem divisões ou leituras políticas sobre os dados, Muñoz quis tornar o trabalho à prova de bala e evitar acusações de favorecimento.

O analista insiste que este “é um dado que não substitui olhar para dentro e para fora da Assembleia da República e para o tipo de votos”, para se perceber onde está cada partido ideologicamente. E que mesmo a conclusão de que o PS está a uma distância menor da direita no pós-‘geringonça’ pode ter várias leituras: “Foi o PSD que se aproximou? Ou à direita, com novos partidos, o limite mínimo e máximo [de votos num sentido] aumentou, e arrastou o PS?”.

ESQUERDA PREPARADA

À esquerda, a narrativa está montada. Ao pedido de dados do Expresso, os partidos responderam de forma diferente. O BE não tem a contabilização feita, mas há muito que se queixa de ter sido obrigado a levar os temas extraorçamentais para as reuniões com o Governo sobre o Orçamento do Estado porque, no Parlamento, o PS conta sempre com a direita — e sobrava o espaço orçamental para forçar uma negociação.

Se durante a vigência da ‘geringonça’ como ela foi imaginada, as reuniões entre BE e PS eram semanais, “às vezes mais do que uma por semana”, lembra Pedro Filipe Soares, o líder parlamentar do BE, de 2019 em diante esses encontros passaram a esporádicos.

PCP destaca “confluência do voto” do PS com PSD e Chega em várias propostas comunistas

Já o PCP enviou ao Expresso as contas dos seus projetos de lei, uma das iniciativas parlamentares mais relevantes, apresentados desde 2019. Em 229 projetos de lei, 108 foram chumbados com o voto contra do PS e da direita. Alguns em temas fundamentais, destaca o partido: a nacionalização dos CTT, a proibição de distribuir dividendos na banca, a revisão extraordinária das tarifas da energia e do gás ou o fim das propinas no Ensino Superior, por exemplo. Além de destacar “a confluência do voto do PS com o PSD e o Chega”, os comunistas não quiseram juntar mais comentários. Mas a conclusão será a mesma: ou o PS se afastou ou a agenda que o podia aproximar do PCP se esgotou na primeira legislatura.

Por fim, o PEV. Com menos projetos de lei do que os comunistas (66), apenas 13 foram aprovados, oito deles com a ajuda do PS. A maior parte ficou, assim, pelo caminho — 53 chumbos, com o PS a contribuir com um voto contra em 52 deles.

Numa semana em que se volta a falar de soluções de bloco central, e em que nenhum dos principais líderes de PS e PSD a afasta, os dados estão lançados para uma narrativa que ganha força à esquerda (Expresso, texto do jornalista  JOÃO DIOGO CORREIA e infografias de SOFIA MIGUEL ROSA)

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