sábado, novembro 20, 2021

BANIF: Governo e covid atrasam planos para Oitante pagar dívida ao Santander



A pandemia e o Ministério das Finanças estão a atrasar os planos de pagamento da dívida que a Oitante, veículo que ficou com os despojos do Banif e que integra a esfera do Estado, tem perante o Santander (e que, se não fosse reembolsada, teria de ser saldada pelos contribuin­tes). “O objetivo inicial era pagarmos a dívida em 2021; não tivesse havido uma pandemia, estaríamos a atingi-lo”, diz o presidente da dona dos ativos herdados pelo Banif. À conversa com o Expresso, Miguel Barbosa afirma: “Em 2021, o objetivo é ter, pelo menos, 90% da dívida paga, ou seja, ficará por abater entre €50 e €70 milhões.” A meta traçada dos 100% em 2021 “não será atingida por uma questão de meses”. Dos €746 milhões de dívida emitida em 2015, quando o veí­culo foi criado com o fim do Banif, restavam €200 milhões por pagar no final de 2020. Durante este ano, a equipa liderada por Miguel Barbosa já conseguiu abater mais dívida, que está agora nos €118 milhões, ou seja, 84% do total. E deverá baixar ainda mais este ano.

Porém, para isso é preciso que João Leão atue. “Ficámos com um saldo de tesouraria na ordem de €33 milhões. Só pode ser libertado por decisão do Ministério das Finanças”, conta Miguel Barbosa. A solicitação para a utilização das verbas foi feita em maio, com a aprovação de contas de 2020, mas até novembro não chegou a luz verde. A expectativa é de que chegue em breve e é com ela que a Oitante espera chegar aos 90% da dívida reembolsada. Ficariam a faltar entre €50 e €70 milhões, que seriam pagos em 2022.

Quanto mais rápido for paga a dívida menos juros são pagos face ao que estava estimado. “Se não tivéssemos ficado dentro do perímetro das Administrações Públicas para efeitos estatísticos, haveria um conjunto de obrigações que desapareceria e tornaria a estrutura mais leve e mais eficiente”, confessa o responsável da Oitante, que foi administrador do Banif em nome do Estado. “São alguns obstáculos que decorrem da lógica pública versus lógica privada. A ordem pública leva a decisões mais lentas. E o desbloqueio leva tempo a desbloquear”, continua.

Aliás, o espartilho orçamental obriga também a um “conjunto de reportes, numa lógica de contas públicas, que não se aplica à realidade de um veículo que quer ser ágil e que rapidamente quer desinvestir nos seus ativos e pagar a dívida”.

RETOMAR DIVIDENDOS

No próximo ano, a Oitante espera poder “concluir o pagamento da dívida e, consoante o montante de ativos que for vendido, retomar o pagamento de dividendos”, antevê Miguel Barbosa.

Em 2020, pagou €15 milhões ao seu acionista, o Fundo de Resolução. Este ano não acontecerá, mas de 2022 em diante essa é a expectativa — até porque já não haverá o peso da dívida ao Santander por ­reembolsar.

Miguel Barbosa pretende terminar a sua missão de devolução da dívida (que está garantida pelo Estado e contragarantida pelo Fundo de Resolução) antes de findo o seu segundo mandato, agendado para 2023. Sobre se aceitará um terceiro mandato, não concretiza.

GRANDES VENDAS ATÉ 2025

Constituída em 2015, a Oitante tinha validade por 10 anos. “A expectativa é de que a maioria dos ativos esteja vendida até 2025. Nunca antes disso”, declara o presidente. “A não ser que apareça uma oferta pela compra da totalidade da Oitante”, tudo irá continuar como está: em desinvestimento.

Nos ativos deste veículo há sobretudo imóveis, créditos, participações em fundos de rees­truturação e posições acio­nistas. Agora já não há grandes blocos, como houve nos primeiros anos; são já alienações mais granulares. E muito do futuro destes ativos não está nas mãos da Oitante, porque a gestão foi transferida, ainda pelo antigo Banif, para sociedades gestoras de ativos.

Os cerca de dois mil imóveis em carteira têm avaliações em torno de €300 milhões e a venda é o destino. A pandemia trouxe dificuldades ao mercado, a juntar à incerteza macroeco­nómica e às dúvidas sobre os juros. Mas o plano não mudou, e a meta é chegar a 2025 com uma parcela “muito residual”, tal como no que diz respeito ao crédito existente. Só que neste último caso a Oitante acredita que o preço dessas alienações será mais afastado do valor registado do que nos imóveis. Quando o desconto da operação é muito signi­ficativo face ao valor efetivo, é necessário consultar o Fundo de Resolução, mas até agora não houve nenhum veto.

Ao nível das participações financeiras, há posições na Unicre e na Iberol: se a primeira dá dividendos e pode ser mantida, a segunda, que não é tão rentável, está nas mãos da sociedade gestora ECS e a alienação não se perspetiva imediata.

FUNDOS EM OUTRAS MÃOS

É precisamente nas mãos da ECS que está parte dos fundos de reestruturação da Oitante. Estes fundos são aqueles para onde o Banif mandou ativos problemáticos e cuja gestão passou para sociedades especia­lizadas: ECS, Oxy e Explorer, as entidades de capital de risco com que a Oitante trabalha.

A ECS está a vender um portefólio de imobiliário, mas a operação está a arrastar-se, até porque há vários bancos envolvidos e os interesses nem sempre são convergentes. “Se a venda da ECS se concluísse no final deste ano, provavelmente o objetivo dos 100% do pagamento da dívida seria atingido”, admite Miguel Barbosa. Não é o expectável. A DK Partners e a Bain/Cerberus são os concorrentes mais bem qualificados neste processo, mas ainda não há decisão final.

A Oitante foi criada em 2015, com 10 anos de validade. O presidente acredita que a sua estrutura podia ser aproveitada ou por privados ou pelo Estado

A exposição da Oitante aos três fundos da ECS é de €70 milhões; como a oferta de compra é sobre 70% dos ativos, recuperaria €49 milhões. Quanto aos restantes 30% não abrangidos por esta operação, o objetivo, diz Miguel Barbosa, é continuar a desinvestir.

Há ainda o fundo Discovery, da Explorer. Foi lançado um processo de venda no mercado pelos bancos detentores do fundo, mas a Oitante não entrou. “Achamos que, para a Oitante, não faria sentido incorrer em custos com um assessor, mas se houver uma proposta concreta avaliaremos. A última informação que temos é de que não havia propostas vinculativas”, relata Miguel Barbosa. No Discovery, “a carteira total são cerca de €1000 milhões. Imagino que o asset value [valor dos ativos] ande à volta dos €700 milhões. Como temos 20% do fundo, são €140 milhões”.

Nem sempre é fácil depender de terceiros, até porque também há outros fundos de investimento geridos por outras sociedades (Fund Box). Há prazos de vencimentos determinados e só com o acordo das sociedades gestoras é que pode haver antecipação. “Essas entidades têm vindo a gerir, têm vindo a criar valor. Para a Oitante, desde que haja uma criação de valor, vender o justo valor desses ativos é um cenário positivo. Pode é não fazer muito sentido estar a fazer vendas forçadas que impliquem grandes descontos. O grande problema que os participantes têm é quando os mandatos que foram atribuídos a essas sociedades gestoras não forem respeitados”, explica.

O FUTURO PODE SER OUTRO

Mesmo desfazendo-se desta carteira herdada do Banif, Miguel Barbosa acredita que a Oitante poderá ter futuro para lá disso. “Criámos um conjunto de valências que pode ser aproveitado, até pelos chamados fundos abutres, fundos que gerem real estate [imobiliário], que querem comprar malparado. A Oitante é uma plataforma que tem track record [histórico] que pode ser interessante para uma destas entidades”, especifica.

Mas também poderá haver interesse do lado público, se o Estado tiver “interesse em olhar para a Oitante como uma plataforma de recuperação”.

“As pessoas que estão aqui sabem gerir uma carteira, se houver outras carteiras, investidores interessados a ter pessoas que tenham essa capacidade, a Oitante é uma entidade onde existem esses recursos e onde existe esse know-how”, sintetiza Miguel Barbosa.

Seja como for, pelo menos a nível de quadro de pessoal não se antecipam grandes processos de redução. Este veículo, que começou com mais de 500 trabalhadores, tem agora apenas 51 funcionários. A ideia é que assim continue nos próximos tempos. Quaisquer reduções serão “muito marginais” (Expresso, texto dos jornalistas DIOGO CAVALEIRO e ISABEL VICENTE)

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