segunda-feira, novembro 29, 2021

Este país que é para velhos

Quando Kane Tanaka nasceu Portugal ainda era uma monarquia, a Volta a França estava a meses de acontecer pela primeira vez e os irmãos Wright preparavam o primeiro voo motorizado para o final do ano. Nascida em 1903, a japonesa é aos 118 anos a pessoa mais velha do mundo. Mas ser-se supercentenário pode tornar-se um feito cada vez menos raro. No Japão, Kane é uma das 86.510 pessoas que têm pelo menos um século de vida (um valor recorde contabilizado em setembro). É o país com maior percentagem de população centenária, sendo apenas superado em números absolutos pelos EUA.

A nível mundial, as estimativas mais recentes da ONU indicam que em 2015 estavam vivos 451 mil centenários, número que deverá crescer acentuadamente para os 3,67 milhões em 2050. A tendência é semelhante em território nacional. Os 4178 portugueses com mais de 100 anos em 2019 deverão transformar-se em 10.245 a meio do século. Este é apenas um dos indicadores que aponta para “um dado relativamente certo e conhecido”, como classifica a demógrafa Ana Fernandes. A longevidade do ser humano está a aumentar. Vivemos cada vez mais anos individualmente e no nosso conjunto enquanto espécie.

PORTUGAL ESTÁ EM QUARTO LUGAR A NÍVEL MUNDIAL COM A MAIOR FATIA DE POPULAÇÃO IDOSA. O SUL DA EUROPA É CONSIDERADO A REGIÃO MAIS ENVELHECIDA DO MUNDO

Em 2021, a esperança média de vida de um português é de 81,8 anos (78,1 para homens e 83,7 para mulheres). É o 19º valor mais elevado de entre os países da OCDE (onde a média é de 81 anos) e uma conquista de quase duas décadas face a 1960 (63 anos). No topo da lista surge novamente o Japão (84,4), seguindo-se a Suíça (84), Espanha (83,9) e Itália (83,6).

“Portugal não é o país que bate o recorde, mas estamos efetivamente bem situados, nomeadamente mais do lado das mulheres. Isto tem que ver com o contexto da Europa em que estamos”, considera a vice-presidente da Associação Portuguesa de Demografia. “No caso de Espanha e Portugal há um contínuo, e no entanto Portugal tem uma esperança de vida mais baixa. Provavelmente deve-se por um lado aos sistemas de saúde (o espanhol é mais eficaz na prevenção das doenças) e por outro aos níveis de pensões de velhice mais elevadas.”

A SOCIEDADE TAMBÉM ESTÁ A ENVELHECER

“A esperança média de vida tem vindo a aumentar em todos os países da OCDE nos últimos 50 anos, mas o progresso abrandou na última década”, destaca o relatório de 2020 da OCDE. As melhorias nos sistemas de saúde e progressos na medicina, assim como os maiores rendimentos, melhores condições de habitação e educação e estilos de vida mais saudáveis contribuíram para o aumento da longevidade. Mas a obesidade e diabetes ou os problemas de saúde mental provocados pela recessão económica têm travado este fenómeno.

A esta equação juntou-se a pandemia da covid-19. Em menos de dois anos, o SARS-CoV-2 (e o excesso de mortalidade que causou) levou a uma diminuição da esperança média de vida em quase todos os países da OCDE. O recuo foi superior a um ano em nove países e particularmente grande nos EUA (-1,6 anos) e Espanha (-1,5). Em Portugal, foi de 0,7 quando entre 2015 e 2019 registámos um crescimento anual de 0,1.

Este novo dado não é contudo suficiente para travar o envelhecimento da população portuguesa. O peso percentual dos maiores de 65 anos tem vindo a crescer continuamente desde o início dos registos do Pordata em 1971, passando de 9,7% para 22,3% em 2020. Os dados da ONU colocam-nos em quarto lugar a nível mundial dos países com a maior fatia de população idosa, sendo o sul da Europa considerado a região mais envelhecida do mundo. Considerando o índice de envelhecimento (indicador que relaciona o número de idosos e por cada centena de jovens numa certa região), Portugal tem o segundo maior valor da Europa (161,3), ficando apenas atrás de Itália (176,6).

De acordo com as projeções do INE, este é um fenómeno que tenderá a agravar-se. Num documento de 2018 é estimado que em 2080 o número de idosos passará de 2,2 para 3 milhões e que o índice de envelhecimento quase duplicará (de 159 para 300). Neste cenário, a Madeira será a região mais envelhecida e o Algarve a menos.

“HÁ UM DESEQUILÍBRIO GERACIONAL”

Para Ana Fernandes, o envelhecimento é “um dos grandes problemas” da nossa sociedade. “É bom que a população viva até bastante mais tarde, o que é negativo é efetivamente a proporção relativa de pessoas mais velhas face ao total da população. E aí o problema não está na longevidade, mas na natalidade. Temos cada vez menos pessoas a nascer e isso gera um desequilíbrio nas gerações. Temos pouca gente jovem e ativa para as pessoas com mais de 65 anos.”

De acordo com a especialista, este “desequilíbrio intergeracional” já se faz sentir na dificuldade em “preencher determinados espaços profissionais”, como é o caso dos professores e médicos. “Há falta de mão de obra porque as gerações mais novas já não conseguem ocupar o espaço deixado pelas gerações mais velhas, porque são muito menos.”

Por outro lado, “temos um desequilíbrio no sistema de pensões”, que “já é bem conhecido, já é estrutural, mas começa a ser ameaçador para um sistema de segurança social como o que temos”. Afinal, há “cada vez mais pessoas a receber pensões cada vez mais altas e durante mais tempo” e um número decrescente de trabalhadores em idade ativa para fazer frente à despesa.

Para assegurar a sustentabilidade do sistema, Ana Fernandes defende a necessidade de reestruturações. “Há países, como é o caso dos nórdicos, que têm envelhecimento já bastante antigo e tinham um sistema de pensões idêntico ao nosso (aliás, o nosso foi moldado a partir do sistema sueco) que já fizeram reestruturações no sentido de levar a população a sair o mais tarde possível [do ativo].”

Estas alterações devem, na opinião da especialista, incluir uma flexibilização da reforma. “Depois da reforma ainda se vive muito tempo. É evidente que nem todo o trabalho é igual e que nem toda a gente deseja continuar a trabalhar. Portanto, a flexibilidade é um elemento importante a introduzir no sistema, para permitir que as pessoas que desejassem continuar a trabalhar o pudessem fazer, com alterações nas condições de trabalho (que os nórdicos também fizeram) como a possibilidade de poder reduzir a meio tempo ou de escolher o horário”. Desta forma seria possível que “as pessoas continuassem a ser úteis e não passar logo para o sistema de pensões, o que sobrecarrega muito o sistema”.

Acima de tudo, a demógrafa sublinha a necessidade de repensar o envelhecimento. “Ao haver um crescimento da longevidade, as características do ser velho são atiradas para mais tarde. A sociedade também tem de se adaptar a esta situação, o que não tem acontecido. Nós continuamos a funcionar com os padrões do passado, que não estão ajustados à nova realidade da longevidade.” (Expresso, texto da jornalista CLÁUDIA MONARCA ALMEIDA)

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