quarta-feira, novembro 10, 2021

Financiamento da RTP sem solução à vista

Governo queria ter o contrato de concessão da estação televisiva assinado nesta altura. Chumbo do OE e divergências entre ministérios baralham os planos O ditado popular “o que nasce torto tarde ou nunca se endireita” poderá ajustar-se que nem uma luva ao financiamento do canal público de televisão. O chumbo do Orçamento do Estado para 2022 e a consequente queda do Governo deixam o problema sem solução à vista. Cai a proposta avançada pelo Governo no OE, que não será recuperada em outro modelo, e continua em aberto o reforço financeiro da RTP, porque o tema não é pacífico dentro do Governo.

A questão de fundo remonta à divergência original entre os Ministérios da Cultura e das Finanças quanto ao modelo de financiamento do canal público de televisão. Na Cultura defendia-se o reforço da Contribuição para o Audiovisual (CAV); nas Finanças optou-se pelo aumento da taxa paga pelos operadores de serviços de televisão por assinatura (Altice, Vodafone, NOS e Nowo), que contou com forte oposição destes.

No OE prevaleceu a visão das Finanças para resolver as necessidades de dinheiro identificadas na RTP, e por isso a proposta apresentada pelo Governo passou pela duplicação da taxa cobrada aos operadores para cumprimento das obrigações de fomento, desenvolvimento e proteção da arte do cinema e das atividades cinematográficas e audiovisuais. Essa taxa passaria dos atuais €2 para €4, sendo que metade continuaria a ir para o cinema através do Instituto do Cinema e do Audiovisual (ICA) e os ‘novos’ €2 iriam para a RTP. A solução foi bastante contestada pelos operadores — houve, inclusive, ameaças de recurso para os tribunais, alegando desigualdade de tratamento, atendendo a que este esforço financeiro seria exigido apenas às empresas sediadas em Portugal, ficando de fora as grandes plataformas internacionais de distribuição de conteúdos, como a Netflix.

Administração da RTP já disse que não conta com reforço de verbas para 2022

O próprio sector do cinema deu sinais de mal-estar, temendo que a contestação dos operadores tivesse impacto na distribuição do dinheiro ao sector, conforme foi noticiado pelo jornal “Novo”. Mas a oposição mais relevante à duplicação da taxa vinha do próprio Governo, já que o Ministério da Cultura defendia que o financiamento da empresa pública de rádio e televisão devia passar pelo aumento da CAV — o secretário de Estado do Cinema, Audiovisual e Media, Nuno Artur Silva, já tinha defendido publicamente que a solução passava por esse reforço. O argumento é simples: seria um compromisso do país para com o serviço público de televisão, que a revisão em curso do contrato de concessão pretende melhorar. Mas acabou por prevalecer a visão das Finanças de duplicar a taxa aplicada aos operadores.

O problema é que a CAV é cobrada através da conta de energia — são €2,85 por mês, mais IVA a 6% — e numa altura em que os preços da energia, considerados elevados pelos clientes, estão sob pressão aumentar esta contribuição seria (ainda mais) impopular.

O Governo não faz comentá­rios sobre o tema: nem o Ministério da Cultura, que tutela a RTP, nem o das Finanças, que aprova as despesas do universo estatal. Do lado das operadoras de telecomunicações existe a convicção de que a duplicação das taxas já pertence ao passado e não será recuperada, devido ao chumbo do OE. Mas a Associação dos Operadores de Comunicações Eletrónicas (APRITEL) não comenta o tema.

CONTRATO DE CONCESSÃO PRESSUPÕE MAIS DINHEIRO

O reforço do financiamento da RTP assume especial relevância numa altura em que o Governo pretende finalizar a revisão do contrato de concessão. Entre as novidades do contrato ‘renovado’ está a criação de novos canais, nomeadamente o Canal do Conhecimento, assim como a redução de verbas com a eliminação das receitas com as chamadas de valor acrescentado, chamados IVR. Nuno Artur Silva disse ao Expresso, em agosto, não ter “qualquer dúvida de que só é possível que a RTP cumpra plenamente o que está no contrato de concessão se houver um reforço do financiamento”. A administração da RTP tem feito regularmente saber que a empresa precisa de mais dinheiro, ainda para mais atendendo às alterações previstas no contrato de concessão revisto.

Já o presidente da RTP lamentou, um dia após a entrega do OE, que não estivesse contemplado um aumento da CAV. Sem se referir à prevista duplicação da taxa aplicada sobre os operadores de telecomunicações, Nicolau Santos disse no Parlamento estar a “contar com uma situação de não-aumento de receitas, quer por via da CAV, quer por outras vias, para a RTP para o ano de 2022, o que torna mais difícil, obviamente, todo este exercício, porque se nós queremos renovar o quadro de pessoal, fazer contratações, fazer reenquadramentos e se não temos aumentos de receitas, então daqui o que resulta é que só poderemos ir à grelha da RTP”, acabando por degradá-la.

Nicolau Santos informou também que “no exercício do ano passado estava contemplada uma verba de €2 milhões, que acabou por não acontecer, apesar de estar inscrita quer no orçamento da RTP quer no próprio OE”. E acrescentou que “este ano, quando fizemos o orçamento para o próximo, tínhamos inscrito de novo essa verba de €2 milhões e foi-nos dito pelo Ministério das Finanças para elevarmos a verba para €4 milhões, porque o Estado estaria disponível para fazer essa transferência”. O que, concluiu, acabou por não se verificar (Expresso)

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